Comando Sul dos EUA tem novo comandante em meio aos resultados da eleição presidencial
O almirante de Esquadra da Marinha dos EUA Alvin Holsey, novo comandante do Comando Sul dos EUA (SOUTHCOM), recebe o guia de comando do secretário de Defesa dos EUA, Lloyd J. Austin III, durante a cerimônia de mudança de comando do SOUTHCOM em Doral, Flórida, em 7 nov. 2024. Ele assume no lugar da general do Exército dos EUA Laura J. Richardson, que está se aposentando após 38 anos de serviço (Fonte: Diálogo Américas. Crédito: Erica Bechard/SOUTHCOM)
Por Yasmim Abril M. Reis [Informe OPEU] [Laura Richardson] [Comando Sul]
No dia 7 de novembro de 2024, o Comando Sul dos Estados Unidos realizou a cerimônia de troca de comandante, em que a general Laura J. Richardson passou o cargo para o almirante de esquadra da Marinha Alvin Holsey. O Comando Sul (U.S. Southern Command) é um dos 11 Comandos Combatentes Unificados que integram o Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Além disso, os pesquisadores Matheus Soares e Raphael Lima (2018) ressaltam que “o Comando Sul é responsável por todas as atividades de segurança do Departamento de Defesa dos Estados Unidos que dizem respeito aos Estados-nação na América do Sul, América Central e no Mar do Caribe – exceto o México, a Guiana Francesa, as possessões e os territórios norte-americanos –, perfazendo uma área de aproximadamente 16 milhões de milhas quadradas”.
A transição de cargo da primeira mulher para o primeiro afro-americano no SOUTHCOM
Natural da Geórgia, ingressou no programa do corpo de treinamento de oficiais da Reserva Naval em 1988. Em sua carreira na Marinha, Holsey esteve a bordo dos navios “USS Jesse L. Brown” (FF 1089), “USS Nicholson” (DD 982), “USS Vreeland” (FF 1068), “USS Vella Gulf” (CG 72), “USS Gettysburg” (CG 64) e do “USS Simpson” (FFG 56), bem como obteve experiência em voos de helicópteros SH-2F Seasprite e do SH-60B Seahwak. Também comandou o primeiro navio de guerra de propulsão nuclear elétrica híbrida da Marinha (“USS Makin Island” – LHD 8) e do Esquadrão de Helicópteros Antissubmarino Light Seven (HSL-37).
No Estado-maior, teve como atribuições os cargos de assessor de bandeira do comandante da Força Aérea Naval e do vice-chefe de Operações Navais, atuou na Diretoria de Operações Conjuntas e do Comando Europeu. Em 2020, serviu como diretor da Força-Tarefa da Marinha, analisando questões que poderiam estar impactando na prontidão da Marinha, tanto no âmbito da sociedade civil quanto nas Forças Armadas. Em 2023, assumiu o posto de vice-comandante militar do Comando Sul ao lado da general Laura J. Richardson.
A general Richardson foi a primeira comandante do Comando Sul mulher. Com vasta experiência na área militar, a general atuou como assessora militar do vice-presidente na Casa Branca, realizando a ligação entre o Legislativo do Exército com o Congresso. Trabalhou também como planejadora de campanha do Exército no Pentágono.
Saiba mais sobre a chegada da general Richardson ao Comando do US SOUTHCOM, neste Informe OPEU de Camila Feix Vidal e Luciana Wietchikoski
A transição realizada no início do mês é histórica, visto que o cargo tem sido ocupado por dois personagens oriundos de uma classe não tão visível dentro das Forças Armadas norte-americana, a pauta do gênero e afro-americana.
Breve história da criação do Comando Sul
O Comando Sul dos Estados Unidos passou a ser designado por essa nomenclatura, oficialmente, em 1963. A principal razão dos 61 anos de existência, apesar dos laços históricos dos EUA com a região da América Latina, do Caribe e da América do Sul, remonta ao Comando de Defesa do Caribe (CaribCom). O CaribCom foi criado no fim da Segunda Guerra Mundial, durante o governo de Franklin Delano Roosevelt (1933-1945), tendo como objetivo a proteção do Canal do Panamá.
