Perfil dos eleitores jovens e seus posicionamentos
Vice-presidente Kamala Harris, após o lançamento do Tour Liberdades Reprodutivas, em 22 jan. 2024, em Wisconsin (Crédito: Lawrence Jackson/Casa Branca)
Por Giulia Gaviolli Bomfim* [Informe OPEU]
Os eleitores mais jovens tiveram um grande e decisivo impacto na eleição presidencial de 2020 e nas eleições de meio de mandato (midterms) em 2018 e 2022, conforme dados analisados em uma pesquisa realizada pelo Berkeley Institute for Young Americans (BIFYA). Na atual disputa presidencial, o instituto levanta preocupações sobre a possível queda na participação dos jovens eleitores em novembro. De acordo com a diretora-executiva do BIFYA, Sarah Swanbeck, um senso de fatalismo se espalha pela esquerda, direita e centro. Jovens de diferentes preferências políticas compartilham o pensamento de que sistemas governamentais disfuncionais são incapazes de enfrentar desafios e que o resultado cai fortemente sobre suas gerações, causando o sentimento de que o “sonho americano” está cada vez mais distante.
A chamada “Geração Z” testemunhou grandes eventos históricos, como os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001; a Grande Recessão, em 2008; a eleição de Barack Obama, o primeiro presidente negro do país, em 2009; e a vitória de Donald Trump, cujos aliados do slogan político MAGA (Make America Great Again) tentaram derrubar a eleição presidencial de 2020 pela força, com a invasão ao Capitólio no 6 de Janeiro. A pandemia da covid-19 também deixou um significativo marco cultural, econômico e social na geração. Segundo a diretora de Políticas e pesquisadora do BIFYA, Erin Heys, os acontecimentos citados acima contribuíram para a emergência de uma geração politicamente mais liberal do que as anteriores, com uma visão mais crítica em relação às falhas da democracia americana e da desigualdade na distribuição de riqueza e poder. Sendo assim, por terem uma perspectiva mais ampla da sociedade, têm uma força para movimentos sociais e políticos, como Occupy Wall Street e Black Lives Matter, além da experiência em tecnologia que contribui para o engajamento de diferentes maneiras.
BIFYA: Sarah Swanbeck (à esq.) e Erin Heys (Crédito: Brandon Sánchez Mejia/UC Berkeley)
Para Heys, isso significa que, “à medida que as gerações mais jovens se tornarem a força eleitoral dominante nos próximos anos, elas serão mais propensas a se unir em torno de novas ideias políticas para resolver os problemas prementes de hoje”. Mas, para que isso aconteça, acrescenta Swanbeck: “os candidatos que procuram se envolver e inspirar esse grupo de jovens eleitores precisarão fornecer um antídoto para esse senso de pavor, oferecendo soluções reais para as ameaças existenciais com as quais as gerações mais jovens estão lidando”.
Durante as últimas décadas, os eleitores mais jovens foram mais pendentes para o lado democrata, o que contribuiu para a vitória de Joe Biden em 2020, com uma vantagem de mais de 20 pontos em relação a Trump. No referido ano, 1 a cada 6 eleitores era da faixa etária entre 18 e 29 anos. Em maio, porém, pesquisas realizadas pela NPR/PBS NewsHour/Marist mostraram que a vantagem de Biden sobre essa geração diminuiu, com um índice de aprovação de 24% entre os jovens americanos. Isso se deu por inúmeros fatores, entre eles, o descontentamento com sua forma de administrar os problemas do país, o questionamento sobre sua aptidão mental, além de não se sentirem conectados com o representante do país por sua idade avançada, o mesmo valendo para Trump. Ambos têm uma diferença de 50 anos, ou mais, em relação aos jovens eleitores, o que dificulta o contato com esse segmento da população. Essa é a percepção dos jovens entrevistados por Galen Druke, apresentador do podcast 538 Politics, da ABC News, como Anastasia Esther, de 25 anos, que mora em Wisconsin, um cobiçado swing state este ano. “Votaria em Biden apenas para impedir um novo mandato de Trump”, afirmou ela, que disse achar que “ambos os candidatos eram mais velhos do que deveriam para um emprego de 24 horas”.
