‘Nunca recuaremos e nunca, nunca, nunca nos renderemos’: o argumento final de Donald Trump
Print do comício do Trump no Madison Square Garden (Crédito: Vídeo no canal da PBS News Hour no YouTube)
Por Andressa Mendes* [Informe OPEU] [Eleições 2024] [Donald Trump]
No dia 27 de outubro, a nove dias da eleição presidencial dos Estados Unidos, o candidato Donald Trump realizou um comício no Madison Square Garden, lugar icônico e importante da cidade de Nova York. Apesar de estar localizada em um estado historicamente democrata, Trump escolheu o Madison Square Garden para sediar o que seria — e foi — um dos eventos mais propagados e comentados pela mídia, o qual contou com a arrecadação de fundos para as campanhas republicanas e foi um reforço às candidaturas aos assentos na Câmara dos Representantes (Deputados) dos EUA.
O evento contou com milhares de pessoas não só de Nova York, mas também de outras partes do país. No que tange aos palestrantes, alguns dos nomes presentes incluíram o candidato a vice-presidente J.D. Vance; o bilionário Elon Musk; o ex-presidenciável Robert F. Kennedy Jr.; o ex-prefeito de Nova York Rudy Giuliani; a personalidade da TV Dr. Phil McGraw; o presidente da Câmara, Mike Johnson; Eric e Donald Jr., filhos de Trump; o lutador Hulk Hogan; e Scott LoBaido, ativista de Staten Island. Melania Trump, esposa de Trump, também fez uma aparição, no que foi seu primeiro discurso político público deste ciclo de campanha. Ela ficou encarregada de apresentar Donald Trump ao público e recepcioná-lo em seu discurso.
Participações no comício de Trump (Fonte: canal da NPR no YouTube)
Além das promessas de campanha feitas por Trump, o que mais chamou a atenção foram as falas problemáticas proferidas não apenas por Trump, mas, principalmente, por outros palestrantes, em especial o comediante e apresentador de podcast Tony Hinchcliffe. Ele se referiu a Porto Rico como uma “ilha flutuante de lixo”; aos hispânicos, como “esses latinos também adoram fazer bebês”; aos judeus, como conhecidos por “serem mesquinhos”; e aos palestinos, por “atirarem pedras”.
Outro orador comparou a vice-presidente Kamala Harris a uma prostituta, enquanto um terceiro chamou-a de “o Anticristo”. E o ex-apresentador da Fox News Tucker Carlson também zombou de Harris — filha de mãe indiana e pai jamaicano —, ao declarar que ela tem uma etnia inventada e que ela estava competindo para se tornar “a primeira ex-promotora da Califórnia samoana-malaia de baixo QI a ser eleita presidente”. O ex-prefeito de Nova York Rudy Giuliani disse, por sua vez, que Harris está “do lado dos terroristas”.
As propostas de Trump se perderam em meio a todas essas “piadas” e declarações controvérsias, inclusive na repercussão do discurso. O que se destacou na mídia pós-27 de outubro foi referente, principalmente, à fala de Hinchcliffe e à ofensa a Porto Rico, mesmo a equipe de Trump tendo, posteriormente, negado que os comentários mais ofensivos de Hinchcliffe — e de outros palestrantes — tenham sido revisadas e aprovadas previamente, alegando que tais falas foram improvisadas.
Apesar de todas essas polêmicas, é possível filtrar as propostas de governo de Donald Trump, ao analisar seu discurso, que teve mais de uma hora de duração. Após os cumprimentos e agradecimentos iniciais, ele prometeu “acabar com a inflação, parar a invasão de ‘criminosos’ que entraram em seu país e trazer de volta o Sonho Americano”. Ele também usou o palanque para atacar sua oponente Kamala Harris, para fazer alegações a respeito das políticas do governo Biden-Harris e para promover um discurso relativo ao que ele faria “de diferente” a respeito de diversos temas, como economia, imigração e política externa.
Trump prometeu cortar impostos, acabar com a inflação e aumentar os salários dos cidadãos estadunidenses. Prometeu, ainda, trazer fábricas de volta ao país, com o apoio de Elon Musk, citado mais de uma vez pelo ex-presidente como a pessoa que se juntará a ele para restaurar a indústria dos Estados Unidos. Ademais, garantiu que porá um fim à guerra da Ucrânia.