O governo Harry Truman (1945-1953) instaurou reformas no setor de Segurança Nacional, a partir de 1947, com o Ato de Segurança Nacional de 1947 (National Security Act), que regulamentou e reafirmou a presença dos EUA no exterior. Segundo os pesquisadores Matheus Soares e Raphael Lima (2018), “o Ato de Segurança Nacional de 1947, regulamentando as Forças Aéreas dos EUA, a Agência Central de Inteligência (CIA), o escritório do secretário de Defesa e o Unified Combatant Command (UCC) System. Esse ato não somente reafirmou a presença americana ao redor do mundo, como também possibilitou que os Joint Chiefs of Staff (JCS) – os comandos conjuntos, compostos por autoridades do Exército, Aeronáutica, Marinha e pelo comandante-chefe, que devem atuar como os principais assessores militares do presidente e do secretário de Defesa – preparassem planos estratégicos militares e instituíssem os comandos unificados em áreas estratégicas”.
O ponto de inflexão da atuação do Comando Sul na região da América Latina, do Caribe e da América do Sul consiste no senso comum de um suposto desinteresse estadunidense na região. Contudo, é pertinente problematizar o que é esse desinteresse, visto que o “não desinteresse” também é um interesse estratégico implícito de controle da região, sobretudo, pela presença de atores externos. Para a professora Monica Herz (2002), “desde a Segunda Guerra, diversos programas foram criados pelo governo norte-americano com o objetivo de fortalecer as instituições militares no hemisfério e aumentar a influência dos EUA”.
No início da atuação do Comando Sul, seu eixo de atuação se concentrava em ações cívico-humanitárias, na medida em que fornecia apoio logístico e de contrainsurgência. Do ponto de vista estritamente militar, essa ótica surge durante o governo Ronald Reagan (1981-1989) e amplia a atuação da frota quando define as drogas como um problema de segurança nacional, o que expande o papel do Comando Sul na ação na região em combate ao narcotráfico.
Além disso, é importante frisar que esse processo de construção de problema de segurança estadunidense impacta a América Latina, o Caribe e a América do Sul, na medida em que a formação dos militares da região passa a ser direcionada ao combate interno de um suposto inimigo criado e difundido pelos Estados Unidos. De outra forma, a construção do inimigo interno nos países latino-americanos, em especial no caso comunismo e do narcotráfico, foi desenvolvida em consonância com o pensamento estadunidense e com o que ameaça seus interesses nacionais, consequentemente, sua segurança nacional. Como herança para a região, há a formação e a construção de uma problemática doméstica das Forças Armadas voltada para problemas internos e sua ingerência doméstica nos países latino-americanos.
O ‘desinteresse explícito’ dos EUA pela região e a reativação da IV Frota
Nos anos 1950, em decorrência dos acontecimentos da Guerra Fria e do surgimento de outros teatros de operação na estratégia militar dos Estados Unidos, a IV Frota, que é componente naval operacional do Comando Sul, foi desativada.
Monica Herz (2002) lembra que “os anos de 1990 foram marcados por alguma mudança significativa nas relações entre os Estados Unidos e a América Latina”. Dessa forma, identifica-se que “a assistência militar é um instrumento tradicional da política externa norte-americana” (Herz, 2002). Para mais, tem-se observado, ao longo das últimas décadas, que o processo de militarização do combate ao narcotráfico se constitui como um importante paradigma democrático para a região, à luz do prisma estadunidense.
Estranhamente, apesar de uma retórica de não preocupação com a região estar nas ações dos Estados Unidos nas últimas décadas, a IV Frota foi reativada em 2008, durante o governo George W. Bush Filho (2001-2009), com envio de assessores militares para diversos países da região. Em vista disso, um questionamento que não pode ser perdido de vista é: por que o envio desses assessores militares para uma região não considerada prioritária? Será uma preocupação geopolítica antes a presença de potência extrarregionais como China e Rússia?