O que realmente importa para os eleitores jovens?
Conforme Derek Saul, colunista da revista Forbes, a produção econômica do país cresceu fortemente com o Produto Interno Bruto (PIB) a uma taxa de 3,5% anual durante o governo Biden. Além disso, desde o início da atual gestão democrata, o emprego geral subiu 11%; o salário médio, 17%; e o desemprego caiu de 6,7% para 4%, sinais de força e desenvolvimento da economia, levando-se em conta que são fatores que afetam diretamente o mercado de trabalho. A inflação é um tópico muito discutido entre os americanos, tendo em vista que foi muito pior no mandato de Joe Biden se comparado ao anterior, com aumento de 19,9% nos primeiros 41 meses, atingindo, ano a ano, um pico de 9% em 2022, um acumulado histórico em quatro décadas.
O ex-presidente e candidato presidencial Donald Trump afirma, incorretamente, que os últimos anos representam a pior inflação com a qual os Estados Unidos já lidaram. Economistas explicam, contudo, que foi relativamente estável, já que a tendência de alta na inflação do país estava ligada a inúmeros fatores, não somente internos, mas também externos, como a pandemia da covid-19, em 2020, que levou a atrasos na cadeia de suprimentos, além do aumento dos preços de energia e das commodities, em consequência da Guerra Rússia-Ucrânia no início de 2022.
De acordo com uma pesquisa do Gallup, Biden contava com a menor confiança da população no cenário econômico em relação a qualquer presidente desde George W. Bush, em meio à Grande Recessão de 2008. Situação bem diferente de Kamala Harris, que teve sua agenda econômica amplamente apoiada, como revela a sondagem divulgada pelo YouGov, com propostas bipartidárias que visam a políticas para cortar os custos de vida dos americanos, principalmente no que se refere a moradia, assistência médica e alimentação.
Para os eleitores com menos de 30 anos, a economia é um fator importante em seu voto, mas outros tópicos são igualmente relevantes, como aborto, clima e questões de raça e diversidade.
A questão da legalização do aborto é vista como fator crucial para os eleitores desde as últimas eleições, principalmente entre mulheres, jovens e democratas, como foi divulgado pela Public Religion Research Institute em maio deste ano. Embora 63% de todas as faixa etárias pesquisadas apoiem a legalização do aborto na maioria dos casos, quando visto separadamente por idade, apenas 76% dos entrevistados de 18 a 29 anos apoiam o direito ao aborto, contra 61% dos entrevistados de 30 a 49 anos, e 57% dos entrevistados de 50 a 64 anos, subindo a porcentagem para 59% entre os maiores de 65 anos, de acordo com gráfico do Pew Reserch Center.
(Arquivo) Cerca de 3.000 pessoas protestam em frente ao prédio do Capitólio do estado do Minnesota contra as leis proibindo o aborto, em St. Paul, em 21 de maio de 2019 (Crédito: Fibonacci Blue/Wikimedia Commons)
Outrossim, apesar de a questão Israel e Hamas aparecer abaixo das questões anteriores, tornou-se tópico também preocupante para essa faixa etária. Os jovens têm posicionamentos muito diferentes do que os americanos mais velhos, com relativamente a maioria pedindo uma parada na ação militar de Israel, o que também foi um grande elemento de pressão sobre Biden dentro do Partido Democrata. Pesquisa divulgada em abril pela CBS News/YouGov mostrou que a porcentagem de simpatizantes do povo palestino aumentou desde outubro de 2023, em contrapartida à forma agressiva como o presidente lidou com o conflito Israel-Palestina. Em um desses momentos, Biden declarou ter dúvidas sobre o número de mortos divulgado pelo Ministério da Saúde de Gaza, insinuando que estaria sendo algo exagerado, quando tais números foram considerados confiáveis pelas Nações Unidas e por agências internacionais de direitos humanos. Um movimento de manifestações antiguerra em campi universitários se iniciou em abril, na Universidade Columbia, em Nova York, onde estudantes montaram um acampamento para pedir o fim desse conflito. Os protestos se espalharam por outras universidades do país.
