A dama de gelo republicana: quem é Susie Wiles, nova chefe de gabinete de Trump
Trump e Susie Wiles, o discurso da vitória (Crédito: Beatrice Peterson/X)
Por Fábia Muneron Busatto* [Informe OPEU] [Eleições 2024] [Trump 2.0]
Entre as inúmeras indicações de Trump para compor seu gabinete depois da vitória eleitoral, um nome se destaca como o primeiro a ser escolhido. Susie Wiles, de 67 anos, uma veterana estrategista política republicana, foi indicada como chefe de gabinete – equivalente ao ministro da Casa Civil no Brasil. A nomeação não foi surpresa para quem acompanhava a trajetória de campanha de Trump. Junto com Chris LaCivita, Susie Wiles foi coordenadora da campanha eleitoral de Trump em 2024, conselheira política de carreira e é considerada a arquiteta de sua vitória.
Mas ela não é apenas uma das conselheiras seniores do republicano. Susie pode ser considerada a conselheira mais importante, famosa pela eficácia em gerenciar Trump: foi a principal coordenadora de campanha dele e conselheira política durante o retorno à corrida presidencial, após a derrocada de 2020. Ela é uma das razões pelas quais Trump foi o candidato concorrente pelo Partido Republicano, e também um dos motivos para a campanha de Trump ser vista como mais profissional do que as anteriores. Em declaração anunciando a escolha da estrategista, Trump encheu-a de elogios. “Susie Wiles me ajudou a alcançar uma das maiores vitórias políticas da história americana e foi parte fundamental das minhas campanhas bem-sucedidas de 2016 e 2020”, disse o presidente eleito. Ele ainda a descreveu como “durona, inteligente, inovadora e universalmente admirada e respeitada”.
Susie Wiles, a guardiã de Trump (Fonte: print de vídeo da FOX News)
O trabalho de um chefe de gabinete é um dos cargos de maior influência para a Presidência, e Wiles é a primeira mulher indicada para a posição. A indicação não precisa passar pelo Senado e é, normalmente, uma das primeiras nomeações presidenciais justamente pelo caráter deliberativo e organizacional executado ao lado do presidente, atuando inclusive durante a transição e a posse. Com a responsabilidade de ser o braço direito do presidente, quem ocupa a função deve se ocupar da agenda presidencial, da articulação com departamentos do governo, do gerenciamento de datas, eventos e da equipe que trabalha na Casa Branca. É um trabalho de articulação e de operacionalização política denso, que deve equilibrar contatos externos, ao mesmo tempo que comanda a cooperação entre agentes internos do governo.
Historicamente, Trump teve um passado conturbado com seus antigos chefes de gabinete. Em seu primeiro mandato na Presidência (2017-2021), ele trocou quatro vezes de chefe. Na época, chegando diretamente do ramo empresarial e tentando se cercar de pessoas relevantes politicamente, Trump escolheu e demitiu como chefes de gabinete o então presidente do Comitê Nacional Republicano, Reince Priebus; o general aposentado do Corpo de Fuzileiros Navais John Kelly; o ex-representante (deputado) da Carolina do Sul Mick Mulvaney; e o ex-representante da Carolina do Norte Mark Meadows. A constante troca de pessoas nesse cargo revela parte da desorganização técnica interna que permeou o mandato do republicano. O então presidente frequentemente discordava ou apenas se cansava de seus indicados e passava para o próximo. Kelly descreveu seu tempo no cargo como o pior trabalho que já teve na vida. Em entrevista ao The New York Times em outubro deste ano, Kelly ressaltou ainda que, se eleito, Trump teria atitudes típicas de um ditador, pois não teria compreensão da Constituição ou do conceito de Estado de Direito.
Trajetória republicana
O histórico conturbado dos antigos chefes de gabinete com o futuro presidente evidencia ainda mais a relevância da escolha de Wiles para o cargo. A trajetória dela dentro do Partido Republicano mostra o perfil de uma pessoa não tão alinhada com os impulsos políticos e com a quebra de decoro e protocolo, pelos quais Trump é conhecido. Oriunda de uma família tradicional na Flórida e filha de Pat Summerall, ex-jogador da NFL e membro do Hall da Fama da Transmissão Esportiva, Susie começou a trabalhar cedo nos bastidores da política republicana. Logo que saiu da faculdade, trabalhou na campanha presidencial de Ronald Reagan, em 1980. Nos anos seguintes, consolidou seu nome como uma estrategista política respeitada na Flórida. Nessa função, atuou nas campanhas vitoriosas de John Delaney e John Peyton para prefeito de Jacksonville.
