Quem ganhou o debate da ABC? A repercussão nas mídias e nas intenções de votos
Fonte: ABC News
Por Lauro Henrique Gomes Accioly Filho* [Informe OPEU] [Eleições 2024]
As expectativas para o debate
A disputa presidencial nos Estados Unidos mudou com a substituição de Joe Biden por Kamala Harris, que vem superando Donald Trump nas pesquisas, impulsionada por um aumento significativo em sua popularidade. Esse crescimento marca uma melhora expressiva em relação a Biden, cuja imagem foi prejudicada, entre outros fatores, pelo mau desempenho no debate antecipado da CNN, em 27 de junho. Além disso, Harris também se destaca em comparação a Trump, cuja aprovação se manteve praticamente estável desde o início de 2024. A expectativa para o debate presidencial transmitido pela ABC em 10 de setembro era alta, especialmente em torno do desempenho de Harris. Um dos pontos mais comentados é que sua candidatura revigorou eleitores desiludidos, que estavam pouco entusiasmados com uma nova disputa entre Trump e Biden.
Na pesquisa da ABC News/Ipsos, realizada entre 23 e 27 de agosto, 56% dos adultos avaliaram o desempenho de Kamala Harris como excelente ou bom em sua campanha, enquanto 41% disseram o mesmo de Donald Trump. Além disso, 53% consideraram Harris qualificada para ser presidente, em comparação com 47% que atribuíram a mesma qualificação a Trump. Em relação ao debate, 43% dos entrevistados esperavam que Harris fosse vencer o debate do dia 10, em comparação com 37% que disseram torcer por Trump. Isso é inverso do último debate, no qual os eleitores esperavam que Biden tivesse um desempenho ruim (e pior do que Trump).
Debate Trump-Biden nas eleições 2024 (Crédito: print de vídeo do site da Al Jazeera)
A mesma pesquisa aprofundou também um elemento essencial e bastante esperado para o debate presidencial, que são os atributos pessoais que levam os eleitores a ficarem de olho em como os dois candidatos agem no palco, sobre quem parece “mais presidencial”. Nesse quesito, Harris supera Trump. Os entrevistados apresentavam-se particularmente propensos a vê-la como mais honesta (43%) e confiável do que Trump (25%), e ela saiu na frente quando os entrevistados foram questionados sobre qual candidato representa seus valores pessoais e entende os problemas de pessoas como eles.
Além disso, a vice-presidente Kamala Harris gera altas expectativas em relação a sua forma de lidar com Trump, sendo avaliada por alguns jornais como uma adversária ágil e capaz de “transformar tentativas dos oponentes de pintá-la como fraca em oportunidades de mostrar força”. Um dos fatores que demonstram essa expectativa foi a forma como Harris lidou com Mike Pence, o ex-vice-presidente, companheiro de chapa de Trump, no debate de outubro de 2020, no qual foi contundente, ao encará-lo e dizer severamente: “Sr. vice-presidente, estou falando”, quando ele a interrompeu, tornando-se viral nas redes sociais.
The winner takes it all: principais recortes do debate
A candidata pelos democratas mencionou críticas precisas a seu adversário republicano sem ser exaustiva — suas respostas estiveram acompanhadas, em alguns momentos, de comentários projetados para Trump, mencionando que líderes mundiais riam dele, e líderes militares chamaram-no de “vergonha”. Ela também chamou Trump de “fraco” e “errado”. Afirmou, ainda, que Trump foi demitido por 81 milhões de eleitores — o número que votou no presidente Joe Biden em 2020 e uma sutil e irônica referência ao reality show apresentado pelo empresário nova-iorquino.
Enquanto isso, Trump manteve o mesmo discurso e comportamento previsíveis, o que levou Kamala Harris a comentar que a população estaria cansada do “disco arranhado”, em referência às suas falsas alegações. Mesmo assim, ele insistiu, alto e repetidamente, em que uma série de falsidades eram verdadeiras. O ex-presidente repetiu mentiras sobre fraude generalizada na eleição de 2020, reforçou uma teoria da conspiração sobre imigrantes comendo animais de estimação e mentiu sobre os democratas apoiarem abortos após o nascimento dos bebês — o que é assassinato e ilegal em todos os lugares.
