OPEU Entrevista

Borges ao OPEU: ‘cada vez mais, ter uma política tecnológica, doméstica e externa é decisivo’

Crédito: Natália Constantino

Por Ana Thees e Júlia Lisbôa Ruela* [OPEU Entrevista]

RI UERJ

Fonte: site RI/Uerj

Neste OPEU Entrevista, convidamos o professor Bruno Borges, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), para uma conversa sobre a política doméstica dos Estados Unidos e o banimento da plataforma digital TikTok no país. Doutor em Ciência Política pela Duke University (2010), Bruno tem mestrado em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2001) e graduação em Ciências Sociais pela mesma instituição (1998). Tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase em Relações Internacionais, Política Comparada e Teoria Política. Atualmente, desenvolve pesquisa sobre Tecnologia e Autonomia Estatal, especialmente sobre Poder e Instituições.

OPEU: Professor, conte-nos sobre sua trajetória acadêmica e o que levou a estudar os Estados Unidos?

Primeiro, obrigado a vocês pelo convite.

Desde o mestrado, tento entender a relação entre poder e instituições, e essa tem sido a minha linha principal de pesquisa. No doutorado, que fiz nos Estados Unidos, o tema da tecnologia entrou nessa equação. Ficou claro para mim que desenvolvimento não se dá em um vácuo nacional e nem é apenas uma questão de voluntarismo. O sistema internacional e a tecnologia desenvolvida pelos países mais poderosos condicionam as possibilidades de implementação de políticas industriais e de tentativas de uma inserção mais soberana e autônoma. Era também inescapável que, em termos de produção tecnológica, os EUA estavam bastante avançados e que a base política, econômica e financeira para a revolução tecnológica e informacional estava (e de alguma forma ainda está) lá.

OPEU: Baseado em seus estudos em tecnologia, como você compreende o impacto da governança da Internet na política externa das grandes potências?

Acho que os termos estão invertidos – a política externa das grandes potências está tendo um impacto decisivo sobre a governança da Internet, principalmente no que diz respeito ao controle de dados e informação que a Internet foi capaz de proporcionar em escala planetária aos principais países do sistema internacional, especialmente aqueles em que as grandes empresas de tecnologia estão situadas. Cada vez mais, ter uma política tecnológica (tanto doméstica quanto externa) se torna decisivo no sistema internacional. Se, em alguns casos, os EUA tentam garantir que suas empresas funcionem livre de amarras restritivas em outros Estados, países como a China tentam controlar e isolar “sua Internet” do resto do mundo.

OPEU: A Câmara de Representantes (Deputados) dos EUA aprovou um projeto de lei que pode levar o TikTok a ser banido nos Estados Unidos, a menos que sua empresa-mãe chinesa, a ByteDance, venda o aplicativo. O texto ainda terá de passar pelo Senado, embora o presidente Joe Biden já tenha deixado claro que está ansioso para assinar o projeto de lei. Segundo congressistas, o motivo da pressão sobre o banimento do TikTok está relacionado com o temor de espionagem por parte da China. Essa preocupação é realmente preponderante na tensão pelo fim do TikTok nos EUA? Quais outras questões importantes estão envolvidas?

Há muitas variáveis presentes, mas embora as motivações sejam diversas, parece ter se formado um consenso no centro da política dos EUA quanto à necessidade de conter ou limitar a ação da ByteDance. É difícil não perceber três grandes motivações interligadas: uma estratégica, outra comercial e outra política quanto à decisão.

A primeira é a admissão de que o TikTok ganhou uma escala no país, especialmente entre a população mais jovem, que traz o risco de disseminação incontrolável de informações por uma potência estrangeira. Embora a ByteDance se defenda dizendo que seu algoritmo seria apenas influenciado pelas escolhas individuais dos usuários, nenhum algoritmo é realmente neutro. Em vez de um editor físico, uma fórmula matemática “escolhe” o que a plateia vê, e seus parâmetros são opacos para quem está fora. É perfeitamente possível acusar os EUA de hipocrisia – as principais empresas de redes sociais ainda são de lá, seus algoritmos são também opacos, e elas atuam ao redor do mundo. Mas todo país tem leis de mídia e regras de quem pode detê-las, incluindo a participação estrangeira na detenção desses meios. Acredita-se, com razão, que ter empresas estrangeiras concentrando a mídia de um país traz um risco inaceitável para a manutenção da comunidade política. Dado que a China bloqueia a participação das empresas de mídia social dos EUA em seu território, o argumento estratégico é de reciprocidade.