Novo comandante, Trump 2.0 e potências extrarregionais na região
Como seu eixo norteador, o Comando Sul preconiza como prioridade para a região o fortalecimento de parcerias e o combate a ameaças. Sabe-se que o narcotráfico foi a principal ameaça que ocupou, nas últimas décadas, os esforços estadunidenses para a região, bem como que o paradigma basilar é a defesa da democracia nos moldes dos Estados Unidos.
Em vista disso, a general Laura J. Richardson assumiu um papel mais ativo e enfático na região durante sua gestão no Comando Sul. Durante sua passagem pela Academia de Polícia na Cidade do Panamá, a então comandante declarou que “nossos inimigos acordam todos os dias tentando nos substituir, tentando substituir a democracia, mas o time de democracia que estou vendo é muito mais forte que o dos nossos inimigos da autocracia”. O discurso foi uma alusão direta à presença de China e Rússia na região.
Ministro panamenho da Segurança Pública, Juan M. Pino, reúne-se com a então comandante do US Southcom, general Laura J. Richardson, em 24 de maio de 204 (Crédito: Ministério da Segurança Pública do Panamá)
A região é um importante elemento da manutenção de poder estadunidense. Não por acaso, ou ainda não tão explícito para algumas visões, a IV Frota é reativada em 2008, ao mesmo tempo que, em 2005, a China surge no contexto latino-americano pelo viés econômico. Apesar disso, o ressurgimento estratégico da região tem-se dado pelo Comando Sul, que é um importante instrumento militar da política externa, conforme supracitado.
Na última semana, os Estados Unidos se tornaram o centro dos debates pela eleição presidencial e pela volta de Donald Trump à Casa Branca no próximo ano. Nesse contexto, também aconteceu a passagem de comando do Comando Sul, com a posse do almirante de esquadra Holsey. Na cerimônia, o novo comandante já deixou algumas evidências de que dará continuidade ao trabalho da general Richardson, ante o desafio da presença cada vez maior de potências extra-hemisféricas no continente.
Trump ressurge no cenário, mantendo-se enfático em seus discursos contra a China no contexto da competição estratégica. O comandante Holsey, em seu discurso de posse, destacou que “O SOUTHCOM está na frente da competição estratégica. E nossos adversários estabeleceram uma forte presença, colocando em risco a segurança e a estabilidade nas Américas. A República Popular da China e a Rússia (…) buscam minar a democracia enquanto ganham poder e influência na região”.
De forma concisa, a região da América Latina, do Caribe e da América do Sul não está no centro das preocupações estadunidenses, mas será que essa política de “não interesse” permanecerá nos próximos anos, quando seus “inimigos” continuarem na região, que não é alvo das preocupações dos EUA, mas é a fonte que permite sua projeção de hegemonia no exterior? Essa é uma importante questão a ser acompanhada.
Conheça outros textos das autoras publicado no OPEU
Informe “Marinha dos EUA expressa preocupação com a China na nova estratégia”, em 16 out. 2024
Informe “O primeiro debate presidencial de 2024: antecedentes, tópicos abordados e repercussão”, em 05 julho 2024
Informe “Novas tarifas sobre veículos elétricos chineses: mais um elemento de disputa geopolítica EUA-China, em 26 jun. 2024
Informe “No bicentenário, ‘USS George Washington’ aporta no Brasil: parceria ou dependência estratégica?, em 04 jun. 2024
* Yasmim Abril M. Reis é doutoranda em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP), mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Segurança Internacional e Defesa da Escola Superior de Guerra (PPGSID/ESG), pesquisadora colaboradora no OPEU nas áreas de Segurança e Defesa e vice-líder e assistente de pesquisa voluntária no Laboratório de Simulações e Cenários na linha de pesquisa de Biodefesa e Segurança Alimentar (LSC/EGN). Contato: reisabril@gmail.com.
** Primeira revisão: Simone Gondim. Contato: simone.gondim.jornalista@gmail.com. Segunda revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 9 nov. 2024. Este Informe OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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