Política Doméstica

O que significa Marco Rubio como secretário de Estado para a política externa dos EUA?

(Arquivo) Senador Marco Rubio, da Flórida, discursa na Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC, na sigla em inglês), em 14 mar. 2013, em National Harbor, Maryland (Crédito: Gage Skidmore/Flickr)

Por João Gabriel Gaspar Ballestero* [Informe OPEU] [Trump 2.0] [Marco Rubio] [Política Doméstica]

Há pouco confirmado como futuro secretário de Estado, Marco Rubio, de 53 anos, filho de trabalhadores cubanos que imigraram para os EUA poucos anos antes da Revolução de 1959, é a pedra no sapato dos analistas políticos, que previam uma postura mais isolacionista por parte da segunda gestão Trump, não obstante esteja em linha com a doutrina político-econômica trumpista de “libertarianismo”, no mercado interno, e de protecionismo, no externo, e com o MAGA, advogando o resgate do American Dream.

Nesse sentido, Rubio, associado em grande medida ao movimento Tea Party, pautou-se em seus mandatos na Câmara de Representantes da Flórida (2000-2008) e no Senado (2011-) por um pragmatismo e um “materialismo” que, particularmente no que tange à escuta dos verdadeiros anseios populares, em muito explica o desempenho que o Partido Republicano teve nas últimas eleições.

100 Innovative Ideas for Florida's Future: Rubio, Marco: 9781596985117:  Amazon.com: BooksRepresentativo disso é o livro 100 Innovative Ideas For Florida’s Future (Regnery, 2006), escrito por Rubio quando de sua Presidência na Câmara de Representantes (2006-2008). A obra contém uma série de sugestões dadas pela população da Flórida para aquela legislatura, indo desde incentivos à utilização de veículos movidos a biocombustíveis, ampliação dos benefícios aos veteranos, expansão de crédito para pequenos-empreendedores e ofertantes de bolsas de estudo, passando por reforma educacional, redução de impostos e regulação do ambiente virtual. Cerca de 40 dessas propostas foram positivadas, em maior ou menor grau, muito devido à disposição de colaboração interpartidária de Rubio, elogiada por democratas como Dan Gelber, prefeito de Miami Beach, e Bill Nelson, administrador da NASA, com quem trabalhou.

Mais à frente, opor-se-ia ferrenhamente ao Obamacare (criado pela lei Affordable Care Act, sancionada pelo então presidente Barack Obama, em 2010, que visa à democratização dos seguros de saúde nos EUA, via subsidiamento, por exemplo), devido ao aumento na carga tributária que Rubio dizia tal programa requisitava. Nesse viés, sob o argumento de que o pequeno-comerciante não conseguiria lidar bem com o aumento dos impostos e a inflação, plasmou amplo apoio junto à população estadunidense, havendo disputado as primárias do GOP contra Trump, em 2016. Para angariar apoio do eleitorado latino difundiu, inclusive, a narrativa de que seus pais eram exilados do castrismo, o que é falso, visto que os mesmos foram para a Flórida ainda em 1956.

Ademais, quanto à imigração, pode-se dizer ele é linha-dura no controle transfronteiriço e na deportação de “ilegais”, ainda que se tenha radicalizado especialmente quando da ascensão do trumpismo. No passado, defendeu uma flexibilização da obtenção de documentação como forma de incentivo ao legalismo – muito diferente, pois, da tradicional postura “combativa” de Trump contra a diversidade étnica, da qual Rubio vem se aproximando desde que o presidente eleito foi definido como o candidato republicano. 

Kennan (1947)-The Sources of Soviet Conduct - THE SOURCES OF SOVIET CONDUCT  ByX T HE political - StudocuNa política exterior, Rubio foi ativo na mobilização do Congresso em apoio ao presidente Barack Obama quanto à intervenção da aliança EUA-Reino Unido-França na Líbia de Muammar al-Gaddafi, em 2011, propondo, inclusive, a permanência, em território líbio, de parte das forças destacadas, para se estabilizasse a região (cadê a preocupação com o aperto fiscal, poder-se-ia perguntar… Bem, ainda estava limitada à política doméstica; à política externa, estender-se-ia apenas quando de sua aproximação com o trumpismo). Nesse sentido, é partidário da ideia de que existe um “eixo do mal” composto por Venezuela, Cuba, Nicarágua, Irã, Rússia, China etc., o qual deve ser combatido pelos EUA. Além disso, considera que seu país está dotado de uma responsabilidade moral de lutar pelo “mundo livre”, bastante na linha do que George Kennan expôs no final do seu telegrama, transformado em artigo publicado na revista Foreign Affairs (imagem ao lado) em 1947, no início da Guerra Fria.

