Economia e Finanças

Trumponomics 2.0 e o retorno à America First

Crédito: Images Money/Flickr

Por Fábia Muneron Busatto* [Informe OPEU] [Eleições 2024] [Economia Trump]

Bidenomics vs. Trumponomics 

Os anúncios de campanha do candidato ex-presidente Donald Trump não deixam dúvidas a respeito de seu apelo nacional-econômico aos eleitores. Suas campanhas televisivas focam na dificuldade econômica que as famílias encontram para se sustentar: o preço proibitivo da gasolina, das compras do mercado, do mercado imobiliário. Anúncios deste estilo, como o do vídeo abaixo, são veiculados em conjunto com manchetes que ligam, de forma pejorativa, as políticas econômicas de Joe Biden às da atual vice-presidente dos Estados Unidos e candidata à Presidência, Kamala Harris. Nos vídeos, Harris aparece em trechos de gravações e discursos proferindo o orgulho das chamadas Bidenomics, enquanto o narrador destaca a suposição de que essas políticas tenham levado o país à maior inflação em 40 anos. Em eventos de campanha, Trump critica a administração Biden/Harris por ter causado uma crise no custo de vida do país.

A estratégia do ex-presidente de enfatizar os preços de produtos básicos, questões de moradia e renda não se dá à toa. Apesar da melhora desses índices pós-pandemia, os Estados Unidos têm enfrentado aumento da inflação e queda do poder de compra da população, bem como uma crescente dificuldade no acesso a serviços como habitação. Uma pesquisa eleitoral, realizada em setembro pela Reuters/Ipsos, deixa evidentes os assuntos prioritários para os eleitores na hora de decidir seu voto. A prioridade dos americanos é, justamente, o campo geral da economia: 26% dos respondentes se preocupam com os índices de desemprego e com a criação de vagas de trabalho. Neste campo, mais de dois terços dos entrevistados citaram ainda que procuram nos presidenciáveis planos sobre o custo de vida, enquanto uma pequena parcela do eleitorado, cerca de 10% dos respondentes, busca planos para ajudar financeiramente a população e medidas relacionadas à tributação.

Anúncio de campanha de Trump: “Kamala não tem um plano econômico” (Fonte: Canal de Trump no YouTube)

Desta forma, em sua nova corrida eleitoral, o ex-presidente Donald Trump repagina suas propostas do antigo mandato e coloca as chamadas Trumponomics como antítese das Bidenomics. Enquanto o mandato de Biden teria sido marcado pela alta da inflação e pela suposta taxação excessiva de indivíduos e empresas, a campanha de Trump apresenta o republicano como o candidato ideal para lidar com estes percalços, além de outras temáticas consideradas problemas nacionais para o candidato em seu Project 2025:  a imigração e o uso de energia renovável em solo nacional.

Em seu mote clássico “Make America Great Again” (MAGA), o candidato aposta em uma agenda econômica mais populista do que suas últimas candidaturas, mostrando-se como o defensor dos interesses do trabalhador industrial, das manufaturas do país e dos trabalhadores de rendas baixa e média. Trump promete vida próspera para o americano médio, com acesso a empregos qualificados, produtos nacionais e menor custo de vida, além de redução nos impostos e custos de energia mais baixos. Isto seria feito mediante  estratégia republicana clássica, que envolve cortes em impostos e aumento de tarifas. Uma análise mais profunda das propostas de campanha dos planos econômicos de Trump revela, no entanto, contradições entre o que o candidato se propõe a fazer e os meios pelos quais pretende cumprir suas promessas. A seguir, serão pontuadas e discutidas as principais propostas econômicas proferidas por Trump em sua campanha.

Propostas das Trumponomics 2.0

Ao longo de sua campanha, Trump refinou as propostas econômicas em seu discurso. Similar a uma lista de desejos, seu plano-base, o Project 2025, apresenta estratégias para acabar com planos ideológicos da “cultura woke” (termo utilizado comumente pela extrema direita para se referir a tudo que consideram exageradamente progressista), limitar o acesso ao aborto, reduzir fluxos imigratórios em direção aos EUA e retirar incentivos para produção de energia limpa. No decorrer de seus discursos e conferências, no entanto, o candidato adicionou, ainda, diversos pontos de propostas econômicas.

