Política Doméstica

Prioridades do governo Trump, Dia 1

(Arquivo) Donald Trump em comício do MAGA, no Aeroporto de Phoenix, em Goodyear, Arizona, em 28 out. 2020 (Crédito: Gage Skidmore/Flickr)

Por Ana Julia S. Coqueiro* [Informe OPEU] [Trump 2.0] [Prioridades

Em 5 de novembro de 2024, Donald Trump foi eleito para exercer seu segundo mandato como 47º presidente dos Estados Unidos. Durante sua campanha, vimos diversas promessas, incluindo algumas consideradas extremistas, por muitos, como o plano da deportação em massa de milhões de imigrantes em situação ilegal no país. Mas, quais outras promessas foram feitas ao longo de sua campanha eleitoral? O que podemos esperar de diferente neste novo mandato quando comparado ao anterior? E como a vitória de Trump afetará o Brasil? 

Esses pontos serão importantes para entendermos o que levou os Estados Unidos a irem de um governo democrata para um republicano e quais impactos poderão ser esperados no cenário internacional nos próximos quatro anos. 

Para entendermos a postura de Trump, é relevante trazer à luz um questionamento do apresentador Sean Hannity ao futuro presidente, no canal de televisão americano FOX News: se em seu segundo mandato haveria abuso do poder. Em resposta, ele afirmou que “exceto no primeiro dia”. Essa declaração apenas reforça seu compromisso com o cumprimento das promessas realizadas ao longo de sua campanha, que giram em torno da deportação em massa de imigrantes, da reversão das políticas da administração de Joe Biden em determinadas áreas, como na educação, da reestruturação do governo federal por meio da demissão de diversos funcionários que ele acredita estarem secretamente trabalhando contra ele e do perdão concedido às pessoas que foram presas por seu papel no ataque ao Capitólio em 2021.

Listen: Donald Trump Sean Hannity FOX News Interview | SiriusXMTrump no programa de Sean Hannity (Fonte: SiriusXM)

“Nós vamos ajudar nosso país a se recuperar […]. Vamos resolver nossas fronteiras e todos os outros problemas …”. Neste trecho do discurso de vitória de Trump, ele reforça seus planos de reverter os “erros” cometidos pelo governo Biden e consertar os EUA para “tornar a América grande novamente” (slogan da campanha presidencial – “Make America Great Again”). Será a partir dessa afirmação que vamos discorrer sobre as promessas de Trump para os próximos anos. 

Deportação em massa de imigrantes: uma América limpa

“No primeiro dia, lançarei o maior programa de deportação da história americana para expulsar os criminosos. Resgatarei todas as cidades que foram invadidas e conquistadas, e colocaremos esses criminosos cruéis e sedentos de sangue na prisão, e depois vamos expulsá-los do nosso país o mais rápido possível”. Esse foi o discurso de Trump, em um comício no Madison Square Garden, em relação ao plano de deportação das pessoas em situação ilegal no país, o qual inclui a expulsão dos nascidos nos EUA que sejam filhos desses imigrantes.

Essa ideia está embasada no uso da Lei dos Inimigos Estrangeiros, de 1798, a qual permite ao presidente deportar qualquer pessoa que não seja cidadão americano e que seja de um país com o qual haja uma “guerra declarada” ou uma ameaça ou tentativa de invasão ou “incursão predatória”.

Em 2017, Trump já tinha este discurso com “Build the Wall” (construção de um muro na fronteira dos EUA com o México). Sua esperança era conter o fluxo imigratório irregular e o tráfico de drogas, porém esse projeto demandava um financiamento estatal enorme que não foi aprovado pela Câmara de Representantes (Deputados), de maioria democrata na época. Com isso, ocorreu uma paralisação parcial no governo e diversos desdobramentos paralelos quanto à ideia, resultando na mudança de abordagem agora em 2024. Logo, em vez de um muro físico, Trump estabelecerá a deportação dos residentes ilegais no país e tornará a entrada – em alguns casos, reentrada – das pessoas mais rigorosa.  