Outrossim, conforme seu post no X/Twitter após ser confirmado no cargo, trabalhará na busca da “paz pela força”. Resta em aberto como se conciliarão, de um lado, sua postura claramente belicista, e, de outro, a doutrina isolacionista de Trump, para além do corte de recursos destinados à OTAN e à Ucrânia, apoiado já por Rubio, que parece haver feito tal concessão para se ajustar à linha-mestra da gestão, qual seja, a ideia de America First.

Além disso, o futuro secretário é próximo, como já era de se esperar, de líderes latino-americanos de direita, tais como Nayib Bukele, de El Salvador, Javier Milei, da Argentina, e, em menor grau, Jair Bolsonaro, do Brasil. Destarte, espera-se um maior envolvimento dos EUA nas questões hemisféricas, particularmente no que tange ao estrangulamento comercial e à descredibilização política dos regimes cubano, venezuelano e nicaraguense, e na contenção de iniciativas autonomistas como aquelas que o Brasil vem adotando junto do BRICS. É difícil prever, porém, o grau de engajamento objetivo que os EUA terão para o logro dos seus interesses, muito devido à contradição comentada acima, pois Rubio já chegou mesmo a advogar que se interviesse militarmente na Venezuela, por exemplo.

El senador republicano de Florida Marco Rubio visitó al presidente salvadoreño Nayib Bukele en marzo de 2023.(Arquivo) Senador Marco Rubio em visita ao presidente salvadorenh0, Nayib Bukele, em março de 2023 (Crédito: Prensa Comunitaria)

Para o Brasil, enfim, coloca-se uma série de percalços, com os quais nossa diplomacia terá de lidar em sua relação juntos dos EUA, para manter certa permissibilidade à sua atuação internacional. Isso porque Rubio é abertamente contrário ao lulo-petismo e às políticas de sua gestão (mesmo que institucionais, e não partidárias), tendo se dedicado a uma forte reprovação da aproximação brasileira a Pequim sob Lula III, por exemplo, além de haver criticado o ministro Alexandre de Moraes (visto como aliado de Lula), quando da suspensão do X no país.

A ver como será a política externa deste novo governo Trump, entre ofensivismo e isolacionismo. O caminho, pelo qual ela enveredará, parece que irá depender da influência que Rubio, atualmente membro das comissões de Inteligência e de Relações Exteriores do Senado, venha a ter junto do restante da burocracia do Estado e, particularmente, sobre o próprio presidente, e vice-versa; isso é, quem fará concessões em maior número de pontos ou mais significativamente. O futuro secretário de Estado, como visto, parece haver já preterido a inserção internacional (materializada no apoio à Ucrânia e a Israel) ao direcionamento dos recursos para o plano interno do país (isso é, corte/redução de ajuda), para se adequar à doutrina geral trumpista.

Fica a pergunta, porém: por que escolher especificamente Rubio, que se engajou em um rude debate com Trump nas primárias de 2016 e claramente pensa diferente dele em muitos pontos, se for “apenas” para ter como que um cooptado a mais na gestão? Há algo a mais nessa trama. Rubio parece ser antes um pragmático que um oportunista – e os formuladores de política republicanos sabem da necessidade de se ter alguém com tal característica junto do errático e verborrágico Donald Trump. Vamos acompanhando.

 

Leia mais do autor no OPEU

Informe “O evangelho d’O Sonho Americano, pela Rede Globo”, em 13 nov. 2024

 

João Gaspar é graduando em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina, bolsista do Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA-UFSC) e colaborador do projeto Coerção e Consenso: a Política Externa dos EUA para a América Latina. Contato: joaogkg@hotmail.com.

** Revisão e edição finais: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 14 nov. 2024. Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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