Eleições

‘União, não divisão’: o argumento final de Harris

Discurso de Kamala Harris em DC (Fonte: Print do vídeo do canal de Tim Walz no YouTube)

Por Augusto Scapini* [Informe OPEU] [Eleições 2024] [Kamala Harris]

No dia 29 de novembro, a campanha de Kamala Harris, candidata democrata à Presidência dos EUA, organizou seu maior comício, no President’s Park South, em Washington, D.C., parque que faz parte do complexo de edifícios administrativos do governo. Além de contar com a ampla visão da Casa Branca no horizonte, o local, popularmente conhecido como a Elipse, foi escolhido por ter um grande valor simbólico, pois foi onde o ex-presidente – e atual rival de Harris – Donald Trump proferiu seu fatídico discurso em 6 de janeiro de 2021, incentivando a população americana a “lutar como o inferno” após sua derrota nas eleições de 2020. Horas após a fala, centenas de seus apoiadores invadiram o edifício do Capitólio, a fim de interromper a contabilização dos votos pelo Congresso americano, revolta que resultou na morte de pelo menos sete pessoas, no ferimento de centenas e na prisão de milhares mais.

A construção do contraste político-ideológico com seu adversário, no entanto, não permaneceu apenas no plano simbólico, visto que este foi um artifício explicitamente evocado por Harris durante todo seu discurso, ouvido por um número estimado de 75 mil pessoas. A vice-presidente afirmou que, se eleito, Trump – a quem caracterizou como um “tirano mesquinho” e “aspirante a ditador” – entraria no Salão Oval com uma “lista de inimigos” que pretende perseguir durante seu mandato, utilizando, ainda, o Exército para punir os cidadãos que discordarem de suas ideias. Em contrapartida, a democrata prometeu que ocuparia o cargo com uma lista de tarefas que priorizariam as necessidades do povo.

Assista ao discurso na íntegra (Fonte: Canal de Tim Walz no YouTube)

Harris reconheceu, de início, que sua entrada tardia na corrida eleitoral foi um acontecimento atípico, mas reafirmou sua competência, ao destacar seus principais feitos durante sua carreira como procuradora-geral da Califórnia, cargo que ocupou de 2011 a 2017. A candidata também fez questão de diferenciar seu possível futuro mandato da atual gestão de Joe Biden, assegurando ao público presente que, se eleita, trará suas próprias ideias e experiências para a Presidência.

Quanto à economia, Harris buscou, novamente, estabelecer uma oposição em relação ao rival republicano, acusando-o de pretender isentar os bilionários de tributos, aumentar as taxas de importações e cortar o acesso da população ao seguro de saúde. Colocando a diminuição dos custos diários como a grande prioridade de seu governo, Harris prometeu, por sua vez, reduzir impostos para os trabalhadores, banir a manipulação de preços dos alimentos, oferecer auxílios de moradia e reduzir os custos de cuidados infantis.

A democrata também reforçou seu apoio aos direitos reprodutivos das mulheres, responsabilizando Trump pela formação de uma Suprema Corte conservadora, um quadro que possibilitou, em 2021, o banimento do aborto em diversos estados do país e, consequentemente, colocou as mulheres em ainda mais risco. Lembrou ao público, também, que Trump já havia declarado sua intenção de dificultar o acesso a métodos contraceptivos e a tratamentos de fertilização in vitro (IVF).

Abordando o sensível tema da imigração, Harris estabeleceu a necessidade de mais esforços para garantir a segurança nas fronteiras. Ao mesmo tempo, contudo, reconheceu que o país é uma nação formada por imigrantes e, por isso, precisa de reformas imigratórias que proporcionem melhores condições para o processo de obtenção de cidadania. É válido notar que, durante sua campanha, Harris foi duramente criticada por não detalhar planos concretos para a mitigação dos problemas fronteiriços, chegando a ser apelidada de “czar da fronteira” por seus opositores políticos.

