O apelo de Donald J. Trump
(Arquivo) Donald Trump discursa para apoiadores em comício de campanha no Centro de Convenções Phoenix, em Phoenix, Arizona, em 29 out. 2016 (Crédito: Gage Skidmore/Flickr)
Parte I da Série “Atitudes, preocupações e preferências políticas dos eleitores de Trump”
Por Wayne A. Selcher, PhD* [Informe OPEU] [Tradução]**
Em meados de 2024, Donald Trump havia firmado solidamente seu comando personalista do Partido Republicano, tanto no nível da liderança quanto dos eleitores. Ele obteve vitórias esmagadoras nas eleições primárias presidenciais republicanas do início de 2024, demonstrando, assim, de forma dramática, seu grande apoio na base eleitoral do partido. Seus dois únicos rivais de peso – o governador Ron DeSantis, da Flórida, e a ex-governadora da Carolina do Sul Nikki Haley – apoiaram-no depois de encerrarem suas próprias campanhas. Nenhuma autoridade republicana está nem perto de igualar o grau de popularidade de Trump entre os eleitores republicanos. A liderança republicana nacional anterior, mais moderada, foi afastada ou varrida, e muitos funcionários pró-Trump foram instalados nos níveis estadual e local nos últimos anos, por eleições ou nomeações.
Como explicou o ex-presidente republicano da Câmara dos Representantes dos EUA Newt Gingrich, antes do início da época das eleições primárias republicanas de 2024: “Continuo tentando dizer às pessoas que ele não é um candidato. Não se pode pensar nele como um candidato. Ele é o líder de um movimento de massas”. Esse movimento se identifica emocional e pessoalmente com Trump e compartilha todas as suas reviravoltas. Os conservadores Never Trump (“Trump Nunca”) foram totalmente marginalizados. O Comitê Nacional Republicano é agora totalmente controlado por (pessoas) leais a Trump e por Lara Trump, sua nora, que é copresidente. Sua reunião de 13 de junho de 2024 com membros republicanos do Congresso, durante sua primeira visita à Casa desde que deixou a Presidência em janeiro de 2021, marcou com sucesso o claro fim de qualquer oposição efetiva dentro do Partido.
Newt Gingrich sobre Trump: “líder de um movimento de massas” (Crédito: Gage Skidmore/Flickr)
Para a maioria dos seus seguidores, Trump se tornou um símbolo da luta contra o Deep State (“Estado profundo”, a burocracia federal permanente), o demasiado poderoso e intrusivo governo federal, a decadência social e a corrupção generalizada. Mesmo depois de ter cumprido um mandato como presidente, ele ainda é visto por eles como um “outsider” político combativo, um perturbador, um não-político e um defensor dos valores tradicionais contra o establishment essencialmente liberal de Washington, D.C., um contraste gritante e bem-vindo com o habitual político comprometido e confortável com o status quo. Suas falhas pessoais, problemas de caráter, aptidão mental e problemas legais são considerados totalmente irrelevantes pelos que acreditam nele, seus crentes, no esforço crucial para “limpar a confusão em Washington” e colocar a nação em um caminho “correto”, em casa e no exterior.
Assim como Trump, seus seguidores rejeitam seus problemas legais como sendo “apenas os Democratas” e uma injusta “interferência eleitoral” por meio da “instrumentalização” dos processos de investigação e judiciais em uma falsa “caça às bruxas” por parte de um establishment liberal entrincheirado que “odeia Trump”. Como consequência, os eleitores “true believer” (“verdadeiramente crentes”, em tradução literal) de Trump estão mais entusiasmados com seu candidato presidencial do que a grande maioria dos eleitores de Biden com o seu. Grande parte do diálogo político americano gira agora intensamente em torno da figura de Donald Trump, a favor e contra, criando um elevado nível de atenção pública de que ele parece gostar imensamente.
Insatisfação generalizada
No eleitorado mais amplo, porém, uma grande pesquisa de abril de 2024 do Pew Research destacou que a maioria dos eleitores estava insatisfeita com o retorno da escolha Trump-Biden em 2024: “Refletindo sua insatisfação com o confronto Biden-Trump, quase metade dos eleitores registrados (49%) dizem que, se tivessem a capacidade de decidir os principais candidatos do partido para a eleição de 2024, substituiriam tanto Biden quanto Trump na cédula. Além disso, “uma caraterística definidora da disputa é que os eleitores em geral têm pouca confiança em qualquer um dos candidatos em uma série de características-chave, incluindo aptidão para o cargo, ética pessoal e respeito pelos valores democráticos”.
