Eleições

O comício de Trump: entre tiros, retórica e a força da imagem

Print da transmissão ao vivo C-SPAN do comício em que Trump sofreu o ataque (Fonte: The Communist) 

Por Alice Ikeda e Carolina Weber* [Informe OPEU]

Causa e efeito: comício Trump

I’m not supposed to be here. I’m supposed to be dead” (Eu não deveria estar aqui, eu deveria estar morto) — disse Donald Trump aos repórteres enquanto estava a caminho de outro comício de campanha. No dia 13 de julho, um sábado, na Pensilvânia, em meio ao seu comício ao ar livre, tiros ecoaram pela multidão. Em reflexo, Trump se abaixou. Em seguida, sua mão vai à orelha atingida de raspão por um dos projéteis.

Um de seus agentes de segurança informa que o alvo teria sido neutralizado. Logo incitam, como de praxe, que o ex-presidente siga o mais rápido para fora dali. Apesar da insistência, Trump se levanta de maneira resoluta, sua mão de punho fechado, sinalizando resistência e que estava vivo, um gesto simbólico contra a violência política.

Imagem do atentado contra Trump (Foto: Reprodução/TV Globo)

O incidente percorre as redes em segundos, manchetes surgem nos Estados Unidos, e o mundo logo atrás. O atirador foi identificado, porém suas motivações permanecem desconhecidas. Curiosamente, ele era filiado ao Partido Republicano, o mesmo partido de Trump, embora também tenha doado 15 dólares para a ActBlue, uma organização de arrecadação de fundos democrata, adicionando mais uma camada de complexidade para entender o ocorrido.

Tentativas de assassinato de presidentes estadunidenses não são algo novo. Presidentes como Ronald Reagan e Theodore Roosevelt também sofreram atentados, reafirmando o país como um ponto focal para a violência eleitoral. Visto isso, erros como os observados no comício de Trump não deveriam ser normalizados. A alta frequência desse tipo de ataque exigiria um tratamento ainda mais rigoroso e reforçado da segurança presidencial, algo que claramente não foi observado nesse caso.

O que deu errado?

Primeiramente, a segurança do local revelou-se inadequada. A escolha de um evento ao ar livre, sem as devidas medidas de segurança, facilitou a ação do atirador. Por exemplo, o prédio utilizado pelo atirador estava fora do perímetro rígido estabelecido pelo Serviço Secreto dos Estados Unidos, dentro do qual todas as pessoas são examinadas. No entanto, o prédio ficava a menos de 150 metros do palco, 500 feet, ou seja, com linha de visão clara e dentro do alcance do tiro, uma posição vantajosa para o atirador.

O atirador foi avistado por agentes de segurança local que já haviam levantado suspeita para o Serviço Secreto, entretanto não foi localizado novamente até civis alertarem de sua presença no telhado. Outro ponto crítico é que os snipers da Unidade de Serviços de Emergência do Condado de Butler estavam posicionados um andar abaixo do atirador, o que resultou em uma resposta completamente atrasada. Eles estavam focados na multidão e claramente não conseguiam visualizar o atirador, tendo de subir vários lances de escada para neutralizá-lo.

Por fim, a responsabilidade pela segurança do prédio, além do perímetro rígido estabelecido pelo Serviço Secreto, também cabia à polícia local. A falta de clareza e de coordenação entre as forças de segurança exacerbou a situação crítica. Essas falhas não apenas comprometem a segurança de Trump, mas também abalaram a confiança do público na capacidade do Serviço Secreto de garantir sua proteção. Isso gerou mais desconfiança e acusações do eleitorado trumpista de que a falha foi proposital, exacerbando a sensação de vulnerabilidade e descrença de parte da população em relação ao governo atual.

Consequências: teoria da foto

A imagem captura uma figura central em posição elevada, rodeada por agentes do Serviço Secreto. A composição triangular destaca Donald Trump no ponto mais alto, com o punho cerrado erguido e uma bandeira dos Estados Unidos elevada aos céus. Trump, aos gritos de “Lutem! Lutem! Lutem!”, simboliza uma resistência à violência, representada pelos disparos dirigidos a ele.

Esta foto, longe de ser apenas ilustrativa, carrega uma profunda carga histórica e simbólica. A composição segue a regra dos três terços, uma técnica fotográfica usada para posicionar os elementos principais em pontos de interseção imaginários, criando uma imagem visualmente equilibrada e impactante. O fotógrafo Evan Vucci, da agência de notícias Associated Press, aplica essa técnica com maestria, dividindo a cena de forma que cada elemento essencial se alinha perfeitamente com essa regra, potencializando o impacto da imagem. A fotografia forma um triângulo, uma figura geométrica que cria uma hierarquia visual, destacando o mais importante no topo.

O uso do triângulo na arte tem sido uma ferramenta poderosa para glorificar personagens ao longo da história. Um exemplo icônico é a obra “Liberdade guiando o povo”, de Eugène Delacroix, que retrata a Revolução Francesa de 1830 e a queda do rei Charles X. No quadro, Marianne, símbolo da França, lidera o povo entre as barricadas, com a bandeira francesa ao alto, em um triângulo que exalta a liberdade. Essa pintura, atualmente no Museu do Louvre, segue a mesma regra triangular, tornando-se um dos quadros mais reconhecidos e significativos da história.

