Internacional

A invasão ‘silenciosa’ dos Estados Unidos: o financiamento de ‘think tanks’ na Ucrânia

‘O National Endowment for Democracy está em unidade e solidariedade com a Ucrânia’, afirma a instituição em fev. 2022, início do conflito com a Rússia (Fonte: site do NED)

Por Ary Cesar Minella* [Informe OPEU] [Think tanks] [Ucrânia] [Atlas Network] [CIPE]

Impulsionados por significativos recursos externos, diversos think tanks foram estabelecidos na Ucrânia a partir dos anos 1990, com o objetivo de investigar a realidade do país, subsidiar organizações da sociedade civil e formular políticas públicas para a transição rumo a uma democracia liberal e a uma economia de mercado. Esses think tanks, em particular, examinaram as condições e estratégias para mitigar a influência econômica e política da antiga União Soviética e, depois, da Rússia, direcionando o país para a integração com a União Europeia e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Este estudo analisa a relação dos Estados Unidos no financiamento desses think tanks, considerando 14 casos (Quadro 1).

Quadro 1 – Ucrânia. Think tanks considerados na pesquisa

Sigla

Think tanks

Ano de

fundação

CASE-UA Center for Social and Economic Research 1999
CEDOS CEDOS – NGO Centre for Society Research 2010
CES Center for Economic Strategy 2015
CPLR Center for Policy and Legal Reform 1996
DCSR Dniprovsky Center for Social Research 1999
DIF Ilko Kucheriv Democratic Initiatives Foundation 1992
FPF Foreign Policy Council “Ukrainian Prism” 2012
ICPS International Centre for Policy Studies 1994
IER Institute for Economic Research and Policy Consulting 1999
IPE Institute of Political Education 2001
ISAR Initiative Center to Support Social Action “Ednannia” 1997
RC Razumkov Centre 1994
UCIPR Ukrainian Center for Independent Political Research 1991
UMDPL Association of Ukrainian human rights monitors on Law Enforcement 2010
Fonte: Elaboração própria com base nos dados dos sites dos think tanks, especialmente relatórios anuais. Os TTs foram selecionados a partir de On Think Tank (2022) e do ranking publicado no Global Go To Think Tank Index Report.

EUA e o financiamento dos think tanks

Além dos financiamentos diretos e indiretos do governo e de organizações privadas dos Estados Unidos, os think tanks ucranianos receberam recursos de organismos da ONU, da União Europeia, de diversos países europeus, de instituições multilaterais e de fundações vinculadas a partidos políticos. Esclarecimento: registra-se como financiamento para o think tank quando, em determinado ano, estabelece-se um vínculo financeiro, independentemente do valor e do número de programas financiados em um ou mais anos.

Consideraram-se como financiadores os governos e organismos multilaterais, independentemente de atuarem por diversas agências oficiais. Por exemplo, diferentes organismos da ONU que atuaram junto a seis TTs são considerados como um único financiador: a ONU. Esse critério também se estende às organizações privadas que financiam por diferentes canais, como a Open Society. Além disso, incluem-se como financiadores as organizações formalmente privadas que operam com recursos governamentais (como o NED e o CIPE), fundações, corporações, universidades e outras entidades. Assim, foram identificados 79 financiadores, sendo 19 dos EUA, responsáveis por 151 financiamentos, dos  quais 54 (36%) são dos Estados Unidos, 22 (13%) da Ucrânia e 13 (9%) da Alemanha.

A seguir, considera-se mais detalhadamente a participação dos Estados Unidos (Quadro 3).

Quadro 2 – Governo e organizações dos EUA. Financiamento de think tanks na Ucrânia
Financiadores                

Think tanks

CEDOS CPLR CASE-UA UCIPR CES UMDPL DCSR ICPS IER IPE ISAR RC DIF FPF Total
IRF (Open Society)

x

x x x x x x x x x

10

EUA – USAID

x

x x x x x x x

8

NED

x

x x x x

5

OS Institute

x

x x x

4

CS Mott Foundation

x

x x

3

German Marshall Fund

x

x

2

OS Initiative for Europe

x

x

2

AmCham-

x

x

2

EUA-Embaixada

x

x

2

ABA CEELI

x

1

EUA-ACIE

x

1

Eurasia Foundation

x

1

Indiana University

x

1

OS European Policy Int

x

1

EastWest Institute

x

1

Microsoft

x

1

Atlas Network

x

1

Ford Foundation

x

1

OS Institute-Network

x

1

Family Health Int.Fdn.

x

1

ICNL

x

1

CIPE

x

1

SU-CDDRL

x

1

IREX

x

1

Mondelēz Int.Fdn.

x

1

Total

7

7 6 6 5 5 3 3 3 3 2 2 1 1

54

Fonte: Elaboração própria com base em dados dos sites dos think tanks.
Siglas: ACIE -American Councils for International Education; ICNL -International Center for Not-for-Profit Law; IREX -International Research & Exchanges Board; IRF: International Renaissance Foundation; SU: Stanford University; OS: Open Society.