Na mesma linha, uma pesquisa do Pew Research de junho de 2024 observou que “um quarto (15%) dos americanos tem opiniões desfavoráveis sobre os dois principais candidatos do partido – o presidente Joe Biden e o ex-presidente Donald Trump”, que é a maior taxa de rejeição dupla em pelo menos três décadas. Mas, forçados a fazer uma escolha na realidade, de acordo com a sondagem de abril de 2024, “entre os eleitores validados de 2020, a esmagadora maioria dos que votaram em Biden (91%) e Trump (94%) apoiam o mesmo candidato este ano. Os eleitores registrados que não votaram em 2020 estão divididos de forma equilibrada: 48% apoiam Trump, enquanto 46% apoiam Biden”.
Nenhum dos dois, diz um quarto dos americanos (Crédito: Elvert Barnes/Flickr)
Entre os identificadores republicanos, a forte lealdade partidária torna improvável a deserção de quem hesita em votar em Biden, mesmo entre os Never Trumpers e muitos dos antigos aliados e funcionários que antes haviam criticado publicamente a aptidão de Trump para cargos públicos. Trump domina completamente a base eleitoral republicana e o Comitê Nacional Republicano, de uma forma enérgica, de modo que os outros líderes do partido vão se sujeitar a ele com frequência. Ao longo do tempo, desde 2016, o Partido Republicano e seus eleitores têm-se contorcido em formas estranhas (relativamente ao seu estilo anterior a 2016), à medida que continuam a ignorar, negar, dar explicações, ou encontrar justificativas (e muitas vezes elogios) para a idade de Trump, sua acuidade mental, narcisismo, bullying, explosões de raiva, mentiras frequentes, retórica apocalíptica, problemas legais (incluindo duas condenações), ideias políticas espontâneas mal-informadas, mudanças de posição, discursos divagantes e cheios de queixas, pouco entendimento de muitas questões e falta de apoio da maioria de seus antigos membro de gabinete. (Uma dessas ideias pouco práticas, entre muitas, foi a sugestão de Trump, em junho de 2024, aos legisladores republicanos em Washington, de que o imposto federal sobre o rendimento poderia ser abolido, se fosse substituído por tarifas suficientemente elevadas sobre as importações).
Nem o partido nem os eleitores de Trump parecem desconfortáveis com o fato de a “America First” de Trump mostrar, consistentemente, uma óbvia admiração por líderes “fortes” [no original “strongman”, o que também poderíamos remeter a “ditadores”, n.t.], como os dos rivais americanos Rússia, China e Coreia do Norte, referindo-se muitas vezes com orgulho a sua boa relação pessoal com cada um deles quando era presidente. Com seu estilo personalista e suas exigências de lealdade e obediência absolutas a ele, e seus planos para centralizar o poder federal na Presidência, aparentemente mais do que em 2016 e 2020, Trump transformou profundamente o Partido Republicano e o movimento conservador, incluindo a comunidade evangélica, e não o contrário.
Dois pesos e duas medidas
Muitos dos que se identificam basicamente como republicanos estão dispostos a abrir exceções em seus princípios éticos anteriores, mais gerais, para favorecer a situação particular de Trump, como na questão da imunidade presidencial em relação a processos criminais por atos praticados enquanto presidente, relevante para um caso relativo a Trump sobre esse mesmo assunto, então perante a Suprema Corte dos EUA. Uma pesquisa da CBS de junho de 2024 mostrou que “dois terços dos republicanos pensam que Trump deve ter imunidade de acusação, mas esse número cai para apenas 45% quando lhes é perguntado de forma mais geral se os ‘presidentes dos EUA’ devem ter a mesma imunidade. De fato, mais da metade dos republicanos pensam que os presidentes, em geral, não deveriam”.
De acordo com as pesquisas do YouGov, em abril de 2024, 58% dos republicanos disseram não acreditar que um criminoso condenado deveria ser presidente, mas após a condenação de Trump em 30 de maio de 2024 por 34 acusações em um julgamento do júri da cidade de Nova York por falsificar registros de negócios para fins eleitorais, apenas 17% ainda mantinham essa opinião. Muitos líderes republicanos e membros da base “deslegitimaram” todo o julgamento e o veredito como uma mera manobra política inadequada e injusta dos democratas, uma “instrumentalização” do sistema judiciário, ecoando a afirmação de Trump de que foi uma “interferência eleitoral” deliberada.
Facilitando esta vontade de abrir tais exceções está a oposição automática aos posicionamentos do “outro lado” e a aceitação da afirmação implícita de Trump de que todo o governo é partidário, incluindo as instituições legais; ou seja, não há um Estado de Direito objetivo quando Trump perde. Consequentemente, o apoio e os esforços de angariação de fundos de Trump têm-se beneficiado imensamente de sua condenação criminal de maio de 2024 e de outras questões legais em curso, com um aumento notável das contribuições para a campanha após a condenação.