Kamala, por sua vez, foi fidedigna a sua narrativa de se mostrar uma candidata da mudança, focada no futuro em vez do passado. Embora não tenha abordado com mais afinco, ela mencionou sua proposta de Economia de Oportunidade, um plano econômico especialmente voltado para a classe média, citando várias propostas para créditos tributários e assistência para novos proprietários de imóveis.
Kamala se destaca no debate, mas enfrenta desafios para converter eleitores, avalia imprensa
A previsão da revista britânica The Economist era de um empate. Embora considerassem que Kamala Harris não teria força para converter os apoiadores de Trump, sua atuação mostrou que ela estava à altura do trabalho, sem dar brechas para críticas, especialmente entre os poucos eleitores independentes. Além disso, sua entrada no debate projetou confiança ao surpreender Trump, caminhando até ele e se apresentando com um aperto de mão, dizendo: “Kamala Harris, vamos ter um bom debate”. Assim, ela evitou reforçar a imagem, promovida pelos apoiadores de Trump, de que as lideranças democratas são soberbas.
A CBS News destacou que alguns analistas, incluindo membros do Partido Republicano, atribuíram a vitória a Kamala Harris. O fator que a favoreceu nesse julgamento foi sua habilidade em retratar Trump como alguém repetitivo e preso à defesa de seu histórico, enquanto ela se posicionou como representante de uma nova geração, disposta a abrir um novo capítulo. No entanto, uma das principais ressalvas que dificultaram a consolidação de sua vitória foram suas respostas em relação aos temas de política externa.
No jornal francês Le Monde, a vitória foi atribuída a Kamala, considerada vencedora pelo ataque direto a Trump, especialmente após a vice-presidente se demonstrar confiante e desafiar Trump para outro debate. Seguindo os mesmos pontos destacados pela CBS News, o que determinou a vitória de Kamala no debate foi sua capacidade de conseguir impor a ideia de que sua proposta é de “virar a página” dos excessos da era Trump.
Para analistas da CBS News, Kamala venceu o debate (Fonte: print de vídeo no site da CBS News)
Sem fugir do seu modelo Trump de ser, o republicano reivindicou publicamente a vitória no debate, embora alguns de seus assessores tenham admitido, de forma reservada, que era improvável que o ex-presidente persuadisse qualquer eleitor indeciso a votar nele. Sem se cansar de sua retórica, no comício em Wilmington, Carolina do Norte, em 21 de agosto, Trump voltou a reivindicar a vitória do debate com Kamala e rejeitou a proposta de um segundo embate com a candidata. Segundo ele, “a votação já começou” e Harris estaria em busca de outra rodada de disputa “porque ela está perdendo feio”.
Já a CNN apresentou um olhar diferente. Recordou que Trump, em 2016, e George W. Bush, em 2004, foram julgados como tendo perdido debates, mas acabaram ganhando a Casa Branca, projetando que uma vitória no debate não traduz certeza de conquista de eleitorado. A emissora destacou, contudo, que Kamala Harris aumentou suas chances entre os eleitores moderados. Ela se dirigiu diretamente aos espectadores, prometendo aliviar os fardos dos trabalhadores americanos que enfrentam altos custos de alimentos e moradia. Embora declarada vencedora, várias ressalvas foram feitas quanto à falta de respostas mais assertivas por parte da candidata.
A BBC também confirmou que Kamala se deu melhor no debate, deixando claro que, em vários momentos ao longo da noite, Harris colocou Trump na defensiva com provocações e farpas que ele poderia ter ignorado, mas acabou mordendo a “isca”. No entanto, em uma série de entrevistas com eleitores indecisos conduzida pela emissora, embora muitos tenham expressado impressão favorável sobre a atuação de Kamala, ressaltou-se que ainda é incerto se o debate fortaleceu a democrata o suficiente para converter esses eleitores em votos a seu favor.
