Internacional

‘Think tank’ americano discute perspectivas de política externa do novo presidente do Irã

Fonte: site institucional

Por Isabela Agostinelli, Eduardo Costa, Mariana Valdisserra e Vitor Cavani* [Informe OPEU]

Em 19 de maio, um helicóptero que caiu na região montanhosa de Varzaqan, ao noroeste do Irã, resultou na morte do então presidente iraniano, Ebrahim Raisi, considerado conservador.

Pouco mais de um mês após o acidente, o país foi às urnas, em 28 de junho, para eleger o novo presidente. Com uma alta taxa de abstenção – a maior desde a fundação da República Islâmica, após a revolução de 1979 – e sem um vencedor, o resultado final da corrida presidencial ficou para o segundo turno, em 5 de julho. Na ocasião, foi declarado vencedor o reformista Massoud Pezeshkian, derrotando o conservador Said Jalili.

Novo presidente iraniano, Massoud Pezeshkian, em 12 jun. 2024 (Crédito: Mehr News Agency/Creative Commons)

Pezeshkian defende uma aproximação com o Ocidente para enfrentar o isolamento causado pelas sanções estadunidenses e advoga novas rodadas de negociações do acordo nuclear firmado em 2015 e abandonado pelo então presidente americano, Donald Trump, em 2018. Ao mesmo tempo, Pezeshkian não sinaliza qualquer ruptura com as bases políticas tradicionais da república iraniana e, como de costume, mostrou sua admiração pelo líder supremo do país, o aiatolá Ali Khamenei.

Com base nessas mudanças na política interna iraniana, no último dia 12, o think tank Quincy Institute for Responsible Statecraft (Washington, D.C.), promoveu o webnário intitulado “Will Iran’s New President Forge a New Foreign Policy?”.

Criado em 2019, o think tank é descrito por seus fundadores como “não-partidário” e defensor de uma política externa americana mais cooperativa e menos ofensiva militarmente. A perspectiva adotada, em geral, é a do realismo nas relações internacionais. Não há uma definição clara de vinculação a um espectro político específico, mas Trita Parsi, vice-presidente executivo do Quincy Institute e um de seus fundadores, afirma que a instituição é “transpartidária”. Isso significa que há uma articulação entre apoiadores à esquerda e à direita do espectro político dos EUA.

Parsi foi o moderador do webinário. Como painelistas, participaram Azadeh Moaveni, jornalista, escritora e professora da New York University; Mohammad Ali Shabani, editor do portal Amwaj.media e especialista em Oriente Médio; e Adnan Tabatabai, cofundador e CEO do think tank alemão Center for Applied Research in Partnership with the Orient (CARPO), voltado para questões sobre o Oriente Médio.

Organizado em forma de perguntas e respostas, o objetivo era discutir o atual cenário interno no Irã, a eleição presidencial e o futuro do país nos cenários regional e internacional sob o comando de um presidente reformista. O evento na íntegra está disponível on-line e apenas em inglês.

Impactos da política interna

Questionada sobre o resultado inesperado das eleições, Moaveni destacou as mudanças sociais e econômicas que geraram uma ruptura entre a República Islâmica e os cidadãos de uma maneira sem precedentes.

Para ela, o escalar dos protestos Women, Life, Freedom Movement desde 2022, outros protestos por direitos sociais e o crescimento de um abismo econômico foram fatores que indicaram uma cisão entre sociedade e Estado. Uma maioria iraniana bastante diversa se opôs ao regime, criticado por repressão e corrupção. Moaveni observou que o governo de Raisi foi palco de frustrações, ao não cumprir a maioria de suas promessas de campanha e acabar representando a divisão entre a sociedade iraniana e a elite estatal.

Ainda no tema da política doméstica, Parsi questionou a incapacidade de os conservadores se unirem em torno de um único candidato. Tabatabai explicou que grupos conservadores, principalmente entre 2009 e 2013, estavam levando seus princípios a uma grande radicalização. Ainda assim, nos últimos três anos, foram observadas tentativas de desradicalização de campanhas com o intuito de trazer mais apoio.

