O que esperar nos desdobramentos da relação sino-americana em Trump 2.0?
(Arquivo) O então presidente Donald Trump com seu homólogo chinês, Xi Jinping, em reunião bilaterale, em 29 jun. 2019, na Cúpula do G20 no Japão, em Osaka (Crédito: Casa Branca/Shealah Craighead/Flickr)
Trump venceu as eleições com a promessa de que aumentaria os impostos de importação, incluindo uma tarifa de 60% sobre os produtos chineses
Por Aline Regina Alves Martins e Isabelle Silva Soares* [Informe OPEU] [Trump 2.0] [China]
A partir do “milagre econômico chinês” do fim dos anos 1970, estabeleceu-se uma parceria profícua entre o capital estadunidense e o governo chinês. Enquanto corporações dos Estados Unidos buscavam mão de obra mais barata para conter a queda dos lucros, Pequim via nos investimentos estadunidenses um caminho para desenvolver sua economia e obter tecnologias mais avançadas. Ao longo das décadas, porém, os interesses das maiores economias do mundo se tornaram cada vez mais divergentes, e a parceria estratégica deu lugar a uma grande rivalidade. O primeiro governo de Donald Trump marcou o acirramento das relações sino-americanas, uma tendência que se consolidou na gestão de Joe Biden.
Na última semana, a vitória de Trump e a reverberação de suas promessas ecoaram, com debates sobre os caminhos e o futuro da relação dos Estados Unidos com o restante do mundo, sobretudo, com a China. O republicano venceu as eleições com uma retórica que prometia arrojar a política econômica estadunidense em relação à potência asiática. Sua vitória prejudicará os planos de Xi Jinping para reaver o crescimento chinês. A estimativa é que Trump se afaste da abordagem do governo de Joe Biden de construir parcerias de segurança mais fortes com outros países da região para conter a China, adotando uma política isolacionista e protecionista.
Segundo o diretor administrativo e analista sênior de Políticas na Longview Global, Dewardric McNeal (foto abaixo), sob a governança de Biden, os departamentos do Tesouro e do Comércio administravam discussões econômicas por meio de grupos de trabalho, focados na estabilidade macroeconômica e na cooperação regulatória. No entanto, a preferência de Trump pela diplomacia pessoal sinaliza que, possivelmente, haverá um desmantelo desses canais. Isso pode deixar o relacionamento perigosamente propenso a mal-entendidos e reações exageradas, tornando a instabilidade na fase inicial quase uma certeza. Trump chegará ao governo com preocupações mais amplas sobre a economia dos EUA e mais disposto a pressionar pela dissociação em setores maiores da economia.
Print de entrevista à CNBC (Fonte: canal da CNBC no YouTube)
Balanço do governo anterior e expectativas para a nova relação
Durante seu primeiro mandato, Trump adotou uma guerra comercial contundente contra a China, com as relações bilaterais, ao fim de seu mandato, mergulhando para o ponto mais baixo em décadas. O presidente impôs tarifas de até 25% sobre uma série de produtos chineses e criou forte inimizade com o país, sobretudo, durante a pandemia da covid. Além disso, lançou iniciativas para restringir a colaboração com cientistas e acadêmicos chineses nos EUA e limitar o investimento de empresas e indivíduos chineses em terras e infraestrutura dos EUA.
Para o novo mandato, Trump adota uma abordagem mais ampla e abrangente para barreiras comerciais, com objetivo central de levar de volta aos EUA empregos no setor industrial – que foram perdidos para concorrentes estrangeiros. Novas taxações podem chegar a 60%, em um contexto em que a China se encontra em uma posição muito mais vulnerável, buscando retornar aos níveis de crescimento pré-pandemia. Nessa retórica, Trump prometeu acabar com a dependência chinesa, adotando uma série de barreiras comerciais, entre as quais a revogação do status de Nação Mais Favorecida da China é a mais enfática.
