Política Doméstica

Dos bestsellers para a defesa do 6/1: quem é o escudeiro escolhido de Donald Trump?

(Arquivo) J. D. Vance na Conferência Regional do Sudoeste de 2021, organizada pela Turning Point USA no Arizona Biltmore em Phoenix, Arizona, em 17 abr. 2021 (Crédito: Gage Skidmore/Flickr)

Por Débora M. Binatti* [Informe OPEU]

Zack Beauchamp descreve-o como “incompatível com os princípios básicos da democracia estadunidense”. Já Gram Slattery e Helen Coster, da Reuters, levantam que “os democratas e até mesmo alguns republicanos se questionaram se Vance […]  é movido mais por oportunismo do que por ideologia”. Mas, afinal, quem é J. D. Vance, a anunciada escolha de Donald Trump para vice-presidente na corrida eleitoral de 2024?

Hillbilly Elegy: A Memoir of a Family and Culture in Crisis | Amazon.com.brA primeira aparição de Vance como figura pública se dá com a publicação de Hillbilly Elegy: A Memoir of a Family and Culture in Crisis, em 2016 (Era uma vez um sonho, publicado no Brasil em 2017 pela LeYa). Trata-se de um livro de memórias sobre a classe trabalhadora branca dos EUA. A obra, que chegou a aparecer como um bestseller na lista do jornal The New York Times, também foi adaptado para o cinema em 2020, com direção de Ron Howard e protagonizado por Amy Adams. Até então, sua posição política não era a que vemos atualmente. A aproximação com Trump vem apenas durante campanha de Vance ao Senado, em 2022. Desde janeiro de 2023, ele atua como senador pelo estado de Ohio.

Aos 39 anos, já serviu no Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA e chegou a ser enviado para missão no Iraque. É formado em Ciência Política e Filosofia pela Universidade Estadual de Ohio, e em Direito, pela Universidade Yale. Não foi, contudo, seu currículo acadêmico que o aproximou do líder da extrema direita estadunidense. Vance declarou que, se fosse o vice-presidente em 2020, teria colaborado com o esquema para que os resultados das eleições fossem anulados. Não obstante, também arrecadou fundos para os manifestantes do 6 de Janeiro e chegou a solicitar que o Departamento de Justiça abrisse uma investigação criminal contra um jornalista do Washington Post, devido a um artigo que criticava as ações de Trump. Se, em meados de 2016, suas críticas a Trump chegavam a comparar o atual ex-presidente a Hitler, agora, dentro do mesmo partido, o discurso do senador é completamente alinhado à extrema direita dos Estados Unidos.

Quanto à atuação no Senado, Vance é descrito como neorreacionário, conservador e populista de direita em artigo da The Washington Post Magazine, que analisou o trajeto político do atual candidato à vice-presidência. O artigo enfatiza a radicalização de Vance a partir de sua candidatura a senador. Nele, o jornalista Simon Van Zuylen-Wood afirma que, “há cinco anos, Vance estava descrevendo eloquentemente os apoiadores de Donald Trump para as elites liberais, enquanto lamentava a ascensão do próprio Trump. Vance, cuja mãe é uma usuária de heroína em recuperação, comparou Trump a um opioide, chamando-o de ‘fuga fácil da dor’”.

Ainda no mesmo artigo, o jornalista explica a mudança política do atual candidato: “a nova identidade política de Vance não é tanto uma fachada, ou uma inversão, mas a expressão de uma visão de mundo alienada que é, de fato, consistente com a história de sua vida. […] Conhecida como conservadorismo nacional ou, às vezes, ‘pós-liberalismo’, ela é – em linhas gerais – fortemente católica, definitivamente antiprogressista, cética em relação às grandes empresas, nacionalista em relação ao comércio e às fronteiras”. Seu mandato foi e continua sendo repleto de defesas contra o aborto, contra a Lei de Defesa do Matrimônio – e, portanto, contra o casamento homoafetivo – e contra a ajuda financeira dos EUA para a Ucrânia, assim como a defesas de imposição de tarifas no comércio com a China.

Dessa forma, em julho de 2024, a escolha de Vance para vice da chapa de Trump não seria mais uma surpresa. Atualmente, o senador é visto como uma figura midiática, capaz de dar apoio e engajamento ao candidato à Presidência. O que se comprova a partir de suas declarações após a tentativa de assassinato de Donald Trump, em 13 de julho, em que Vance culpabilizou a retórica de Joe Biden e dos demais democratas pelo incidente, o que condiz com o fazer político do líder da extrema direita estadunidense.