É então nesse contexto que, como descreve Tabatabai, Pezeshkian conquista atenção com sua campanha revisionista e voltada para a justiça social e o aumento das liberdades individuais. Tabatabai ainda discute a necessidade de Pezeshkian conquistar o apoio de grandes grupos, pois as eleições foram feitas a partir de menos de 50% dos eleitores e com pouco entusiasmo. Ele acrescenta que o resultado atual se deu por uma escolha desacreditada da população baseada em uma pequena esperança de melhora e uma certeza de deterioração.

Parsi conduz a discussão para o âmbito das mudanças demográficas do país. É nesse tópico que Shabani desenvolve uma análise mais detida sobre a importância de um segmento específico da sociedade iraniana nas eleições: a classe média millenial, ou seja, a classe média composta por pessoas nascidas entre 1985 e 1999.

Shabani relembra que o governo do reformista Hassan Rouhani (2013-2021) emitiu uma lista de dez prioridades políticas, a qual deixava os direitos civis em nono lugar, demonstrando uma mudança de prioridade diante das elites e da sociedade. Para Shabani, a prioridade da população em geral é a economia e os impactos em seus lares. Com uma inflação de 40% em quatro anos seguidos, diversas famílias passaram a ter dificuldades, e a emigração tem se tornado costumeira.

Shabani destaca os millennials como a principal mão de obra do país e uma geração que prioriza a construção de um lar nos moldes tradicionais – casamento, compra de casa própria, criação de filhos etc. Para ele, a classe média millennial seria uma das mais impactadas pelas crises econômicas, o que impulsiona o desejo de uma mudança na condução da política iraniana.

Relações EUA-Irã e as sanções econômicas

Os esforços internacionais alcançados pela assinatura do Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA, na sigla em inglês), em 2015, foram frustrados em 2018, quando o governo Trump retirou os EUA do acordo. Além disso, Trump restabeleceu as sanções econômicas contra o regime iraniano, no que ficou conhecido como a campanha de pressão máxima.

Desse modo, conforme demonstrado em gráficos por Shabani, as exportações de petróleo do Irã foram profundamente prejudicadas, agravando significativamente a crise econômica do país. Este cenário abriu margem para um certo desejo de mudança, visto por grande parte da população iraniana como alcançável pelas promessas de Pezeshkian.

Fonte: amwaj.media

Segundo Tabatabai, Pezeshkian manifestou o desejo de se reaproximar do Ocidente, especialmente dos EUA, e buscará restabelecer o acordo nuclear para reduzir as sanções econômicas. Ao mesmo tempo, o novo presidente também planeja manter a estratégia de neutralizar os efeitos das sanções por meio de parcerias com outras potências, como Rússia e China.

Shabani afirmou que as rigorosas sanções econômicas impostas pelos EUA desaceleraram o desenvolvimento do Irã, mas também contribuíram para fortalecer a posição estratégica do país no Oriente Médio, que buscou diversificar suas parcerias.

Na mesma linha, Tabatabai deu destaque para a estratégia do ex-presidente Raisi de engajar relações econômicas com os vizinhos árabes, tendo em vista o enquadramento geral da política de “neutralizar” as sanções em vez de tentar suspendê-las. Tabatabai avalia que esta política tem tido sucesso, mas que apresenta algumas limitações impostas pela política de sanções secundárias dos EUA.

Portanto, para Tabatabai, a perspectiva é que Pezeshkian mantenha a estratégia de neutralizar as sanções, aumentando a diversificação das relações econômicas com os vizinhos árabes. Ele também antecipa, no entanto, que o novo presidente buscará uma melhora nas relações com o Ocidente, tendo os EUA como prioridade.

Geopolítica regional e internacional

Embora não tenha sido o foco da discussão, as questões geopolíticas foram retomadas por Parsi, que apontou que estas são tão importantes quanto a realidade econômica. O destaque foi dado a três aspectos: a relação do Irã com seus vizinhos árabes; o Eixo da Resistência; e as alianças com a Rússia.