Repercussão nas redes sociais
Enquanto alguns sintonizavam para assistir ao debate entre o republicano Donald Trump e a candidata democrata Kamala Harris em suas telas de televisão, houve uma batalha secundária nas telas menores das mídias sociais. Com o plano de Harris de incitar Trump a dizer coisas que pudessem se tornar clipes virais nas redes sociais, o debate mostrou que a estratégia foi proveitosa. Ao mesmo tempo, a campanha de Trump e os apoiadores on-line rapidamente declararam vitória após o fim do debate. Além disso, a repetição de Trump de uma falsa alegação de que migrantes haitianos em Springfield, Ohio, estavam comendo cães e gatos de estimação provavelmente inspirou a maior parte das reações e virou tendência na plataforma de mídia social X, impulsionada por milhares de postagens de vídeos e memes.
Buscando um apoio presunçoso e forçado, Trump se apoia de um deepfake escrachado, indicando que a artista Taylor Swift estava apoiando sua campanha. Minutos após o debate presidencial, uma declaração da própria Taylor desmentiu a informação. Em tom de ironia, a artista assina sua publicação nas redes sociais em apoio a Kamala com uma foto (ao lado) segurando seu gato, mencionando que ela, enquanto uma “Louca dos Gatos”, apoiará a vice-presidente.
Esse não foi o único detalhe da publicação da artista apoiando Kamala Harris: ela fez questão de destacar o cuidado com a desinformação gerada por Inteligência Artificial, especialmente após o deepfake que falsamente mostrava a cantora endossando Donald Trump. Esse episódio é um bom exemplo de que a desinformação gerada a partir de Inteligência Artificial se mantém em voga nas previsões de seus impactos nos períodos eleitorais de 2024.
Embora curtidas dificilmente sejam uma métrica confiável para avaliar se uma celebridade pode mudar a opinião dos eleitores, é possível analisar o impacto dos endossos de celebridades no registro de votantes. Quando Taylor Swift postou seu apoio a Harris no Instagram, ela compartilhou um link para vote.gov, direcionando, em poucas horas, mais de 300 mil visitantes para o site federal de registro de eleitores. Outra vantagem é a contribuição financeira, ao incentivar doações, falando a linguagem dos fãs com produtos. Após o apoio de Taylor Swift, a campanha rapidamente começou a vender pulseiras da amizade Harris-Walz de US$ 20 em sua página institucional, uma referência a um acessório de marca registrada usado nos shows da estrela. Elas esgotaram em poucas horas.
Repercussão nas intenções de voto
O debate da ABC foi uma grande chance para Harris provar sua coragem no palco com Trump. Com os dois se enfrentando pela primeira e, provavelmente, última vez, ela superou as expectativas, com uma boa quantidade de pessoas chamando-a de candidata mais forte no palco. Em uma pesquisa do jornal The New York Times/Siena College, dois em cada três prováveis eleitores, 67%, disseram que ela se saiu bem no debate. A importância desse debate histórico ficou mais evidente pela audiência que chegou a cerca de 67 milhões de estadunidenses acompanhando a transmissão.
De acordo com a pesquisa da Morning Consult, publicada em 22 de setembro, a vice-presidente Kamala Harris ampliou sua vantagem após o debate presidencial. Na pesquisa, para a qual foram entrevistados 11.022 prováveis eleitores dos EUA, no período de 13 a 15 de setembro, Harris aparece à frente de Trump por cinco pontos percentuais entre os prováveis eleitores, com 50% contra 45%. Além disso, Harris lidera em relação a Trump dentro da margem de erro amostral no Arizona, na Pensilvânia, na Carolina do Norte, em Nevada, Wisconsin e Minnesota, enquanto supera Trump fora da margem de erro em Michigan, Maryland, Colorado e Virgínia.
