A liderança dos EUA na promoção dos direitos humanos de pessoas LGBTQIA+ no CSNU
UN LGBTI Core Group presente na Pride March, em Nova York (Crédito: site institucional)
Por Rúbia Marcussi Pontes* [Informe OPEU]
Perseguição, homofobia e falta de proteção legal adequada contra discriminação com base em orientação sexual e identidade de gênero (SOGI, da sigla no inglês) são apenas algumas das violações e ofensas de direitos humanos enfrentadas por pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queer, intersexuais e assexuais (LGBTQIA+).
Como Ryan Thoreson destaca, “os direitos humanos LGBT têm estado entre os tópicos mais controversos nos debates contemporâneos sobre direitos humanos. Os termos ‘LGBT’, ‘orientação sexual’ e ‘identidade de gênero’ não aparecem na Declaração Universal dos Direitos Humanos ou em quaisquer tratados das Nações Unidas (ONU) — um ponto que seus detratores enfatizam regularmente”.
Nesse sentido, os direitos humanos de pessoas LGBTQIA+ também têm sido gravemente contestados – e violados – internamente por muitos Estados: até hoje, mais de 60 Estados-membros da ONU ainda contam com leis discriminatórias que expõem pessoas LGBTQIA+ à prisão, à terapia de conversão e até mesmo à pena de morte, o que demonstra a relevância de uma agenda de pesquisa sobre direitos humanos LGBTQIA+ para e nas Relações Internacionais.
Apesar desse panorama, a maioria dos órgãos e agências especializadas da ONU incorporou os direitos humanos de pessoas LGBTQIA+ em seus programas e atividades, o que reflete décadas de mobilização. Com isso em mente, o artigo “UN LGBTI Core Group: a busca pela integração dos direitos humanos das pessoas LGBTQIA+ no mandato do Conselho de Segurança” reconstitui essa história e se concentra no trabalho feito pelo UN LGBTI Core Group, uma iniciativa de 42 Estados-membros da ONU fundada em 2008 que visa a proteger pessoas LGBTQIA+ da violência e da discriminação.
Estados Unidos, UN LGBTI Core Group e o Conselho de Segurança
Embora a ONU tenha incluído a pauta de direitos humanos de pessoas LGBTQIA+ em diversas de suas instâncias, a particularidade e as atrocidades enfrentadas por essas pessoas em situações de conflito nunca foram totalmente abordadas pelo Conselho de Segurança da ONU (CSNU), órgão responsável por manter a paz e a segurança internacionais.
Nesse sentido, o artigo destaca o inédito encontro informal realizado pelo CSNU (Arria-formula meetings) em 20 de março de 2023, com liderança e organização dos Estados Unidos, país integrante do UN LGBTI Core Group, ao lado de vários membros e não membros do CSNU, como Áustria, Chipre, República Tcheca e Grécia, além do apoio do próprio Core Group.
Integrantes do UN LGBTI Core Group, na sede em Nova York (Crédito: site institucional)
Com o tema “Integrando os Direitos Humanos de Pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros e Intersexuais (LGBTI) no Mandato do Conselho para Manter a Paz e a Segurança Internacionais”, a reunião ocorreu na sala do Conselho Econômico e Social (ECOSOC) e foi presidida pela embaixadora dos EUA na ONU, Linda Thomas-Greenfield. Jessica Stern, que é a enviada especial dos EUA para Direitos Humanos de Pessoas LGBTQI+, também participou da delegação dos EUA.
A reunião também contou com a presença de especialistas no tema, como Victor Madrigal-Borloz, especialista independente sobre orientação sexual e identidade de gênero, que discutiu as atrocidades enfrentadas por pessoas LGBTQIA+ em zonas de conflito, e os representantes da sociedade civil Artemis Akbary, fundador e diretor da Organização LGBT Afegã, e Maria Susana Peralta-Ramón, líder da equipe de paz e justiça transicional da Colombia Diversa.
Antes da reunião, a delegação dos EUA circulou uma nota, afirmando que o principal objetivo da reunião era “identificar as etapas que o Conselho pode tomar para incorporar melhor os direitos humanos das pessoas LGBTI na execução de seu mandato de manter a paz e a segurança internacionais”. Além disso, a nota incluía perguntas gerais que deveriam orientar a reunião e quaisquer discussões futuras:
- Como podemos aumentar a conscientização dentro das missões de campo da ONU sobre a necessidade de integrar melhor o respeito pelos direitos humanos de pessoas LGBTI na manutenção e construção da paz?
- Como podemos expandir, na prática, a agenda de Mulheres, Paz e Segurança (WPS) para promover identidades interseccionais transversais, incluindo aquelas relacionadas à orientação sexual, identidade de gênero e expressão de gênero?
No final do encontro, a embaixadora dos EUA apresentou um rascunho de resolução sobre o tópico e declarou que “os EUA estavam comprometidos com integrar as pessoas LGBTQ ao trabalho do Conselho, revisando regularmente os conflitos na agenda do Conselho com um olhar para as pessoas LGBTQ, encorajando o Secretariado da ONU e outras agências da ONU a integrar as preocupações e perspectivas LGBTQ em seus relatórios regulares ao Conselho”. Em fala final, Thomas-Greenfield afirmou que “o fato é que as ameaças que as pessoas LGBTQ enfrentam ao redor do mundo são ameaças à paz e segurança internacionais”.
Embaixadora dos EUA na ONU, Linda Thomas-Greenfield (Fonte: Embaixada dos EUA na Moldávia)
Outros membros e não membros do CSNU concordaram com as palavras da embaixadora, sinalizando uma intenção de maior comprometimento com a ação para aumentar a conscientização e a inclusão dos direitos humanos LGBTQIA+ no mandato e nos objetivos do Conselho. No entanto, China, Gana e Rússia se opuseram à resolução proposta, argumentando, de diferentes maneiras, que tais direitos não se encaixam no mandato do CSNU, que não deve ser revisto, e que existem instâncias adequadas para discutir tais temas, como o Conselho de Direitos Humanos da ONU. Essas declarações levantaram fortes objeções do Reino Unido e de outras delegações.
O artigo conclui que os resultados desta reunião foram um passo importante para debater uma possível resolução sobre a integração dos direitos humanos de pessoas LGBTQIA+ com a agenda de paz e segurança internacionais. Esses esforços precisam, no entanto, ser continuados tanto pelo UN LGBTI Core Group quanto por membros permanentes do CSNU, com destaque para EUA, Reino Unido e França – embora ainda falte alinhamento com China e Rússia, membros permanentes que poderiam vetar uma resolução no tópico.
* Rúbia Marcussi Pontes é doutoranda e mestra em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professora de Relações Internacionais das Faculdades de Campinas (FACAMP) e pesquisadora do INCT-INEU. Contato: rubiamarcussi@gmail.com.
** Revisão e edição finais: Tatiana Teixeira. Recebido em 7 ago. 2024. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU. A versão integral deste artigo foi publicada na Revista Carta Internacional.
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