Quanto às questões sociais, prometeu findar a teoria racial crítica e a “insanidade transgênero” das escolas e manter homens fora dos esportes femininos. Ele se propôs a defender a liberdade religiosa, restaurar a liberdade de expressão e defender o direito de manter e portar armas. Trump manteve o discurso de priorizar o âmbito doméstico (America First) em detrimento de ações no âmbito internacional e alegou que irá agir em defesa das fronteiras dos Estados Unidos e na proteção dos seus cidadãos.
No que tange à imigração, pauta central de sua campanha, declarou que irá acabar com a imigração “ilegal” que ocorre “em níveis nunca vistos antes” — uma recorrente afirmativa que não se sustenta pelos números oficiais. Ainda sobre este tema, o republicano prometeu acabar com as cidades-santuário e atacou Harris, ao dizer que a candidata “importou migrantes criminosos de prisões e cadeias, manicômios e instituições mentais de todo o mundo, da Venezuela ao Congo”, algo que nunca ocorreu. Também disse que invocará a Alien Law de 1798, uma lei que permite realizar deportações em massa, embora, legalmente, ele não possa fazer isso.
Por fim, concernente à questão da democracia nos Estados Unidos, Trump criticou o sistema eleitoral, afirmando que a eleição ocorre em períodos “que duram para sempre”, e não mais em um dia (Election Day). Outra fala (curiosa) do ex-presidente foi sobre um “pequeno segredo” (little secret) seu com Mike Johnson (presidente da Câmara), o qual estaria causando um “grande impacto”. Apesar de não ter detalhado que segredo é esse, ele o aborda no contexto retórico dos representantes e senadores republicanos, hoje com grandes chances de compor maioria em ambas as Casas do Congresso neste ciclo eleitoral.
Johnson, por sua vez, divulgou uma declaração confirmando a existência de tal segredo: “Por definição, um segredo não deve ser compartilhado — e não pretendo compartilhar este”. Essa alegação é curiosa, pois abre margem para interpretação sobre o que seria este segredo. Em artigo para a revista semanal The Nation, Elie Mystal especula que isso possa ter relação com a nomeação de Trump por meio de uma “eleição contingente”, em que a Câmara dos Representantes, não o Colégio Eleitoral, determina o presidente. Dessa forma, ele dependeria da Câmara (de maioria republicana) para ser eleito, e não mais do Colégio Eleitoral. Essa teoria converge com o discurso recorrente de Trump sobre a “suposta fraude eleitoral de 2020” e, também, com o movimento MAGA e os esforços da nova tradição republicana de subverter e atacar as instituições democráticas que regem o país.
O artigo revelador de Elie Mystal (Fonte: X/iroon.com)
Por fim, Trump encerrou seu discurso, declarando vitória: “com seu voto em novembro, vamos demitir Kamala, e vamos salvar a América. […] vamos vencer, vencer, vencer. 5 de novembro será o dia mais importante na história do nosso país. E, juntos, faremos a América poderosa novamente. Faremos a América rica novamente, […] e faremos a América grande novamente”.
No final, o que se sobressaiu do comício do Madison Square Garden foi a série de falas problemáticas, racistas e xenofóbicas, que reverberaram negativamente pela mídia e contra a campanha trumpista. Apesar disso, as pesquisas continuam apresentando Trump e Harris tecnicamente empatados na busca por 270 delegados do Colégio Eleitoral, em especial nos estados-pêndulo. Para além da grande pergunta de quem será eleito presidente dos Estados Unidos em 2024, permanece o questionamento de qual será a reação de Trump e de seus apoiadores, caso Kamala consiga a maioria dos delegados. O argumento final da campanha eleitoral de Donald Trump é ambíguo sobre o futuro da democracia nos Estados Unidos.
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* Andressa Mendes é pesquisadora colaboradora do INCT-INEU/OPEU e doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, PUC-SP). Ela é mestre e graduada em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Contato: glm.andressa@gmail.com.
** Revisão e edição finais: Tatiana Teixeira. Recebido em 04 de novembro. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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