O anúncio da escolha do vice da chapa republicana foi feito por Trump em 15 de julho, primeiramente, em sua plataforma digital, Truth Social. Nela, o ex-presidente declara: “após longa deliberação e reflexão, e considerando os tremendos talentos de muitos outros, decidi que a pessoa mais adequada para assumir o cargo de vice-presidente dos Estados Unidos é o senador J.D. Vance, do Grande Estado de Ohio”. A escolha de Trump se deu no primeiro dia da Convenção Nacional Republicana, dois dias após a tentativa de assassinato em seu comício de campanha em Butler, Pensilvânia. Segundo a CNN, Trump ligou para Vance na segunda-feira, para lhe oferecer oficialmente a vaga, 20 minutos antes de fazer o anúncio, embora os dois já tivessem se encontrado no clube de Trump, em Mar-a-Lago, na Flórida, no sábado, antes do comício.

undefinedSede da Convenção Nacional Republicana, 2024, em Milwaukee (Crédito: Joshua Wankowski/Milwaukee 2024 RNC)

O que esperar de Vance?

Vance é abertamente contra o aborto, as mulheres e os direitos reprodutivos, visto que consistentemente votou contra a codificação do direito ao aborto, contra a restauração das proteções de Roe vs. Wade e contra o direito federal de acesso à contracepção, além de votar por maiores proteções à fertilização in vitro. Vance também fez campanha diretamente contra a iniciativa de votação para proteger o acesso ao aborto em Ohio, no ano passado, criticando veementemente a aprovação da medida, assim como falou criticamente contra o divórcio, mesmo em caso de violência doméstica.

Como senador, também rejeitou solicitações de leis mais rígidas sobre armas de fogo e votou com o intuito de impedir um acordo bipartidário entre republicanos e democratas, este ano, sobre a segurança nas fronteiras, dizendo que não abrangeu o suficiente, conforme noticiado pela emissora NBC News.

Sobre os direitos da população LGBTQIAP+, Vance defende a proibição e o banimento geral de tratamentos de afirmação de gênero para menores, chegando a apresentar um projeto de lei que tornaria a prestação desse tipo de atendimento um crime punível com até 25 anos de reclusão.

Internacionalmente, o candidato à vice-presidência defende um afastamento dos EUA do conflito na Ucrânia. No Senado, Vance também tentou, sem sucesso, bloquear um pacote de ajuda de US$ 60 bilhões para a Ucrânia, tendo escrito em um artigo de opinião: “votei contra esse pacote no Senado e continuo me opondo a praticamente qualquer proposta para que os Estados Unidos continuem financiando essa guerra”. Já no que se refere à Palestina, sua posição toma um rumo mais intervencionista. O senador é um grande apoiador de Israel, defendendo suas políticas de guerra diante das crescentes críticas sobre o número de mortes de civis.

Quanto aos impasses comerciais entre EUA e China, Vance defende “tarifas de base ampla, especialmente sobre os produtos provenientes da China”, porque esses produtos, segundo ele, representam uma ameaça injusta aos empregos e ao comércio estadunidenses, reporta o jornal The New York Times. Em uma entrevista à CBS News, ele diz: “precisamos proteger as indústrias estadunidenses de toda a concorrência”.

Como um expoente da extrema direita, o senador é contra a imigração, não acredita em mudança climática e adota uma postura pró-armamentista em seu mandato.

 

Conheça mais textos da autora no OPEU:

Economia e Finanças, Materialismo dialético se faz moderno ao passo que a luta de classes se acirra nos EUA, 22 mar. 2024

Política Doméstica, Biden diminui a pedra de Sísifo financeira de mais de 150.000 estudantes, 9 mar. 2024

Internacional, Anthony Blinken toca promessas em solos de guitarra, 20 nov. 2023

 

* Débora Magalhães Binatti é graduanda em Relações Internacionais pela Instituto de Relações Internacionais e Defesa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IRID/UFRJ), bolsista de Iniciação Científica do INCT-INEU/OPEU (PIBIC/CNPq) e escritora. Contato: dmfcbinatti@gmail.com. Twitter: @debs_binatti. Instagram: @debs_binatti.

** Primeira revisão: Simone Gondim. Contato: simone.gondim.jornalista@gmail.com. Segunda revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Recebido em 17 jul. 2024. Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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