É importante ressaltar um anúncio nas redes sociais de Trump, após sua recente vitória, sobre a colocação de seu ex-diretor interino de Imigração e Fiscalização Aduaneira Tom Homan como “responsável por toda a deportação de estrangeiros ilegais de volta ao seu país de origem”. Sua movimentação incisiva antes de assumir o cargo mostra o comprometimento dele com cumprir sua promessa, apesar dos desafios a serem enfrentados, como: instalações de detenções bem estruturadas, força policial devidamente treinada, aviões para transporte dos detentos e nações dispostas a aceitá-los. 

Adeus, Biden. Olá, Trump

Em seu segundo mandato, Trump pretende reverter diversas políticas do governo anterior, sendo uma delas relacionada às questões climáticas. Joe Biden determinou incentivos à mudança para carros elétricos e à padronização de posturas ambientais para que as empresas se tornassem mais ecológicas. Trump planeja, por sua vez, cancelar as metas da administração democrata, ao interromper projetos de energia eólica e retroceder em políticas de proteções ambientais.

Além disso, Trump prometeu aumentar a produção de combustíveis fósseis nos EUA, prometendo “perfurar, perfurar, perfurar”, ao assumir o cargo no dia 1. Também pretende abrir a região ártica para perfuração de petróleo, o que, segundo ele, reduziria os custos de energia.

Ademais, podemos citar outro exemplo de políticas da administração Biden que serão desfeitas no governo Trump: a revogação das proteções para estudantes transgêneros. A corrida eleitoral do republicano teve essa temática como um ponto central no argumento final da campanha, publicando um anúncio nos últimos dias da corrida contra Kamala Harris, no qual um narrador diz: “Kamala é a favor deles. O presidente Trump é para você”. Adiciona-se a este ponto o discurso de Trump em um comício em Wisconsin, em junho. Nele, afirmou que, “no primeiro dia”, ele iria “assinar uma nova ordem executiva” que cortaria o dinheiro federal para qualquer escola “empurrando a teoria racial crítica, a insanidade transgênero e outros conteúdos raciais, sexuais ou políticos inapropriados para a vida dos nossos filhos”. Ele não mencionou como esse corte de dinheiro seria realizado. 

Para contexto, a administração Biden anunciou novas proteções a pessoas trans em abril, deixando claro que o tratamento de estudantes transgêneros de maneira diferente de seus colegas é discriminação. Assim, Trump respondeu dizendo que iria reverter essas mudanças, comprometendo-se a fazê-las no primeiro dia de segundo mandato.

Um caminho para “imunidade” presidencial 

Não é segredo para ninguém que Donald Trump está envolvido em diversos processos criminais, tendo sido condenado em maio de 2024 em um julgamento em Nova York – aguardando sentença – e seguindo como réu em outros três processos. Esse fato torna Trump o primeiro presidente condenado da história dos Estados Unidos e, também, o primeiro a responder como réu durante sua gestão. 

Considerando essa realidade, Trump disse que, “em dois segundos” após assumir o cargo, demitiria Jack Smith (promotor especial que está processando o republicano em dois casos federais). No entanto, Smith já avalia como encerrar os casos, devido à jurisprudência do Departamento de Justiça, a qual afirma que presidentes em exercício não podem ser processados.

Quanto ao caso envolvendo a ex-atriz pornô Stormy Daniels, no qual Trump foi condenado, ele não pode conceder um autoperdão, mas pode tentar usar seu status em um esforço para anular sua condenação por crime e evitar uma potencial sentença de prisão. Há um caso na Geórgia, porém, em que Trump foi acusado de interferência eleitoral, o qual será, provavelmente, o único processo criminal que restará contra ele. 