File:TikTok logo.svg - Wikipedia

Bruno Borges vê motivação estratégica, comercial e política por trás de decisão sobre TikTok nos EUA (Fonte: Wikipedia)

A segunda é comercial. Empresas de tecnologia dos EUA, principalmente Alphabet (a empresa controladora do Google) e a Meta, fazem lobbies diretos contra potenciais competidores estrangeiros. O TikTok oferece uma ameaça real ao YouTube (que pertence à Alphabet) assim como ao Instagram (que pertence à Meta). A alegação de defesa da soberania dos EUA atua perfeitamente para justificar a tentativa de segurar uma séria ameaça comercial.

Por fim, há um desconforto difuso, tanto na direita quanto na esquerda, quanto ao poder que as grandes empresas de tecnologia mantêm. A decisão serve, nesse ponto, para oferecer uma resposta política aos eleitores, que sentem o impacto das redes em sua vida cotidiana – da crônica crise de atenção causada pelas redes, assim como os sinais preocupantes quanto ao acesso irrestrito de crianças e adolescentes às redes e a radicalização política e esgarçamento da malha democrática. Nesse caso, embora dificilmente o banimento do “culpado” apontado resolva a situação estrutural, isso já serve de resposta.

OPEU: Durante seu mandato, o então presidente e agora candidato à eleição presidencial de 2024 dos EUA, Donald Trump, criticou muitas vezes o aplicativo TikTok. Recentemente, porém, o mesmo criou uma conta nessa plataforma. Como Trump consegue atrair votos dos eleitores mais jovens com a defesa da permanência do TikTok nos EUA?

É difícil fazer esse cálculo diretamente. Um dos cálculos importantes é que pessoas mais velhas votam mais e de modo mais consistente do que os jovens. É importante lembrar que, nos EUA, o voto não é obrigatório e pressupõe uma motivação do eleitor em se cadastrar e votar. No entanto, é preciso também reconhecer que, enquanto a plataforma opera, ela ainda é a forma mais eficiente de mobilizar jovens para votar, afinal os jovens estão lá. É também ambíguo o cálculo de que a população seria “vítima” das ações do TikTok. A plataforma proporciona uma economia de larga escala para quem se promove ou anuncia nela. Essas pessoas serão diretamente afetadas pelo banimento da plataforma, e alguns, se não diversificarem já seu alcance, serão dizimados economicamente. Isso, na prática, é difícil de mensurar.

OPEU: Pensando em hegemonia como dominação mais consenso, entende-se o forte investimento dos EUA na exportação de sua indústria cultural. Daí pode se entender, também, um motivo pelo qual o TikTok, sendo visto como uma rede social chinesa, parece tão ameaçador para os EUA. Quando debatemos se há uma vontade chinesa de alcançar hegemonia, destaca-se sua forte presença no comércio internacional e alguns eventos ou aspectos de sua atuação na política internacional. Contudo, pouco se vê a exportação cultural chinesa, salvo pelo surgimento cada vez maior de Institutos Confúcio ao redor do mundo. Assim, como os EUA entendem o interesse de expansão cultural chinesa e sua possível ameaça, para além do campo econômico, frente à hegemonia americana?