Em relação à segurança regional, Shabani prevê que Pezeshkian não diminuirá o apoio do Irã a membros do Eixo da Resistência, como o Hezbollah, do Líbano, ou grupos iraquianos. Isto porque os membros do Eixo cumprem um papel importante não apenas no âmbito da segurança, mas também na economia.

O último ponto levantado por Parsi foi as relações do Irã com Rússia e China, consideradas grandes potências com capacidade de enfrentar a hegemonia dos EUA no Oriente Médio.

(Arquivo) Presidente russo, Vladimir Putin, reúne-se com o aiatolá iraniano, Ali Khamenei, em Teerã, em 23 nov. 2015 (Crédito: khamenei.ir/Creative Commons)

Shabani apontou que as relações Irã-Rússia são vistas com certo ceticismo pelo campo pró-reformista do Irã. Desde o início da Guerra na Ucrânia, as relações russo-iranianas entraram em um nível sem precedentes de parceria, sobretudo militar. À luz do enfraquecimento da hegemonia dos EUA no sistema internacional, o Irã tomou uma decisão estratégica de diversificar suas parcerias. Isso significa que, ao mesmo tempo em que o Irã fortaleceu suas relações com a Rússia, o país não deixou de considerar os custos desta aliança em relação à Europa. Logo, a perspectiva é que haja um balanceamento entre Rússia e Europa Ocidental.

Mudanças inevitáveis?

Apesar de a pergunta norteadora do webinário ser sobre política externa, os temas abordados pelos painelistas giraram em torno de questões mais domésticas, como a cisão entre Estado e sociedade e as disputas entre reformistas e conservadores.

Notamos poucas considerações sobre os interesses dos EUA de retomar, ou não, as negociações nucleares, principalmente tendo em vista a disputa eleitoral entre Joe Biden e Trump. No campo da política internacional, observou-se também a falta de uma análise mais sistêmica, que levasse em consideração as crescentes relações econômicas e energéticas do Irã com a China.

Em geral, Moaveni, Tabatabai e Shabani seguiram a mesma linha de raciocínio, embora com diferentes focos de análise, indicando que é muito provável que o novo presidente iraniano traga mudanças na política externa em relação à posição de Raisi. Nesse sentido, os três painelistas parecem concordar com um futuro balanceamento das relações atuais do Irã e uma nova ampliação para o Ocidente.

 

* Isabela Agostinelli é pesquisadora de pós-doutorado no PPGRI San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP), com projeto vinculado ao INCT-INEU/CNPq, e pesquisadora do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI) da PUC-SP. Contato: isagostinellis@gmail.com.

Eduardo Costa é graduando em Relações Internacionais na PUC-SP e integrante do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI) da PUC-SP. Contato: eduscosta16@hotmail.com.

Mariana Valdisserra é graduanda em Relações Internacionais na PUC-SP e integrante do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI) da PUC-SP. Contato: marivaldisserra@gmail.com.

Vitor Cavani é graduando em Relações Internacionais na PUC-SP e integrante do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI) da PUC-SP. Contato: vitorkcavani89@gmail.com

** Revisão e edição finais: Tatiana Teixeira. Recebido em 18 jul. 2024. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

*** Sobre o OPEU, ou para contribuir com artigos, entrar em contato com a editora do OPEU, Tatiana Teixeira, no e-mailtatianat19@hotmail.com. Sobre as nossas newsletters, para atendimento à imprensa, ou outros assuntos, entrar em contato com Tatiana Carlotti, no e-mailtcarlotti@gmail.com.

 

Assine nossa Newsletter e receba o conteúdo do OPEU por e-mail.

Siga o OPEU no InstagramTwitter Linkedin e Facebook e acompanhe nossas postagens diárias.

Comente, compartilhe, envie sugestões, faça parte da nossa comunidade.

Somos um observatório de pesquisa sobre os Estados Unidos,

com conteúdo semanal e gratuito, sem fins lucrativos.

Realização:
Apoio:

Conheça o projeto OPEU

O OPEU é um portal de notícias e um banco de dados dedicado ao acompanhamento da política doméstica e internacional dos EUA.

Ler mais