Eleições

Percepções acerca do debate entre os presidenciáveis Kamala Harris e Donald Trump

Fonte: NABL

Por Gabriel Moura* [Informe OPEU]

Para além de uma disputa bipartidária de poder entre republicanos e democratas, as eleições presidenciais norte-americanas são também caracterizadas pelos altos investimentos financeiros de empresas, ou de pessoas físicas, na campanha de seu candidato de preferência. O pleito movimenta bilhões de dólares por meio de publicidade e comícios realizados em todo o território nacional. Dessa forma, o debate entre presidenciáveis visa não apenas a explanar propostas políticas para um futuro mandato, mas também a atender aos interesses, por vezes velados, daqueles que financiam suas campanhas.

No último dia 10, ocorreu o primeiro (e até o momento único) debate entre a democrata Kamala Harris e o republicano Donald Trump. O evento era aguardado por muitos, pois o desfecho desse embate impactará profundamente a geopolítica global nos próximos anos. As expectativas sobre o debate eram diversas.

Para aqueles que apoiam Harris, a candidata apresenta-se como uma alternativa moderada para governar o país, pois teria a capacidade de dialogar com a pluralidade da sociedade estadunidense, atentando para suas demandas sociais e econômicas, assim como com outros chefes de Estado, para lidar com os desafios globais do século XXI. Soma-se a seu favor a possibilidade de se tornar a primeira presidente mulher dos Estados Unidos da América. No caso de Trump, enquanto os democratas veem-no como uma figura truculenta e incapaz de dialogar com as diferenças, seja em âmbito doméstico, seja no externo, seus apoiadores percebem-no como alguém forte e potente para reconduzir o país ao seu status de grandeza vivido outrora.

Em um debate público, esperava-se dos presidenciáveis que eles conseguissem estabelecer um discurso político que fortalecesse a conexão com suas bases eleitorais e que transcendessem seus nichos e pudessem dialogar com eleitores indecisos ou com aqueles que estão pouco dispostos a votar, especialmente em swing states. Foi menos do que isso.

Análise do debate

O debate entre Harris e Trump apresentou poucas propostas efetivas de governo por parte de ambos os lados. Os presidenciáveis utilizaram seu tempo de plataforma para enaltecer suas ações prévias enquanto presidente, no caso de Trump, e vice-presidente, no caso de Harris, e para promoção de ataques com objetivo de desestabilizar o oponente. Foram realizados questionamentos em temas como Economia, relações com a China, imigração, aborto, passagem pacífica de poder, conflitos internacionais e políticas públicas para a sociedade.

Assista ao debate na íntegra (Crédito: ABC News/YouTube)

Em relação ao tema Economia, Harris iniciou sua fala com a tentativa de gerar identificação com a classe trabalhadora e disse ter ciência dos altos custos de vida no país atualmente. A candidata disse ter propostas concretas para auxiliar pequenos empreendedores, como a dedução de até US$ 50 mil em impostos para pequenos negócios, e auxílios sociais para famílias com crianças em idade escolar. A candidata também apelou à memória coletiva, ao questionar seus interlocutores acerca da situação econômica e social do país durante o governo de Donald Trump, tomando-o como um egocêntrico que não tem propostas efetivas para a população.

Trump, por sua vez, rebateu as falas de Harris justificando que os problemas sociais e econômicos durante seu mandato foram decorrentes de fatores como a pandemia da covid-19, o alto volume de imigrantes chegando ao país e a ascensão chinesa no cenário internacional. Alegou que a China compete comercialmente de forma desleal com os Estados Unidos, e isso tem gerado inflação e desemprego no país. Finalizou dizendo que as propostas apresentadas por Kamala pertenciam ao ex-candidato Joe Biden. Nesse tema, observa-se ambos dialogando com sua base eleitoral, porém a candidata Harris partiu na frente ao apresentar, mesmo que de forma superficial, algumas propostas de campanha.