A polarização política e a animosidade interpartidária nos Estados Unidos começaram em meados da década de 1990 e estavam bem avançadas em 2014, antes de Trump entrar na cena política nacional para usar isso como força motriz de sua carreira política, como documenta o Pew Research. As preferências políticas partidárias e as prioridades relativas permanecem muito estáveis em 2024, e altamente polarizadas, em geral produzindo interpretações mutuamente antagônicas do outro partido, dos candidatos, das tendências e dos acontecimentos. As opiniões sobre Trump e Biden, por exemplo, variam consideravelmente ao longo das linhas partidárias. Como descrito em uma pesquisa do YouGov de fevereiro de 2024, “Enquanto alguns democratas e republicanos reconhecem potenciais falhas no candidato do seu próprio partido, poucos identificam aspectos positivos no provável candidato do partido oposto”.
Em geral, os americanos vivenciam um elevado nível de estresse social quando pensam na política e no governo e em como sua democracia realmente tem funcionado. Uma pesquisa feita no início de 2023 pelo Pew Research concluiu que “mais de 80% dos americanos acreditam que as autoridades eleitas não se importam com o que pessoas como eles pensam”. Em pesquisas de meados de 2023, o Pew Research concluiu que “os americanos há muito são críticos dos políticos e céticos em relação ao governo federal… Mas, hoje, a opinião dos americanos sobre a política e os funcionários eleitos é implacavelmente negativa, com pouca esperança de melhora no horizonte. A maioria diz que o processo político é dominado por interesses especiais, inundado de dinheiro de campanha e atolado em guerras partidárias. Funcionários eleitos são amplamente vistos como egoístas e ineficientes… A pouco mais de um ano da eleição presidencial, quase dois terços dos americanos (65%) dizem que se sentem sempre ou frequentemente exaustos quando pensam em política, enquanto 55% se sentem zangados. Em contrapartida, apenas 10% dizem que se sentem sempre ou frequentemente esperançosos em relação à política, e ainda menos (4%) estão entusiasmados”.
As características anteriores da campanha eleitoral e da opinião pública, mesmo antes de Trump ou Biden serem formalmente nomeados na convenção de seu partido, prometem trocas tensas e dramáticas nos próximos meses e desafiarão as instituições americanas e o compromisso com os procedimentos democráticos.
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Em futuros artigos desta série, durante a temporada eleitoral de 2024, exploraremos mais detalhes sobre a insatisfação generalizada subjacente a estas atitudes públicas negativas e sua relação com diferenças e divisões políticas nitidamente contrastantes, assim como com os valores e as características demográficas dos eleitores de Trump. Para uma ampla análise das atitudes e opiniões do público, consultar meu artigo “American Political Culture in Transition: The Erosion of Consensus and Democratic Norms” (OPEU, 2024). Também pode ser útil meu “Dicas para acompanhar a eleição presidencial americana em 2024” (Latino Observatory, 2024).
Mais deste autor no OPEU
Resenha “Eric Hoffer’s ‘The True Believer: Thoughts on the Nature of Mass Movements’”, em 11 mar. 2024 [Versão em português disponível aqui, com tradução de Andressa Mendes, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, PUC-SP)]
Estudos e Análises “Is the United States ‘Exceptional’?”, em 3 ago. 2021 [Versão em português em breve]
Divulgação “Virtual Library: The Ultimate Online Research Guide”, em 26 abr. 2021
Informe OPEU “Suggested Cost-Free Online Sources for U.S. Politics and Foreign Policy”, em 6 fev. 2021
* Wayne A. Selcher, PhD, é professor Emérito de Estudos Internacionais no Departmento de Ciência Política, na Elizabethtown College, PA, USA, e colaborador regular do OPEU. É fundador e editor da WWW Virtual Library: International Affairs Resources, um guia para pesquisa on-line sobre os mais diversos tópicos. Contato: wayneselcher@comcast.net.
** Tradução, revisão e edição final: Tatiana Teixeira. A versão original em inglês deste artigo foi publicada em 24 de junho, antes do anúncio do presidente Joe Biden de que deixaria a disputa pela reeleição, em 21 de julho. Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
*** Sobre o OPEU, ou para contribuir com artigos, entrar em contato com a editora do OPEU, Tatiana Teixeira, no e-mail: professoratatianateixeira@outlook.com. Sobre as nossas newsletters, para atendimento à imprensa, ou outros assuntos, entrar em contato com Tatiana Carlotti, no e-mail: tcarlotti@gmail.com.
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