O ex-presidente Ronald Reagan em seu escritório em Century City, Califórnia, com Susie Wiles e suas filhas, Katie Wiles, 14, e Caroline Wiles, 11, em março de 1998 (Cortesia: Susie Wiles. Fonte: POLITICO)
Depois disso, trabalhou nas campanhas estaduais da Flórida e ajudou o empresário Rick Scott a conquistar o cargo de governador. Quando se encontrou com Trump, em 2016, Wiles já tinha uma carreira consolidada trabalhando com candidatos republicanos mais próximos do lado tradicional do partido. Wiles viu em Trump a mudança necessária para o partido e passou a trabalhar com ele desde então. A parceria entre o candidato e a estrategista foi duramente questionada por quem conhecia seu trabalho. A aliança entre Trump, considerado primeiramente um outsider na política republicana, vindo de um meio empresarial e alheio a dinâmicas burocráticas, e uma analista sênior e respeitável da ala tradicional do Partido Republicano, era, no mínimo, incongruente. Mas não para Wiles. Em depoimento ao jornal Tampa Bay Times, em 2016, ao ser questionada sobre a razão de trabalhar com o candidato em meio às polêmicas que, já no início, envolviam a candidatura, Wiles respondeu que esse não era o Trump que conhecia. “O Donald Trump que eu conheci não se comporta dessa forma, e pela lente com a qual eu olho para ele, eu não vejo nada disso. Eu vejo força, eu vejo inteligência, eu vejo uma ética de trabalho que é incomparável”, alegou a estrategista.
Wiles participou da campanha vencedora em 2016, atuando principalmente no estado da Flórida, na época considerado um swing state (estado-pêndulo), onde Trump conquistou a maioria dos votos. Com o sucesso de Trump na Flórida, ela continuou seu trabalho, articulando a campanha do governador Ron DeSantis, na qual trabalhou como coordenadora, levando-o à vitória. Participou ainda da campanha presidencial de Trump em 2020, garantindo o estado da Flórida para o lado republicano. Logo em seguida, Wiles foi retirada da campanha a pedido de DeSantis. Os dois teriam tido problemas na candidatura do governador, e ele se aproveitou de sua influência com Trump para pressionar pela retirada de Wiles e pela contratação de outras pessoas de seu núcleo mais próximo.
Isso não impediu que Wiles voltasse a trabalhar com Trump. Na verdade, ela foi uma das primeiras a apoiar seu retorno político em 2021. Ela se juntou ao conselho de um comitê de arrecadação de fundos para a candidatura, e logo assumiu o controle da operação pós-Casa Branca para planejar os próximos passos do candidato. Wiles acabou liderando a campanha primária de Trump contra DeSantis e conseguiu derrotar o governador da Flórida para torná-lo o candidato republicano oficial. Seu crédito de ter conseguido fazer Trump vencer amplamente nas primárias colocou-a de volta ao jogo. Desde então, ela voltou a trabalhar com a campanha presidencial voltada para as eleições de 2024 e foi uma das principais – senão a principal – estrategista da campanha presidencial que levou à vitória de Trump.
Ice Maiden: a reputação inquebrável de Wiles
Em seu discurso de vitória, Trump chamou-a ao palco, junto com Chris LaCivita, dizendo que gostaria de “expressar minha enorme gratidão aos dois” pelo trabalho que fizeram na campanha. Ele observou que Wiles gosta de “ficar meio que no fundo”, chamando-a de “ice maiden (a dama de gelo)”. A reputação e o apelido não são por acaso. Entre as conexões formadas, os políticos assessorados e as estratégias maturadas por anos, a trajetória de Wiles consolidou-a como um dos maiores nomes para se ter ao lado durante uma eleição. Ela é famosa por sua disciplina, organização, discrição midiática e por, de alguma forma, sempre saber de tudo que se passa. O perfil feito durante as eleições por Michael Kruse, no site especializado POLITICO, já a descreve assim no título: “A agente política mais temida e menos conhecida da América”. Em entrevista com dezenas de pessoas de seu círculo, o perfil traça a personalidade de uma republicana pragmática, habilidosa em lidar com o público e com repórteres, capaz de manter contatos e relacionamentos estratégicos de longo prazo e controlar astutamente histórias e narrativas de seus candidatos, quando lhe convém.
Trump agradece a Susie: assista ao trecho do discurso (Fonte: The Independent/YouTube)
Chris LaCivita, em entrevista ao programa Meet the Press Now, da emissora NBC News, descreveu a relevância de seu trabalho de forma semelhante: “Susie é, definitivamente, não apenas a mulher mais interessante, mas também a mais poderosa na política republicana atualmente”. Sem Wiles, a trajetória de Trump poderia ter sido muito diferente. Além de ter ajudado a garantir sua vitória na Flórida nas eleições passadas, Wiles vem-se mostrando uma das articuladoras políticas com maior influência dentro do círculo próximo de Trump. Ela demonstra maior capacidade de aconselhar práticas e reprovar comportamentos de forma a ser ouvida e considerada por ele. Não que isso indique que ela tem a capacidade de moldar o candidato ou de controlar suas interações em público. Mas, de seu círculo republicano de conselheiros, ela tem sido frequentemente citada como uma das pessoas mais próximas, influentes e ouvidas por Trump. Em entrevista à rede CNN, Carlos Trujillo, um lobista da Flórida e atuante na campanha republicana, comentou que “ela provavelmente é sua conselheira mais antiga agora. Toda vez que fui ver Trump, ela estava lá ou tinha acabado de sair”.