O governo dos Estados Unidos atua principalmente por meio da USAID (8 TTs), do American Councils for International Education, da Embaixada em Kiev e, de forma indireta, por meio do National Endowment for Democracy (NED, 5 TTs), do Center for International Private Enterprise (CIPE), da International Research & Exchanges Board (IREX) – organizações privadas financiadas pelo governo americano –, e da Eurasia Foundation que, segundo seu Annual Report 2020, recebe fundos do Departamento de Estado, da USAID, da Carnegie Corporation of New York, HAND Foundation, Millennium Partners e da empresa Chevron.

A participação direta oficial dos Estados Unidos atinge dez TTs e, com a participação indireta, chega a 13 dos 14 TTs. Os think tanks que recebem entre cinco e sete financiadores de Estados Unidos são CEDOS, CPLR, CASE-UAUCIPR, CES e UMDPL.

O NED se relaciona com uma ampla gama de organizações da sociedade civil na Ucrânia. Conforme dados que estavam disponíveis em fevereiro de 2022, no ano de 2021 financiou 73 entidades, no total de US$ 5,5 milhões (os dados não estão mais disponíveis no site). O CIPE, um dos institutos associados ao NED, está sob a direção da Câmara Americana do Comércio.

Entre as fundações, a mais significativa é a Open Society Foundation (OSF), do bilionário George Soros, e suas filiais na Europa (OS European Policy Institute, OS Initiative for Europe), especialmente a International Renaissance Foundation (IRF), que atua na Ucrânia desde 1990. No total, a OSF financia dez dos 14 think tanks. Segundo informações de sua página institucional on-line, até 2019, a IRF investiu mais de US$ 230 milhões no “desenvolvimento da democracia” na Ucrânia, financiando mais de 400 projetos anualmente e alcançando mais de 250 organizações em 2021. Em 2020, os “subsídios” mundiais da OSF chegaram a US$ 1,4 bilhão.

George Soros | George Soros (Investor, Finanzier, Open Socie… | Flickr(Arquivo) George Soros, fundador da OSF (Fonte: Heinrich-Böll-Stiftun/Flickr)

Outras fundações presentes: Charles Stewart Mott Foundation (3 TTs), German Marshall Fund of the United States (2), Ford Foundation, Family Health International Foundation, Mondelēz International Foundation e a empresa Microsoft (1 think tank cada). As conexões acadêmicas e de formação são estabelecidas com o EastWest Institute, a Indiana University e o Centre on Democracy, Development and the Rule of Law (CDDRL), da Stanford University.

Conexões em redes

Uma característica importante da atuação dos think tanks é a formação de redes. Nas disputas geopolíticas na região, pelo menos três redes com influência dos Estados Unidos atuam na Ucrânia: a Atlas Network; a Network of Democracy Research Institutes, comandada pelo NED; e a Eurasia Foundation Network.

A conexão com uma rede extensa de think tanks faz parte do esforço dos Estados Unidos para manter sua hegemonia e responder aos constantes desafios e contestações que o país enfrenta. Os dados apresentados são indicativos da relevância que os Estados Unidos atribuem aos think tanks para a defesa dos seus interesses geopolíticos na Ucrânia. Assim, os centros de pesquisa e formulação de políticas públicas, os think tanks, podem ser considerados atores relevantes no contexto de uma guerra híbrida, o que parece estar demonstrado no caso ucraniano.

 

* Ary Cesar Minella é professor na UFSC, membro do GT CLACSO Estudos sobre Estados Unidos. Contato: minella.ary@gmail.com.

El legado de Trump en un mundo en crisis - CLACSOOutras publicações do autor: Intervención en el exterior en la era Trump: acciones del CIPE en América Latina, capítulo publicado no livro El legado de Trump en un mundo en crisis (Clacso e Siglo Veintiuno, 2021), organizado por Leandro Morgenfeld e Mariana Aparicio Ramírez; e o artigo “NED: Intervencionismo en América Latina y el Caribe”, publicado no Boletin Clacso, em 2023.

** Revisão e edição finais: Tatiana Teixeira. Recebido em 24 out. 2024. Versão reduzida de artigo publicado em Estados Unidos: miradas críticas de Nuestra América, n.8, novembro 2022. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

*** Sobre o OPEU, ou para contribuir com artigos, entrar em contato com a editora do OPEU, Tatiana Teixeira, no e-mail: tatianat19@hotmail.com. Sobre as nossas newsletters, para atendimento à imprensa, ou outros assuntos, entrar em contato com Tatiana Carlotti, no e-mail: tcarlotti@gmail.com.

 

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