Segundo o jornal The Washington Post, as pesquisas pós-debate até 24 de setembro indicam uma leve melhora para a vice-presidente Kamala Harris em relação ao debate de 10 de setembro contra o ex-presidente Donald Trump. Embora Harris mantenha uma vantagem de dois pontos percentuais em nível nacional, sua liderança aumentou ligeiramente. Ela agora lidera em quatro dos sete estados decisivos, incluindo uma recente vantagem em Nevada e um crescimento de dois para três pontos na Pensilvânia. Trump permanece à frente na Geórgia e no Arizona, enquanto a Carolina do Norte está empatada.
‘Harris coloca Trump na defensiva’, diz manchete do Post, após debate (Fonte: Poder360)
Uma nova pesquisa da CNN conduzida pela SSRS indica, no entanto, que 48% apoiam Harris, e 47%, Trump, uma estreita margem que sugere que não há um líder claro na corrida. A sondagem também mostra Harris e Trump com uma diferença notória entre eleitores independentes — 45% para Harris e 41% para Trump — com uma divisão de gênero concentrada nesse grupo. Mulheres independentes apoiam Harris, com 51% contra 36% para Trump, enquanto homens independentes preferem Trump, com 47% contra 40% para Harris. Há pouca diferença de gênero dentro de cada partido. A divisão de gênero é mais evidente entre eleitores brancos: homens brancos apoiam Trump, com 58% contra 35% para Harris, enquanto as mulheres brancas estão mais equilibradas, com 50% para Trump e 47% para Harris. Entre eleitores negros e latinos, essa divisão é mínima. Harris lidera amplamente entre eleitores com menos de 30 anos (55% a 38% para Trump), eleitores negros (79% a 16%) e latinos (59% a 40%).
Apesar de ser uma disputa que continua extremamente acirrada, Kamala lidera nos principais estados do Colégio Eleitoral de Michigan, Wisconsin e Pensilvânia por um a dois pontos nas médias de pesquisas recentes. E, se ela ganhar todos os três, isso seria o suficiente para lhe dar a Presidência. Mesmo assim, ressalvas devem ser feitas, uma vez que a vantagem de um ou dois pontos nas médias de pesquisas não é uma vantagem segura e confiável. Um erro de pesquisa subestimando Trump nesses estados — do tipo que ocorreu em 2016 ou 2020 — pode levar Harris à derrota.
Embora algumas pesquisas do New York Times/Siena College mostrem uma disputa acirrada em nível nacional, com Trump liderando na Carolina do Norte (três pontos), Geórgia (quatro pontos) e Arizona (cinco pontos), os mesmos levantamentos sugerem um cenário em que o viés do Colégio Eleitoral não favorece Trump e pode até beneficiar Harris. O NYT não pesquisou Wisconsin ou Michigan este mês, mas, nas sondagens do mês anterior, Harris liderava nesses estados — e na Pensilvânia — com quatro pontos de vantagem.
Notas das repercussões: o que aguardar da disputa?
Após o debate, Harris viu uma leve melhora nas pesquisas, liderando em quatro dos sete estados decisivos, como Nevada e Pensilvânia. Trump, por sua vez, ainda mantém uma vantagem na Geórgia e no Arizona, com a Carolina do Norte permanecendo empatada. No entanto, o equilíbrio da disputa ainda gera incertezas, já que as margens de Harris nos estados críticos são estreitas. Isso pode se tornar um fator preocupante, caso as pesquisas subestimem o apoio a Trump, como aconteceu em eleições anteriores.
Embora Harris tenha mostrado força no debate e tenha superado expectativas, seu maior desafio continua sendo converter eleitores indecisos. A disputa segue acirrada, com ambos os candidatos em uma corrida apertada nos principais estados do Colégio Eleitoral. Assim, a vitória ainda está em aberto, e qualquer erro nas pesquisas pode ser decisivo no resultado final.
* Lauro Henrique Gomes Accioly Filho é pesquisador colaborador do OPEU e mestrando do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Contato: lauroaccioly.br@gmail.com.
** Primeira revisão: Simone Gondim. Contato: simone.gondim.jornalista@gmail.com. Segunda revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 27 set. 2024. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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