Em relação às questões de defesa e política externa, a candidata prometeu manter a liderança global do país, assegurar os interesses da nação e fortalecer as alianças com seus parceiros internacionais. Também se comprometeu a honrar as tropas do Estado e a proteger suas famílias, aproveitando para relembrar o momento em que Trump, supostamente, chamou os soldados estadunidenses que morreram em guerra de “perdedores” e “otários”, comentário que o republicano nega ter feito. Além disso, Harris acusou o adversário de ser um “alvo fácil” de se manipular e, por isso, Vladimir Putin e Kim Jong-un, líderes da Rússia e Coreia do Norte, respectivamente, torcem para sua vitória.

Por fim, a vice-presidente buscou consolidar sua diferença ante o rival republicano, afirmando que não vê seus dissidentes como inimigos e, logo, prometeu governar para todos os americanos. Evocando imagens de revoluções que marcaram a história da nação, como, por exemplo, as manifestações de Stonewall e a Convenção de Seneca Falls, Harris celebrou os valores do povo americano: liberdade, justiça, diversidade e união. Nesse sentido, a mensagem final que a democrata deixa para o público em seu discurso é: os eleitores devem olhar para além dos partidos e escolher entre a divisão e o caos, trazidos por Trump, e a harmonia e o otimismo, oferecidos por ela.

Women's Rights Historic Marker | Seneca Falls, New York | FlickrSeneca Falls, em NY, um marco histórico pelos direitos da mulheres (Crédito: Jimmy Emerson/Flickr)

O discurso de Harris foi recebido de maneira majoritariamente positiva pelos veículos midiáticos, que a elogiaram por ter conseguido se relacionar pessoalmente com os espectadores, ao contar histórias de sua infância, e por dialogar diretamente com os eleitores republicanos, prometendo ouvi-los. Em nota dissonante e sem surpresa, Howard Kurtz, da Fox News, avaliou que Harris cometeu um “erro fatal”, ao focar seu discurso no antitrumpismo. Segundo ele, é incoerente a candidata se promover como uma líder “unificadora” e, ao mesmo tempo, atacar seu rival, descaradamente. Em relação à retomada da invasão ao Capitólio, Nikki Haley, ex-candidata republicana e ex-embaixadora dos EUA na ONU durante o governo Trump de quem se tornou um desafeto na pré-campanha, mas a quem voltou a se aliar também criticou a fala de Harris, declarando, de maneira previsível, à mesma emissora que os eleitores “já sabem como se sentem sobre o 6 de Janeiro” e que decidirão, agora, se querem uma repetição dos últimos quatro anos que viveram. Já Trump, que, na mesma noite, sediava um evento no estado-chave da Pensilvânia, acusou a adversária de pagar a multidão para comparecer a seu evento. Essa alegação foi repetida diversas vezes pelo candidato durante suas aparições públicas desde a entrada de Harris na atual corrida eleitoral.

Enquanto as pesquisas de intenção de voto continuam praticamente empatadas, ou indicando pequena diferença dentro da margem de erro, ambos os candidatos aproveitam os últimos dias de campanha para entregar seus argumentos finais e convencer os eleitores indecisos de que são a melhor alternativa para a governança do país. Por este motivo, ambos buscam cada vez mais exposição na mídia para disseminar suas ideias e promessas. No caso de Harris, entre sua aparição em programas de televisão, como o Saturday Night Live no último sábado (2), e a proclamação de discursos eloquentes, coerentes e inspiradores, sua imagem se mostra cada vez mais renovada entre o público. Se essas pequenas vitórias irão beneficiá-la nessa reta final é algo que as urnas revelarão nas semanas a seguir, quando os votos forem contados.

 

* Augusto Scapini é bacharel em Relações Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador colaborador do OPEU. Foi, também, bolsista de iniciação científica (PIBIC/INCT-INEU/CNPq) de novembro de 2021 a fevereiro de 2024. Contato: augusto.scapini@ufrj.br.

** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. 1ª versão recebida em 4 nov. 2024. Este Informe OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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