Um de seus principais pronunciamentos sobre as Trumponomics 2.0 deu-se no Economic Club of New York, realizado no começo de setembro. Na ocasião, ele propôs criar uma comissão para supervisionar os gastos federais, o que, segundo ele, economizaria “trilhões” de dólares. Além disso, enfatizou a proposta de tarifas de importação como solução para praticamente todos os problemas econômicos dos EUA, e a retirada de impostos enquanto chave para o florescimento da indústria. Outras propostas também foram proferidas em outras ocasiões, sempre seguindo a mesma lógica: imposição de tarifas externas e redução de impostos. Em sua fala, o candidato enfatizou as conquistas de seu mandato passado, que teria criado um milagre econômico no país por meio dessas políticas. “Em quatro anos, cortamos mais regulamentações do que qualquer presidente na história do nosso país, de longe. Tenho orgulho de ser o único presidente na história moderna a atingir uma redução regulatória líquida durante meu mandato”, proferiu o candidato durante o discurso no Clube.

Discurso de Trump, na íntegra, no Economic Club of New York (Fonte: canal de Donald Trump no YouTube)

Reafirmando-se como o Tariff Man — o homem das tarifas —, o candidato republicano parece seguir nas Trumponomics 2.0 muitas das políticas postas em prática durante seu governo (2017-2021). Entre as medidas, destacam-se a imposição contínua de tarifas comerciais contra a China, que levaram à chamada Guerra Comercial entre as duas potências. Na época, o neoprotecionismo foi trazido como solução para a rivalidade comercial e tecnológica com o país asiático e também com outros competidores, pois, neste cenário, as tarifas de importação dificultariam a entrada de produtos estrangeiros concorrentes, impulsionariam fábricas americanas e aumentariam, por consequência, os empregos nacionais.

Na prática, porém, as medidas não se revelaram tão vantajosas como prometidas. Como presidente, Donald Trump foi responsável pelo maior aumento nas tarifas dos EUA desde a Grande Depressão. As medidas atingiram países como a China, o Canadá, o México e a Índia, assim como membros da União Europeia, com impostos mais altos do que a média. A primeira rodada de impostos em seu mandato ultrapassou a marca dos US$ 400 bilhões em importações, taxando, principalmente, bens como aço, painéis solares, máquinas de lavar e diversos produtos chineses. A justificativa na época era a mesma de agora: impostos de importação poderiam impulsionar a manufatura americana, aumentar os empregos americanos em fábricas, reduzir a dependência dos EUA de produtos estrangeiros e aumentar a competitividade de empresas americanas no mercado internacional.

Essas medidas trouxeram retaliações como parte da Trade War, e diversos produtos estadunidenses passaram a ser taxados na União Europeia e na China, entre eles a soja, o uísque, o suco de laranja e as motocicletas americanas. Isto levou a um efeito contrário ao esperado: embora, em certas áreas, como na produção siderúrgica, tenha ocorrido um certo crescimento de manufaturas, os preços subiram e foram repassados ao produto final. Além disso, com as tarifas agrícolas impostas a commodities americanas, as exportações dos EUA despencaram, e o governo federal precisou interceder, compensando os agricultores pelas perdas.

Os resultados da guerra comercial do primeiro mandato não impediram o republicano, porém, de continuar firme em sua agenda e apresentar uma extensão muito mais radical das políticas introduzidas durante sua gestão. Uma análise atual das Maganomics”, ou Trumponomics 2.0, revela tarifas mais agressivas sobre importações de todo o mundo, especialmente da China, uma repressão ainda maior à imigração e a defesa de uma maior influência do Executivo sobre a política monetária e o dólar.

Principais propostas econômicas da campanha republicana:

  • Comissão governamental de eficiência como forma de reduzir os gastos do governo, que seria liderada pelo CEO da Tesla, o bilionário Elon Musk;
  • Prorrogação de diversas disposições da Lei de Cortes de Impostos e Empregos de 2017 (TCJA, na sigla em inglês) que estão programadas para expirar até o final de 2025;
  • Redução da taxa de imposto corporativo de 21% para 15%. A redução seria estendida apenas para empresas que fabricam seus produtos nos EUA e mantêm empregos e funcionários em território nacional;
  • Corte de impostos de renda na Previdência Social;
  • Aumento das tarifas em 10% para todos os produtos importados, ou em 60% sobre os produtos importados da China;
  • Tarifas para carros importados do México;
  • Tarifas para produtos de países que procurarem evitar o uso de dólar em transações internacionais, podendo atingir até 100% de limite tarifário.