Trump ainda prometeu adotar um plano de quatro anos para eliminar as importações chinesas de bens essenciais, desde eletrônicos a produtos farmacêuticos. Aliado a isso, pretende introduzir regras que impedirão empresas dos EUA de investirem na China e vice-versa, bem como deseja proibir contratos federais com empresas que terceirizam para o país asiático. Por fim, como pedra angular na agenda do republicano, está a Reciprocal Trade Act, lei para interromper o fluxo de empregos estadunidenses para o exterior. Embora a legislação não mencione especificamente a China, Trump deixa subentendido sobre quais países a lei agirá.
Considerações de segurança nacional também estão no centro da política inicial de Trump para a China, especialmente em relação às restrições tecnológicas. Espera-se que Trump continue com os extensos controles de exportação de tecnologias avançadas críticas para Inteligência Artificial e semicondutores. O establishment de segurança em Washington pressionará por controles mais rígidos que vão ao encontro dos planos do presidente eleito. O republicano prometeu promulgar novas regulamentações agressivas para limitar a propriedade chinesa e impor sanções de visto e restrições de viagem “para bloquear o acesso chinês aos segredos americanos”.
Reação da China
O presidente Xi Jinping enviou uma nota, parabenizando Donald Trump por seu retorno à Casa Branca. Nela, enfatizou a cooperação, em vez do confronto, prezando pelo respeito mútuo, coexistência pacífica e cooperação ganha-ganha. Espera-se que a liderança chinesa se esforce para manter um relacionamento cordial, ao mesmo tempo em que intensificará os esforços para projetar poder e força.
Presidente chinês parabenizou Trump pela vitória (Fonte: Revista Oeste/Flickr)
Todavia, a China já demonstrou sua prontidão para impor contramedidas aos EUA, adotando medidas como as investigações antidumping sobre importações químicas dos Estados Unidos, da União Europeia, do Japão e de Taiwan, assim como a restrição às exportações de tecnologias de ponta e à exportação de metais-chave para produção de chips. Tais iniciativas são vistas como resposta retaliatória às ações dos EUA, na tentativa de salvaguardar seus interesses nacionais e exercer pressão por meio de medidas unilaterais. A China busca mitigar o impacto das políticas dos EUA em sua economia e manter sua posição global, contudo, a escalada das tensões comerciais é uma realidade palpável, assim que Trump assumir o poder.
Desacoplamento das economias
A relação que se desdobra entre EUA e China se torna cada vez mais tensa, e a agressividade dessas iniciativas revela que uma competição potencialmente nociva entre os dois países está em uma trajetória de intensificação. Outrora vista como um fator benéfico para as duas economias, a interdependência econômica agora alimenta a incerteza sobre as repercussões de um confronto prolongado. A possibilidade de um “desacoplamento” das economias e a formação de blocos rivais levantam questões sobre o futuro da ordem internacional em um mundo cada vez mais polarizado. Nesse contexto, o equilíbrio entre cooperação e competição se tornará cada vez mais frágil, e os desdobramentos dessas tensões terão impactos profundos não apenas para as duas potências, mas para a estabilidade global.
O estilo impulsivo e reacionário do futuro presidente sugere que haverá um começo difícil para as relações sino-americanas. Caso decida seguir com a política linha-dura, a previsão que se delineia é de confronto intensificado e cooperação multilateral diminuída, com o relacionamento EUA-China se transformando em uma situação delicada e potencialmente explosiva. Ainda é cedo para saber se o governo conseguirá lidar com os desafios sem gerar uma crise econômica de grande escala, mas a diplomacia única de Trump pode levar o relacionamento ao limite.
* Aline Regina Alves Martins é docente de graduação e pós-graduação da Universidade Federal de Goiás (UFG) e pesquisadora do INCT-INEU. Contato: alinermartins@ufg.br e LinkedIn.
Isabelle Silva Soares é graduanda em Relações Internacionais da Universidade Federal de Goiás (UFG) e pesquisadora bolsista de Iniciação Científica (PIBIC/INCT-INEU). Contato: isabellesilva@discente.ufg.br.
** Primeira revisão: Simone Gondim. Contato: simone.gondim.jornalista@gmail.com. Segunda revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 15 nov. 2024. Este Informe OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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