Dentro do gabinete republicano: Kash Patel, o ‘mago’ de Trump
Kash Patel em evento de campanha Team Trump Bus Tour no estado da Pensilvânia, em novembro de 2024, poucos dias antes das eleições. (Fonte: Truth Social)
Por Vitória Moreira Zambiazzi* [Informe OPEU] [Eleições 2024] [Governo Trump] [Equipe de transição]
O resultado do ciclo eleitoral de 2024 nos Estados Unidos sinalizou a vitória presidencial de Donald Trump, a tendência republicana na eleição para governadores que ocorreu em 11 estados do país e a conquista da maioria de assentos republicanos no Senado pela primeira vez em quatro anos. Isso, somado à disputa acirrada na Câmara dos Representantes, pode favorecer ainda mais uma composição majoritariamente vermelha no conjunto de pesos e contrapesos que configura o atual sistema político estadunidense.
Nesse contexto, cabe ressaltar a importância de figuras próximas a Trump que podem adquirir papel de relevância e capacidade de atuação ainda mais acentuada em seu próximo governo. Entre os possíveis nomes para formação do gabinete do presidente recém-eleito, surge Kashyap “Kash” Patel, candidato em potencial para cargos de segurança nacional, como um possível diretor da CIA (Agência de Inteligência Central), procurador-geral, ou, se não for aprovado pelo Senado, com um cargo importante no Conselho de Segurança Nacional.
Kash Patel apareceu com frequência em eventos da campanha de Trump, sendo, antes disso, um nome conhecido na primeira gestão do presidente republicano por sua extrema lealdade e atuação em vários cargos de alto escalão em células de defesa e Inteligência. Charles Kupperman, ex-conselheiro adjunto de Segurança Nacional ressalta a atuação volátil e submissa de Patel à época: “Ele (Trump) queria fazer de Kash um carrasco político, para eliminar e demitir pessoas da equipe da Casa Branca que não estivessem sendo tão leais quanto ele achava que deveriam ser”, reafirmando o aspecto da gestão do republicano que valoriza profissionais subservientes. Continuamente, durante a primeira gestão, os atos de lealdade de Kash eram justificados pelo discurso conspiracionista de combate à corrupção em órgãos que, de acordo com este, visavam unicamente a minar a governabilidade de Donald Trump, afirmando que o chefe “estava certo” em uma lista de questões, incluindo o Russiagate, e que “liderou esforços para desclassificar (divulgar) a corrupção do Departamento de Justiça e do FBI”.
Dos livros infantis às telas de cinema
Outro fato curioso de Patel é sua atuação dentro da indústria do entretenimento. Atualmente, promove o terceiro livro de sua série de livros infantis, intitulado The Plot Against the King (O complô contra o rei), em que retrata a si mesmo como um feiticeiro com a responsabilidade de vingar o personagem rei Donald contra sua inimiga Hillary Queenton. O livro de 35 páginas usa a ferramenta de personagens fictícios infantis para fornecer um relato revisionista do trabalho do FBI (Polícia Federal dos EUA) que visava a investigar a possível interferência russa durante as eleições de 2016 e potenciais conexões com Trump, uma pauta recorrente em seus dois primeiros anos da Presidência.
Também neste ano, publicou seu livro de memórias, Government Gangsters: The Deep State, the Truth, and the Battle for Our Democracy (“Gângsteres do governo: o “Estado Profundo”, a verdade e a batalha por nossa democracia”, em tradução literal), que tem adaptação cinematográfica em um clima de thriller político e estrelada por ele mesmo. A sinopse do livro/filme busca legitimar o discurso constantemente apresentado pelo autor sobre a atuação do Deep State estadunidense e a consequente corrupção enraizada no sistema político que impede a concreta liderança de Donald Trump, além de apresentar suas prioridades no âmbito da segurança nacional.
Carreira, Nunes memo e aproximação com Trump
Iniciando sua carreira como defensor público no condado de Miami-Dade e, depois, como defensor público federal no Distrito Sul da Flórida, Patel desenvolveu animosidade contra os promotores do Departamento de Justiça que enfrentava. Já antes de se associar a Trump, criticava o que ele via como um foco existente de “corrupção endêmica” dentro do órgão, defendendo a necessidade de combatê-lo.
Em 2014, tornou-se promotor federal na seção de contraterrorismo da Divisão de Segurança Nacional do Departamento de Justiça. Por conta de atritos com membros do Departamento, em 2017, Kash migrou para trabalhar no House Permanent Select Committee on Intelligence (Comitê de Inteligência da Câmara) com Devin Nunes (R-CA), na época congressista republicano pelo estado da Califórnia que presidia o comitê. O foco do trabalho era investigar a atuação do FBI perante as acusações de interferência russa nas eleições. Apesar de aceitar o trabalho, sua vontade, desde a eleição de Trump, era trabalhar na Casa Branca, mas Nunes conseguiu convencê-lo, prometendo recomendá-lo para uma vaga no Conselho de Segurança Nacional de Trump assim que a investigação fosse concluída.