Várias dessas medidas foram recebidas com ceticismo por economistas e analistas políticos, com críticas variando desde os impactos negativos que teriam sobre a população estadunidense e no manejo fiscal do governo até a própria relação dos Estados Unidos com o restante do mundo e sua posição dentro do multilateralismo global. De acordo com o jornalista do Financial Times Henry Farrell, a obsessão do país com sanções econômicas não deveria se estender também à instrumentalização de tarifas comerciais como formas de sanção. Com o poder da emissão de dólar e de promulgar restrições econômicas a adversários, é natural que países, inclusive aliados americanos, procurem outras alternativas à dependência do dólar. Mas, com a proposta de usar tarifas para também punir aliados, torna-se mais fácil que estes países procurem mercados em outros lugares, em vez de se submeterem a condições cada vez mais árduas de cooperação comercial com os Estados Unidos. Até economistas afinados com Trump falam da necessidade de cooperação multilateral para não isolar o país e corromper anos de construção de tratados. Citado em entrevista na matéria “Trumponomics” do FT (2024), Arthur Laffer, economista próximo ao ex-presidente, argumenta que é preciso que os EUA negociem especialmente com seus inimigos para manter o diálogo. Para ele, as ameaças crescentes de sanções e aumento de tarifas podem conter um perigoso caminho em direção à guerra.

Como as tarifas são basicamente impostos de consumo, a questão tarifária também afeta diretamente a população norte-americana. Um estudo feito em maio de 2024 pelo think tank liberal Peterson Institute for International Economics (PIEE) analisou os impactos fiscais da aplicação de tarifas de 10% para produtos gerais, e de 60%, para produtos chineses, como prometido na campanha de Trump. Segundo resultados da análise, famílias de classe média e em situações de renda inferior teriam mais impacto em seu custo de vida do que classes altas. Grupos com rendimentos mais baixos consomem grande parte de seus rendimentos, enquanto as famílias mais ricas podem se dar ao luxo de poupar mais. Outro cálculo foi atualizado por pesquisadores do PIEE em agosto, após diferentes pronunciamentos de Trump. Com base nas tarifas de importação gerais de até 20%, propostas pelo candidato, as autoras do relatório do PIIE Kimberly Clausing (foto abaixo) e Mary E. Lovely estimaram que os acréscimos tarifários custariam à família americana média mais de US$ 2,6 mil por ano.

Kimberly Clausing responds to questions from the audience.… | Flickr(Arquivo) Kimberly Clausing em evento na Brookings Institution, em Washington, D.C., em 1º fev. 2019 (Crédito: Brookings/ Flickr)

Considerando-se os custos totais envolvidos nestas propostas, o estudo do Instituto realizado em maio estimou que os custos das novas tarifas propostas por Trump serão quase cinco vezes maiores do que os causados ​​pelos choques tarifários de seu governo até o final de 2019, o que geraria custos adicionais, de cerca de US$ 500 bilhões por ano, para os consumidores. Na análise sobre a proposta do candidato de prorrogar as disposições da TJCA, na linha de continuar cortando impostos, o relatório estimou que essas extensões da lei custariam em torno de US$ 4 trilhões na próxima janela orçamentária, enquanto a receita advinda do aumento tarifário não conseguiria cobrir este valor. Estes cálculos foram feitos sem levar em conta as possíveis retaliações de outros países, então a conta poderia ser ainda maior.