No campo social, foram debatidos temas como a presença de imigrantes no país, aborto e políticas públicas de saúde. A candidata Harris defendeu o direito das mulheres de decidirem sobre seu próprio corpo em circunstâncias de aborto, informando que houve desregulamentação sobre o tema durante o mandato de Trump e que isso havia prejudicado a prestação de assistência básica de saúde nesses casos. Ela ainda manteve seu discurso em prol da defesa da população mais vulnerável e trouxe como pauta para sua agenda repensar políticas públicas de saúde para a ampliação do acesso de toda a população ao sistema, porém sem apresentar propostas concretas para tal.

Trump apresentou discurso ideológico e acusou a democrata, falsamente, de ter propostas que permitiriam o aborto mesmo na fase final da gestação, o que foi logo desmentido pela moderadora do debate, e disse que considerava isso como “execução de bebês”. Em relação à presença de imigrantes no país, alegou que eles viveriam em condições de miséria e que isso os levava a raptar animais domésticos para consumo alimentar na cidade de Springfield. A declaração também foi prontamente desmentida pelos moderadores do debate, deixando-o desconcertado, porém ainda sustentando sua fala.

Sobre saúde pública, Trump criticou o Obamacare e a proposta de Harris, dizendo ter soluções mais baratas para ampliar o acesso da população ao sistema de saúde sem, de fato, apresentar propostas para a concretização disso. Já Harris manteve discurso que foi ao encontro dos interesses da ala progressista do país e conseguiu constranger algumas falas de seu adversário por meio de expressões faciais que demonstravam certo deboche sobre o que era falado por ele.

Six images of Kamala Harris with distinctly different facial expressions.No debate, Kamala Harris usou expressões faciais para desconcertar Trump (Crédito: The ABC News Presidential Debate)

Em termos de política externa, Harris defendeu que os Estados Unidos precisam reassumir sua posição de liderança no mundo, o que também foi defendido por Donald Trump, e vencer os desafios impostos durante o século XXI por meio do fortalecimento de alianças com outros países e investimentos em tecnologia de base. A candidata comparou seu adversário com ditadores e disse que ele é alienado da realidade. Foi evasiva quando questionada sobre os conflitos internacionais contemporâneos, como a guerra na Ucrânia e a situação entre Israel e Palestina. Harris também se mostrou desconfortável ao ser indagada sobre a responsabilidade dos Estados Unidos durante a retirada de tropas do Afeganistão.

Trump discursou novamente de forma ideológica e disse ser admirado por líderes internacionais como o primeiro-ministro húngaro, o ultraconservador Viktor Orban. Ele defendeu que a guerra entre Rússia e Ucrânia jamais teria eclodido, caso ele fosse presidente, pois sua capacidade de negociação levaria os presidentes Vladimir Putin e Volodymir Zelensky ao diálogo e, consequentemente, a um entendimento comum. Nesse tema, ambos os candidatos demonstraram insegurança durante suas falas, optando por utilizar sua plataforma para atacar seu adversário moralmente.

Por fim, os candidatos foram questionados sobre a passagem pacífica de poder e sobre suas perspectivas gerais para um futuro mandato. Kamala Harris aproveitou seu espaço para falar dos atentados antidemocráticos ao Capitólio, lembrando da responsabilidade de Trump ao não se pronunciar prontamente para impedir os ataques e considerou tal atitude como criminosa.

Em sua defesa, o republicano respondeu que o ato foi democrático e patriótico e disse que uma ativista trumpista foi baleada durante a manifestação sem que houvesse ampla repercussão por parte da mídia. Encerrou sua fala, insistindo em que ele é a melhor opção para o país, recitando seu lema “Make America Great Again”.

Pós-debate: quais eram os objetivos dos candidatos?

No debate entre Kamala Harris e Donald Trump, foi possível observar que a disputa entre eles se assemelhou a uma disputa de mercado, na qual cada um já tem seus “consumidores” fidelizados, mas almeja ampliar seu nicho e dialogar com pessoas, que talvez não simpatizem com nenhum dos lados, para vencer o pleito eleitoral e, obviamente, aumentar o patrocínio para sua campanha.

 

* Gabriel Moura é bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Anhembi Morumbi. Contato: mouragbl@gmail.com.

** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 7 set. 2024. Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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