O trabalho resultou na criação do Nunes memo, parte da tentativa dos republicanos de reformular a investigação da Rússia como um esforço politicamente motivado para sabotar a gestão da época, incluindo acusações contra o FBI de obtenções indevidas de mandados para realizar escutas telefônicas de assessores da campanha de Trump. Após sua veiculação, o memorando foi enquadrado por parte da mídia como ficção com carga política, o que chamou a atenção do presidente. A perda de Nunes na presidência do Comitê de Inteligência se tornou uma oportunidade para Kash migrar para a Casa Branca, local que, mesmo com resistência de alguns assessores, tornou-se sua nova área de trabalho.
Escalado em uma função sem muita relevância na seção de organizações internacionais do Conselho de Segurança Nacional, Patel não deixou de se envolver em polêmicas. Em 2019, Fiona Hill, a então diretora sênior do Conselho para Europa e Rússia, apresentou seu depoimento perante a investigação do processo de impeachment contra Trump, citando atividades irregulares que caracterizaram desvio de função de Patel. Segundo ela, o membro do Conselho estava fornecendo materiais sobre a situação da Ucrânia para o presidente de forma extraoficial, alimentando teorias da conspiração de que Kiev, e não Moscou, estava envolvida nos escândalos das eleições de 2016.
(Arquivo) Fiona Hill (Fonte: PBS News Hour)
Independentemente de suas polêmicas, a ascensão profissional continuou, acumulando cargos como diretor sênior de contraterrorismo no Conselho de Segurança Nacional, liderando em conjunto com Richard Grenell um expurgo de agentes de Inteligência, e um dos cargos mais importantes no Pentágono que manteve por três meses: o de chefe de gabinete de Christopher Miller, o então secretário interino da Defesa. A tendência, se dependesse apenas de Trump, seria torná-lo vice-diretor da CIA ou do FBI, algo que, devido a uma grande pressão de figuras seniores, não se concretizou.
Para além de suas empreitadas em células de Inteligência e defesa do governo estadunidense, Kash monetiza sua associação com Trump de outras formas. Sua empresa, Trishul, opera como uma consultoria para a agenda republicana, trabalhando, por exemplo, com a rede social Truth Social, de Donald Trump, com o PAC pró-Trump Save America e com Matt Gaetz (R-FL), membro republicano da Câmara de Representantes pelo estado da Flórida. Kash Foundation, uma organização sem fins lucrativos, opera, segundo ele, para oferecer ajuda financeira a pessoas “ignoradas pela grande mídia”, incluindo as famílias de pessoas acusadas por seus papéis no ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021. A fundação divulga poucos detalhes sobre suas finanças e é questionada sobre suas doações, tendo em vista um aumento de despesas no ano passado, voltado, em grande parte, para promoção e publicidade – um gasto que totalizou mais do que a fundação doou em contribuições e subsídios no mesmo período. No âmbito de promoções, o agente também é ativo na rede social Truth Social, em que divulga inúmeros merchandisings trumpistas e suplementos alimentares para “desintoxicar o corpo de efeitos colaterais da vacina”.
Analisando a trajetória de Kash Patel e sua relação com Donald Trump, há evidências claras do peso que a figura tem para a formação de um gabinete de extrema lealdade legitimador de suas ações. Sua carreira profissional polêmica e de forte associação com o presidente recém-eleito convergem com a conduta ousada (e ausente de pruridos) enncontrada nos inúmeros discursos inflamados de Trump que questionam o funcionamento democrático de suas próprias instituições políticas. Compreendendo a nova configuração doo Senado e a disputa acirrada na Câmara dos Representantes, questiona-se até qual ponto a agenda trumpista poderá, enfim, concretizar o posicionamento de Kash em um cargo tão esperado de liderança e capital político vantajoso para perseguir jornalistas e membros do governo conspiracionistas que, de acordo com este, mentem para manipular as eleições.
* Vitória Moreira Zambiazzi é graduada em Relações Internacionais pela UFSC e vinculada ao grupo de pesquisa da UFSC sobre Coerção e Consenso: a política externa dos Estados Unidos para a América Latina. Contato: vitoriaazambiazzi@gmail.com.
** Revisão e edição: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 7 nov. 2024. Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
*** Sobre o OPEU, ou para contribuir com artigos, entrar em contato com a editora do OPEU, Tatiana Teixeira, no e-mail: tatianat19@hotmail.com. Sobre as nossas newsletters, para atendimento à imprensa, ou outros assuntos, entrar em contato com Tatiana Carlotti, no e-mail: tcarlotti@gmail.com.
Assine nossa Newsletter e receba o conteúdo do OPEU por e-mail.
Siga o OPEU no Instagram, Twitter, Linkedin e Facebook e acompanhe nossas postagens diárias.
Comente, compartilhe, envie sugestões, faça parte da nossa comunidade.
Somos um observatório de pesquisa sobre os EUA,
com conteúdo semanal e gratuito, sem fins lucrativos.