Além da limpeza de sua ficha criminal, é de extrema importância ressaltar a atual situação governamental nos EUA quanto à divisão de poder. Neste segundo mandato, Trump contará com maioria tanto no Senado (53 contra 47) quanto na Câmara dos Representantes (220 contra 214). Ou seja, desta vez, terá maioria no Congresso, tornando a implementação de sua agenda eleitoral mais fácil. Além disso, com uma maioria conservadora já estabelecida na Suprema Corte, ele contará com apoio significativo em todas as principais esferas de Poder Legislativo e Judiciário. 

Invasão ao Capitólio: perdão aos seus apoiadores

Com mais de 1,5 mil pessoas acusadas desde que uma multidão de apoiadores de Trump, incitada pelo então presidente em fim de mandato, atacou o Capitólio em 6 de janeiro de 2021, o republicano chamou os invasores de “patriotas inacreditáveis” e prometeu ajudá-los “no primeiro dia em que assumirmos o cargo”. Como presidente, Trump tem o poder de perdoar qualquer pessoa condenada em um tribunal federal, no Tribunal Superior do Distrito de Columbia ou em uma corte marcial militar. Assim, ele pode impedir a continuação do processo contra os invasores, conforme prometeu durante sua campanha. 

Democracy Under Attack | Hundreds of President Trump's suppo… | Flickr(Arquivo) Invasão ao Capitólio, 6 jan. 2021 (Crédito: Bill Bryan/Flickr)

“Estou inclinado a perdoar muitos deles”, disse Trump em sua rede social em março, ao anunciar essa proposta. “Não posso dizer que seja para cada um deles, porque alguns, provavelmente, perderam o controle”.

Primeiro mandato: um aprendizado sobre como governar

Quando assumiu o cargo em 2017, Trump também tinha uma longa lista de afazeres, incluindo a renegociação imediata de acordos comerciais, a deportação de imigrantes e a implementação de medidas para erradicar a suposta corrupção do governo. 

Sua primeira administração promoveu cortes de impostos amplos, especialmente para corporações, e uma redução na regulamentação ambiental e financeira. Trump também se envolveu em disputas comerciais, particularmente com a China, impondo tarifas. Além disso, nomeou três juízes conservadores para a Suprema Corte, reforçando a influência conservadora no Judiciário.

Para este novo mandato, conforme exposto anteriormente, a campanha de Trump se baseou na adoção de medidas ainda mais rigorosas em imigração, comércio e segurança. Ele propõe aumentar tarifas de importação, especialmente sobre produtos chineses. Além disso, pretende reduzir impostos para a classe média e eliminar a tributação sobre a Previdência Social para aposentados, diferentemente de suas políticas fiscais anteriores, focadas em cortes de impostos mais amplos.

Para uma comparação mais precisa entre os mandatos de Donald Trump, vamos resumir em algumas diferenças marcantes. Durante sua primeira administração, ele focou em políticas de imigração, cortes de impostos e desregulamentação, enfrentando resistência significativa em várias frentes por ter de lidar com um Congresso dividido na segunda metade de seu mandato. Já nesta segunda vez, ele pretende adotar uma postura mais rigorosa e incisiva, especialmente em questões de imigração e comércio. Seus planos incluem aumentar tarifas de importação, proibir investimentos americanos em empresas chinesas e fortalecer a segurança de fronteiras.

Como o segundo mandato de Trump impacta o Brasil e o mundo

Por fim, é preciso analisar a postura de Trump para com o cenário internacional, em especial sua relação com o Brasil. Desta forma, podemos antecipar alguns futuros posicionamentos e possíveis mudanças no sistema global

Iniciando a análise com a China, Trump dará continuidade a sua linha de atuação do primeiro mandato, com a imposição de tarifas sobre produtos importados, especialmente os de origem chinesa – cerca de 60%. Seu argumento é que impostos de importação manteriam os empregos industriais nos Estados Unidos, reduziriam o déficit federal e ajudariam a baixar os preços dos alimentos. “As tarifas são a melhor coisa já inventada”, disse Trump durante um comício em setembro, no Michigan. 