A Liberdade guiando o povo – Wikipédia, a enciclopédia livre“La Liberté guidant le peuple”, de Eugène Delacroix – Musée du Louvre Peintures (Fonte: Wikipedia)

A escolha de composições triangulares em retratos, como na foto de Trump ou em obras históricas, não é meramente estética. Ela estabelece uma narrativa visual poderosa, organizando a imagem de modo a destacar o protagonista e a fortalecer seu impacto simbólico.

A fotografia de Vucci evoca uma forte ressonância com imagens simbólicas da história dos Estados Unidos. Um exemplo é a icônica “Raising of the Flag on Iwo Jima”, de Joe Rosenthal, tirada em 1945 durante a Guerra no Pacífico. Na imagem de Rosenthal, quatro fuzileiros navais se reúnem para erguer a bandeira dos Estados Unidos. Seus corpos formam uma pirâmide no centro inferior do quadro. A composição foi eternizada na fotografia e no monumento de guerra em homenagem aos fuzileiros navais na Virgínia.

Há uma coincidência visual marcante entre a fotografia de Rosenthal e a de Vucci. Ambas utilizam a observação fotográfica não apenas para capturar um momento, mas para construir uma narrativa visual que transcende o evento em si. No caso de Trump, a imagem cria a ilusão de capturar o momento de sua resposta rápida à tentativa de assassinato, com o punho erguido em um gesto de resistência. Contudo, o que é realmente mostrado é o desdobramento imediato, revelando sua habilidade de utilizar a mídia para construir uma narrativa poderosa.

No contexto atual, no qual a busca pela verdade é incessante, a fotografia assume um papel fundamental na formação de percepções e memórias. Embora seja cedo para determinar o impacto definitivo dessa imagem, ela pode muito bem contribuir para o mito em torno de Donald Trump e sua possível reeleição, solidificando sua figura por meio de uma representação visual que ficará marcada na história.

Resultados pós-comício

O comício de Donald Trump, marcado pela tentativa de assassinato, gerou uma série de consequências significativas. O primeiro efeito notável foi a renúncia de Kimberly Cheatle, diretora do Serviço Secreto, após críticas sobre falhas de segurança relacionadas ao ataque. O evento também motivou pronunciamentos de ex-presidentes, candidatos à Presidência em 2024 e outros políticos. O presidente Joe Biden se pronunciou publicamente, oferecendo apoio a Trump e condenando a violência: “Não há lugar nos EUA para esse tipo de violência. Isso é algo doente, doente. Não podemos permitir que isso aconteça, não podemos ser assim, não podemos tolerar isso”.

Além desses pronunciamentos e apoios, o ataque teve um impacto mais profundo na dinâmica política. Trump, já visto por muitos como uma figura perseguida devido à derrota eleitoral de 2020 e aos processos judiciais que enfrenta, teve essa narrativa reforçada pela tentativa de assassinato. O incidente não apenas consolidou sua imagem de “herói vitimizado” entre a extrema direita, mas também resultou em uma guinada significativa nas pesquisas de opinião, colocando-o à frente de Biden em vários estados decisivos. Isso ofereceu novo impulso aos movimentos de extrema direita, tanto nos Estados Unidos quanto globalmente, alimentando sua retórica de resistência contra o sistema e intensificando a mobilização em torno de sua candidatura.

Raising the Flag on Iwo Jima - Wikipedia“Raising the Flag on Iwo Jima”, de Joe Rosenthal (Fonte: Wikimedia/Domínio Público)

Dois meses após o primeiro atentado, Trump sofreu um segundo ataque, que aprofundou ainda mais a polarização e as tensões políticas. Esse novo atentado, ocorrido em um comício em um estado-chave para as eleições, intensificou o clima de violência e retórica agressiva que cercava a campanha. O ataque não apenas reforçou a imagem de Trump como um alvo da violência política, mas também exacerbou as divisões entre seus apoiadores e opositores. Enquanto seus apoiadores viam os atentados como evidência de uma perseguição política, seus críticos alertavam para o aumento da violência política e a deterioração da democracia.

Esse segundo ataque teve implicações significativas para a campanha eleitoral, alimentando ainda mais o discurso violento da extrema direita. O clima de insegurança e polarização continua a moldar o cenário político, com Trump se beneficiando da atenção e da retórica em torno de sua figura e das circunstâncias que o cercavam.

 

* Alice Mendonça Ikeda é graduanda de Relações Internacionais da Universidade Anhembi Morumbi. Contato: alice.ikeda@prefeitura.sp.gov.br.

Carolina Weber é bolsista de Iniciação Científica do INCT-INEU/OPEU (PIBIC-CNPq), graduanda em Defesa e Gestão Estratégica Internacional do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID/UFRJ). No OPEU, cobre a área de meio ambiente e energia dos EUA e faz parte da equipe do Instagram. Contato: carolinaweberds@gmail.com.

 

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** Primeira revisão: Simone Gondim. Contato: simone.gondim.jornalista@gmail.com. Segunda revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 20 set. 2024. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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