China e Rússia

‘It’s the economy, stupid!’: Trump 2.0 e a síntese perfeita 

Crédito: Goodldeas/AdobeStock/free trial

Por Yasmim Abril M. Reis [Informe OPEU] [Eleições 2024] [Economia] [Vitória Trump] [Trump 2.0] [China] [Segurança]

Parafraseando o diplomata João Paulo Soares Alsina Jr. (2003) em seu artigo intitulado “A síntese imperfeita: articulação entre política externa e política de defesa na era Cardoso”, é possível extrair uma ideia pertinente da sua tese defendida que se encontra na articulação do governo Donald Trump (2017-2021), agora podendo ser nomeado como Trump I, de que há políticas setoriais que se articulam em diferentes esferas governamentais. Enquanto Alsina Jr. analisa a simbiose entre a política externa e a política de defesa, este Informe OPEU se utilizará de seu argumento para explorar de que forma a política setorial para a China dialoga com diferentes eixos, como o econômico-comercial, para compreendermos, ou ao menos termos algum início de reflexão, sobre como a China será inserida no governo Trump II, que se iniciará em 20 de janeiro de 2025. 

National Security StrategyCunhada pelo então conselheiro político democrata James Carville na campanha presidencial de 1992, a frase que culpa a economia pelos problemas domésticos do país ecoou na sociedade norte-americana daquele período, ao mesmo tempo em que o país participava da Guerra do Golfo (1991). Nesse sentido, a campanha e o posterior governo de Bill Clinton (1993-2001) identificaram que a economia era mais relevante para os eleitores norte-americanos do que questões relacionadas à guerra, portanto, assumindo o slogan. Não diferentemente, Trump também percebeu que a economia era um fator discursivo-chave durante a atual corrida à Casa Branca.

Também é importante destacar que a economia tem múltiplas variáveis, além do eixo renda-emprego. De fato, a guerra comercial com a China surgiu do eixo econômico, para justificar as ações chinesas como injustas. Esse fator teve impactos na esfera da segurança nacional norte-americana, a qual resultou na Estratégia de Segurança Nacional de 2017 (National Security Strategy, em inglês) cunhando-a como “potência revisionista”. 

Paradoxalmente, o outsider da política até então assumiu uma retórica semelhante para contestar a presença chinesa no sistema internacional por meio do início da guerra comercial em seu primeiro mandato. É interessante notar como a economia é um slogan-pêndulo na política, tanto doméstica quanto externa norte-americana. No governo Clinton, serviu ao país para aproximar a China do sistema internacional, bem como aumentar a relação comercial sino-americana, em meio à expansão do fenômeno da globalização. Já Trump se utilizou dessa retórica para atribuir a culpa da recessão econômica aos chineses, apesar de os dados não evidenciarem uma redução nas relações comerciais bilaterais. 

O importante a ser notado é que a China foi o elemento-chave do primeiro mandato e permanecerá como um ponto fulcral na nova gestão Trump, a partir de 2025. Isso porque o gigante asiático é visto, da perspectiva trumpista, como uma ameaça à hegemonia norte-americana e aos seus interesses nacionais, os quais perpassam pela economia, segurança e defesa, questão climática, minerais críticos e esfera de influência. 

Mudanças ou continuidades no Trump II em relação à China

States and Markets cover

O primeiro governo Trump foi um ponto de inflexão nas relações com a China. Sabendo-se que a relação sino-americana é pautada por contenção e cooperação desde 1949, quando a China teve uma mudança de regime após a Revolução Chinesa, Trump não foi e não será o primeiro presidente a contestar a ameaça chinesa à Pax Americana. O que difere é seu discurso mais incisivo e amplo em relação à posição chinesa no sistema internacional. 

A pergunta para esse novo ciclo que se iniciará em 2025 é: Trump manterá suas promessas iniciadas há oito anos? Ou irá intensificá-las? Conhecendo-se o perfil de Trump, a expectativa é que as hostilidades comerciais se intensifiquem, por meio da imposição de tarifas a setores cruciais. 

A proteção de sua segurança nacional é um aspecto basilar para os EUA. Dentro desse eixo, a dimensão econômica e seus reflexos têm-se mostrado cada vez mais ameaçados, na medida em que a China expandiu seu peso e presença no sistema financeiro internacional. Nesse sentido, a tese defendida por Susan Strange a respeito do poder estrutural, na obra States and Markets (Editora Bloomsbury, 2015), mostra-se relevante para a análise da composição da segurança nacional e, como consequência, compreender de que forma, a partir da economia, Trump fez e, tudo indica, continuará a fazer mudanças com o objetivo de mitigar a presença chinesa no sistema internacional. 

Passados quatro anos sem Trump no comando da Casa Branca, sua percepção sobre a China não mudou, o que pode ser constatado com algumas indicações de nomes considerados “falcões” contra a China, como o apresentador da Fox News e veterano do Exército norte-americano Pete Hegseth, como secretário de Defesa, e Mike Waltz, como conselheiro de Segurança Nacional. Desse modo, é perceptível como figuras fora do âmbito econômico têm sido indicados para a nova composição do governo, em razão de seus posicionamentos mais duros em relação à China.

Pete Hegseth | Pete Hegseth speaking at the 2015 Conservativ… | Flickr(Arquivo) Pete Hegseth, secretário da Defesa no governo Trump 2.0, na CPAC de 2015, em National Harbor, Maryland, em 28 fev. (Crédito: Gage Skidmore/Flickr)

Apesar das mudanças significativas nos últimos anos, como uma sutil queda de crescimento da economia chinesa, Trump permanecerá com sua retórica mais enfática contra a China. Nesse sentido, parto de suas hipóteses para sustentar essa afirmação. A primeira se refere à busca do status quo norte-americano. A segunda é que o discurso anti-China tem origens em fatores domésticos, como, por exemplo, a base eleitoral e seus anseios econômicos.

Se, ao analisar a relação entre política externa e política de defesa no Brasil, Alsina Jr. concluiu que há uma síntese imperfeita em sua articulação, ao parafraseá-lo para a política norte-americana, nota-se que há uma síntese perfeita no que diz respeito à política com a China – seja nos âmbitos econômico, militar ou político. O que interessa acompanhar é se a Pax Americana, apesar dos esforços norte-americanos, sobreviverá ao trumpismo e aos novos desafios que a configuração internacional tem-lhe imposto. 

 

Conheça outros textos da autora publicados no OPEU

Informe “Marinha dos EUA expressa preocupação com a China na nova estratégia”, em 16 out. 2024

Informe “O primeiro debate presidencial de 2024: antecedentes, tópicos abordados e repercussão”, em 5 jul. 2024

Informe “Novas tarifas sobre veículos elétricos chineses: mais um elemento de disputa geopolítica EUA-China, em 26 jun. 2024

Informe “No bicentenário, ‘USS George Washington’ aporta no Brasil: parceria ou dependência estratégica?, em 4 jun. 2024

 

* Yasmim Abril M. Reis é doutoranda em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP), mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Segurança Internacional e Defesa da Escola Superior de Guerra (PPGSID/ESG), pesquisadora colaboradora no OPEU nas áreas de Segurança e Defesa, e vice-líder e assistente de pesquisa voluntária no Laboratório de Simulações e Cenários na linha de pesquisa de Biodefesa e Segurança Alimentar (LSC/EGN). Contato: reisabril@gmail.com.

** Revisão e edição: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 13 nov. 2024. Este Informe OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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