É um equilíbrio complexo. A China dificilmente confiaria tanto no TikTok para a promoção aberta de seu soft power. Isso seria claramente percebido (e denunciado) pelas forças políticas bastante refratárias à China nesse momento. A China tem tido alguma dificuldade, particularmente nos EUA, e entre jovens, de modificar e/ou ampliar sua influência. Ao contrário de alguns rivais asiáticos, como Japão e Coreia do Sul – que hoje têm uma presença massiva na cultura pop global, com música, audiovisual, quadrinhos –, a China ainda é vista com desconfiança, como mostram pesquisas de opinião recentes sobre sua imagem nos EUA. Isso não significa que os EUA não estejam preocupados. Sua indústria cultural mostra alguns sinais de estagnação – o cinema conta com cada vez menos histórias originais e se baseia em franquias, o consumo de música norte-americana antiga tem sido maior do que as produções mais novas e o “American Dream” tem sido questionado até mesmo dentro do país. Para resumir, se ainda não é claro que a China tenha se consolidado como o país que captura os sonhos dos americanos (ou do resto do mundo), os EUA estão em declínio acentuado. Enquanto estiverem divididos, terão problemas.

Korea_KPOP_World_Festival_35 | 2013 K-POP World Festival in … | FlickrK-pop se tornou sucesso mundial (Crédito: República da Coreia/Flickr/Korea_KPOP_World_Festival_35)

OPEU: Pensando em questões de política externa como um todo, como a Política Externa dos EUA pode funcionar tanto como uma alavanca, quanto como um obstáculo para o alcance da Política Externa chinesa e sua influência no mundo?

Essa talvez seja a pergunta mais importante que os formuladores da política externa dos EUA se fazem atualmente. E sua resposta requer cuidado, porque depende fundamentalmente do diagnóstico. Se virem a China como um inimigo incontornável, a única solução é o confronto a partir de uma nova Guerra Fria revigorada. Um aumento da possibilidade de confronto seria muito preocupante para o mundo. Conseguimos evitar uma guerra hegemônica com a antiga URSS, mas a rivalidade cobrou um preço alto para o resto do mundo. A esperança, em um cenário menos cinza, é a retomada de um multilateralismo global genuíno. Embora os EUA tenham por diversas vezes perdido a chance de fazer valer as instituições internacionais, sem uma malha robusta de instituições de segurança, comércio e investimento em países periféricos, os EUA terão dificuldade em continuar sustentando sua hegemonia por mais décadas. Se, no entanto, ainda houver de setores importantes do governo ou da sociedade um interesse em evitar essa conceitualização, ainda é possível tentar se contrapor à China numa nova retomada de investimentos em países em desenvolvimento e se mostrar como parceiro menos assimétrico e mais inclusivo. Mas, por enquanto, e diante dos equívocos sistemáticos produzidos pelo país desde 2001, acho difícil que essa guinada se consolide.

OPEU: Agradecemos imensamente, professor Bruno Borges, por seu tempo e por sua contribuição. Por fim, gostaríamos de saber se há algum projeto de pesquisa futuro que você teria interesse em compartilhar conosco.

Eu agradeço a vocês pelo convite. Por enquanto, tenho me interessado cada vez mais em aspectos dos teóricos da nova interdependência, como Henry Farrell e Abraham Newman. Acho que são atualmente os autores mais interessantes da disciplina, conjugando a antiga teoria da Interdependência Complexa com os aportes teóricos do novo institucionalismo e da importância da tecnologia. Tento ligar essas preocupações teóricas com a necessidade de se voltar a pensar seriamente sobre desenvolvimento no Brasil, especialmente com as novas condições ambientais e de sustentabilidade. Acho que é isso.

 

* Ana Thees é graduanda em Relações Internacionais pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e bolsista de IC do INCT-INEU, sob supervisão e orientação do prof. Dr. Williams Gonçalves (Uerj/INCT-INEU). Contato: anathees241@gmail.com.

Júlia Lisbôa Ruela é graduanda de Relações  Internacionais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e participa do Programa de Estudos da América Latina e Caribe (ProEALC-UERJ). Contato: j.lisboaruela@gmail.com.

** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 12 jul. 2024. Esta entrevista não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

*** Sobre o OPEU, ou para contribuir com artigos, entrar em contato com a editora do OPEU, Tatiana Teixeira, no e-mailprofessoratatianateixeira@outlook.com. Sobre as nossas newsletters, para atendimento à imprensa, ou outros assuntos, entrar em contato com Tatiana Carlotti, no e-mailtcarlotti@gmail.com.

 

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