O que a desistência de Biden e o apoio a Kamala Harris pode mudar?
Em 21 de julho, o presidente Joe Biden anunciou a desistência da corrida pela reeleição e endossou a candidatura de sua vice-presidente, Kamala Harris. Em uma carta publicada em suas redes sociais, disse: “É do melhor interesse do meu partido e do país que eu me afaste e me concentre exclusivamente em cumprir meus deveres como presidente pelo restante do meu mandato”. Esta decisão foi celebrada pelos jovens, em meio à sua frustração e afastamento do Partido Democrata. “Isso tem o potencial de ser um divisor de águas para a participação dos jovens em novembro”, disse Stevie O’Hanlon, diretor de Comunicações do grupo de ativistas climáticos liderados por jovens Sunrise Movement. Segundo ele, os organizadores estão “realmente esperançosos” sobre sua capacidade de se mobilizar “com um novo candidato que prioriza falar e transformar os jovens”.
Para Henry Brady, ex-presidente da American Political Science Association, a candidatura de Harris pode ser vista como positiva para ambos. Aqueles comprometidos com o presidente Biden serão inspirados, ao ver que ele reconheceu suas limitações; independentes ou que se inclinam para o Partido Republicano mas estão incertos sobre Trump, pode haver uma esperança na candidata democrata – principalmente após as polêmicas em que o ex-presidente está envolvido e seus comentários rudes durante um evento organizado pela Associação Nacional de Jornalistas Negros, ao questionar a raça de Kamala Harris e repetir desinformações sobre imigração e aborto. “O que esses eleitores querem é um candidato que esteja disposto a abordar os grandes problemas que os americanos estão enfrentando hoje: inflação, a falta de moradia acessível e uma sensação crescente de que suas comunidades não são seguras”, explicou a cientista política Lisa García Bedolla, reitora da Divisão de Pós-Graduação da University of California, Berkeley.
Aos 59 anos, Kamala Harris é significativamente mais jovem do que Trump. Isso pode ser levado como uma vantagem, já que os eleitores americanos dizem constantemente aos entrevistadores dos institutos de pesquisa que prefeririam políticos mais jovens. “É o mais energizada que me senti como jovem eleitora democrata em muito tempo”, disse Audrey Grant, de 22 anos, residente de Vermont e ex-aluna da Universidade Simmons, acrescentando que está preparada para votar em Harris. Clyve Lawrence, um progressista de 21 anos, disse que achava que Biden precisava desistir desde seu mau desempenho no debate presidencial contra Trump, em 27 de junho, além de considerar a indicação de Harris uma opção “prática e democrática”.
Isto posto, no dia do anúncio de Biden, a campanha de Harris arrecadou quase US$ 50 milhões. A Gen-Z for Change, uma organização sem fins lucrativos voltada para a mobilização de eleitores jovens, disse que começará o trabalho necessário para que a vice-presidente seja eleita, o que demonstra uma movimentação entre os demais jovens americanos pró-Harris. A rede CBS News mostrou que, conforme dados de pesquisas realizadas, a entrada de Harris redefiniu a corrida presidencial, sendo 1 ponto de vantagem nacionalmente, ao contrário de Biden, que perdia por uma média de cerca de 5 pontos. Todavia, a disputa se acirra entre os estados decisivos.
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Informe OPEU, “Swing states e a eleição presidencial 2024”, em 18 de maio de 2024
Informe OPEU, “Conheça os ‘Never Trumpers’ e suas críticas a Trump, em 12 jun. 2024
* Giulia Gaviolli Bomfim é graduanda de Relações Internacionais na Universidade Anhembi Morumbi e aluna participante da UC Dual em parceria com o OPEU. Contato: giuliagaviollibuam@gmail.com.
** Primeira revisão: Simone Gondim. Revisão e edição finais: Tatiana Teixeira. Recebido em 13 ago. 2024. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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