A “guerra tarifária”, portanto, também preocupa economistas na questão da arrecadação fiscal, sobre como o Estado americano pretende pagar por suas políticas e ações econômicas. Em outro estudo exploratório do PIEE publicado em junho de 2024, os autores analisam se as tarifas podem substituir os impostos no quesito da arrecadação fiscal federal, visto que quase todas as propostas de Trump apostam nos valores arrecadados pelo aumento de tarifa como a garantia de receita federal, a ponto de dispensar inúmeros impostos. O estudo avaliou, novamente, a proposta de aumento de 10% de tarifas para produtos importados, a prorrogação da TJCA e o corte de impostos corporativos. Respondendo a pergunta sobre se tarifas podem substituir Impostos, o estudo coloca que “Simplificando, não. […] É literalmente impossível que as tarifas substituam totalmente os impostos de renda. As taxas de tarifas teriam de ser implausivelmente altas em uma base tão pequena de importações para substituir o imposto de renda e, conforme as taxas de imposto fossem aumentando, a própria base diminuiria, à medida que as importações caíssem, tornando a meta de US$ 2 trilhões de Trump inatingível”.

Outra análise que faz críticas à impossibilidade de cobrir o custo de corte de impostos por meio do aumento de tarifas é do grupo de estudos da Penn Wharton Budget Model, da Universidade da Pensilvânia. Em um estudo publicado em agosto de 2024, os autores estimaram quanto seria arrecadado com as possíveis novas regras tarifárias e deduziram disto quanto custaria ao Estado a redução de impostos corporativos para 15%, o corte de impostos sobre benefícios da Previdência Social e a prorrogação das disposições da TCJA. O resultado foi uma projeção de que a receita tributária caia em US$ 5,8 trilhões nos próximos dez anos, produzindo uma quantidade equivalente de déficits primários.

Mesmo com esta e inúmeras outras evidências econométricas e análises políticas sobre a impossibilidade econômica de alcançar as metas propostas, a campanha dos republicanos continua se ancorando nesta estratégia para fazer promessas aos eleitores. Os republicanos alegam que a extensão dos cortes de impostos de 2017 sobre renda e investimento da Lei TJCA, que deve expirar em 2025, ajudará a estimular o crescimento e, consequentemente, a lidar com a crescente dívida fiscal do governo dos EUA, no velho e sempre presente argumento ao estilo trickle-down economics. No recente debate entre vices candidatos, o senador J.D. Vance, vice de Trump, apelou aos eleitores para que acreditem na “economia do bom senso” de seu presidente, quando questionado pelo vice candidato democrata, Tim Walz, sobre o fato de muitos economistas e ganhadores do Nobel em economia já terem criticado duramente o plano econômico republicano.

Rita Coitinho (Arquivo pessoal)

Dessa forma, entende-se que a insistência de Trump nesta guerra comercial e tarifária — mesmo com todas as contrapartidas envolvidas — acena para um retorno a um Estados Unidos do século XIX, neoprotecionista e expansionista. Com a total falta de zelo em manejar acordos comerciais já estabelecidos com parceiros, e com uma atitude mais impositiva do uso do dólar nas trocas comerciais internacionais sob pena de sanções indiretas tarifárias, Trump se coloca como um líder pouco interessado no multilateralismo, ou na continuação da ordem das instituições internacionais postas.

É sempre bom lembrar que, apesar de o ex-presidente ser conhecido por sua contumaz propensão à proliferação de fake news e de desinformação, levar a sério seu ímpeto neomercantilista é bastante razoável. Em seu passado na Presidência, o expediente foi fortemente utilizado, e se revelou muito mais simpático colocar os custos de tributação sobre os estrangeiros do que sobre os residentes e eleitores. Há algo neste caminho que terá de ser equacionado: como impor custos a aliados sob estresse sem abalar de forma intensa a liderança hegemônica? A referência que se faz aqui diz respeito diretamente à Europa. Neste caso, segundo análise de Rita Coitinho (foto ao lado), Trump acena com uma forma de compensação que pode ter grandes consequências em termos de alívio econômico e de alteração geopolítica: o fim da guerra na Ucrânia. Resta ver até onde as promessas se mantêm, ante a aproximação iminente do dia das eleições.

 

* Fábia Muneron Busatto é mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sob orientação do  prof. Dr. Jaime Cesar Coelho (professor titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais – UFSC). É membro do grupo de pesquisa da UFSC no INCT-INEU e do Núcleo de Economia e Política Externa da UFSC (NEPEX). Contato: fabiamuneronb@gmail.com.

** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 10 out. 2024. Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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