Seguindo para a Ucrânia e, consequentemente, a Rússia, Trump declarou, repetidamente, que poderia resolver a guerra entre os países em um único dia. Ademais, a secretária de Imprensa de sua campanha e futura porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, disse à FOX News que ele agora será capaz de “negociar um acordo de paz entre a Rússia e a Ucrânia […] isso inclui, no dia 1, levar Ucrânia e Rússia à mesa de negociações para acabar com essa guerra”.

Em relação à situação no Oriente Médio, ao ser questionado sobre o conflito em Gaza, Trump declarou ser um protetor de Israel, afirmando que “dará a Israel o suporte necessário de que eles precisam para ganhar”. Essa postura mostra o apoio do futuro presidente a Israel e o comprometimento norte-americano em seguir financiando o conflito em prol da vitória israelense. 

Por último, trazemos a abordagem para o Brasil. Primeiramente, é preciso ressaltar o posicionamento do presidente Lula em relação às eleições nos EUA que, ao demonstrar apoio à Kamala Harris, quebrou uma tradição diplomática brasileira de se manter neutro. Além disso, o brasileiro também criticou Trump pela invasão ao Capitólio em 2021. 

Presidente Bolsonaro participa de reunião bilateral com o presidente americano, Donald Trump

Donald Trump (à esq.) e Jair Bolsonaro em visita do então presidente brasileiro aos EUA, na residência de Mar-a-Lago, em Palm Beach, Flórida, em 7 mar. 2020 (Crédito: Gov BR – Foto: Alan Santos/PR)

Apesar desse posicionamento, a relação entre ambos os países vai além das divergências pessoais de seus representantes. Diferentemente de Jair Bolsonaro após a vitória de Biden, um pragmático Lula logo parabenizou Trump pela vitória nas urnas. Entretanto, pode-se esperar um distanciamento político entre Lula e Trump, o que tem relação direta com a extrema direita no Brasil. Uma vez que Jair Bolsonaro declara apoio ao norte-americano, estima-se que haverá um fôlego para o movimento que tenta reabilitá-lo para a próxima eleição presidencial, dado que Trump é como uma espécie de “bússola da extrema direita global”, segundo analistas. 

De modo geral, a relação Brasil x Estados Unidos já não se encontra próxima, pois o país sul-americano não é visto como uma prioridade norte-americana, e a tendência é seguir desta forma com o governo Trump. Logo, a aliança entre eles prevalece, apesar da divergência entre a agenda de ambos os governos, e deve ser mantida com as trocas comerciais e os acordos bi e multilaterais.

 

* Ana Julia S. Coqueiro é estudante de Relações Internacionais na Universidade Anhembi Morumbi e aluna participante do projeto de extensão da referida instituição em parceria com o OPEU. Contato: anajuliasilvacoqueiro@gmail.com. Contato: LinkedIn.

** Revisão e edição finais: Tatiana Teixeira. Recebido em 18 nov. 2024. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

*** Sobre o OPEU, ou para contribuir com artigos, entrar em contato com a editora do OPEU, Tatiana Teixeira, no e-mail: tatianat19@hotmail.com. Sobre as nossas newsletters, para atendimento à imprensa, ou outros assuntos, entrar em contato com Tatiana Carlotti, no e-mail: tcarlotti@gmail.com.

 

Siga o OPEU no Instagram, Twitter, Linkedin e Facebook

e acompanhe nossas postagens diárias.

Comente, compartilhe, envie sugestões, faça parte da nossa comunidade.

Somos um observatório de pesquisa sobre os EUA,

com conteúdo semanal e gratuito, sem fins lucrativos.

Realização:
Apoio:

Conheça o projeto OPEU

O OPEU é um portal de notícias e um banco de dados dedicado ao acompanhamento da política doméstica e internacional dos EUA.

Ler mais