A profissionalização da campanha e o futuro trumpista
A forma como Wiles garantiu o retorno de Trump à corrida presidencial nas primárias ꟷ entre escândalos das acusações criminais e os ataques à democracia feitos por apoiadores dele na invasão do Capitólio, em 2021 ꟷ e a maneira como ela conduziu a campanha mostraram como a estrategista conseguiu identificar as principais falhas da narrativa do republicano e colocar recursos e estratégias eleitorais imediatamente para cobri-las. Como explicado pelo perfil de Wiles feito pelo semanário britânico The Economist, em outubro de 2024, ela esteve por trás das principais táticas de campanha que procuravam diversificar os eleitores republicanos, de acordo com as falhas estudadas da eleição passada.
Segundo a revista, nas primárias, para combater a operação de DeSantis, ela e Chris LaCivita usaram um plano direcionado para identificar potenciais fãs de Trump que talvez nem estivessem registrados para votar. Durante a campanha presidencial, já com Trump como candidato oficial do partido republicano, é creditado a Wiles tê-lo convencido a incentivar seus apoiadores a votarem pelo correio, o que no fim se mostrou vantajoso. Também entram em seus esforços ter pedido a Trump que diminuísse os comentários sobre o que ele e muitos de seus apoiadores chamaram de fraude nas eleições passadas, para se concentrar no incentivo ao voto antecipado.
A reportagem da revista TIME intitulada “Como Trump venceu” também elenca em diversos pontos a atuação crucial de Wiles como mentora das principais estratégias da campanha. Quando pesquisas eleitorais demonstraram que homens mais novos que 40 anos não confiavam na liderança de Biden, Wiles e outros pesquisadores de campanha se voltaram para esse grupo e para a narrativa de que Biden seria senil demais para a Presidência. Foi Wiles, inclusive, que começou com a “podcast strategy”, a iniciativa de fazer Trump aparecer em mais podcasts conduzidos por homens jovens, midiáticos e influenciadores, para recuperar seu apelo junto ao típico perfil de jovem desinteressado pela política. Quando Biden desistiu da campanha, e Harris assumiu, Wiles, LaCivita e outros estrategistas se reuniram para discutir como combater a nova oponente, e focaram na estratégia de associá-la às falhas presidenciais de Biden, ligá-la ao que os republicanos entendem como a grande ameaça migratória e descrevê-la como (muito) mais à esquerda do que Harris pode ser considerada.
Com esse nível de profissionalização técnica, Wiles representa quase um paradoxo na nova administração Trump, marcada desde a vitória dele por indicações de pessoas sem capacidade técnica política suficiente para os cargos aos quais foram apontados. De maneira muito mais discreta e silenciosa do que os estardalhaços causados pelas figuras midiáticas, das quais Trump se cerca e indica para funções importantes, Wiles representa uma força sólida dentro do futuro do trumpismo. Enquanto seu último mandato foi marcado por crises internas, trocas de pessoal e desarticulação entre as promessas de campanha e o que Trump de fato conseguiu fazer no cargo, a nomeação de Wiles como chefe de gabinete é indicação de uma articulação interna mais politicamente profissionalizada. Sua presença confirmada na Casa Branca também faz alusão à aproximação do republicanismo da Velha Guarda junto ao de Trump.
Ainda que ninguém espere que Trump possa ser controlado, certamente Wiles será um dos pontos de influência e arquitetura política por trás dos anúncios. Resta ver até que ponto Wiles passará de seu papel de heroína MAGA para controlar ou refrear a atmosfera autocrática que Trump já voltou a inspirar no país.
Leia mais da autora no OPEU
Informe, “Trumponomics 2.0 e o retorno à America First”, 26 out. 2024
* Fábia Muneron Busatto é mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sob orientação do prof. Dr. Jaime Cesar Coelho (professor titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais – UFSC). É membro do grupo de pesquisa da UFSC no INCT-INEU e do Núcleo de Economia e Política Externa da UFSC (NEPEX) e colaboradora do OPEU. Contato: fabiamuneronb@gmail.com.
** Primeira revisão: Simone Gondim. Contato: simone.gondim.jornalista@gmail.com. Segunda revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 20 nov. 2024. Este Informe OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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