O voto feminino nos EUA e sua importância em 2024
(Crédito: Adam Schultz/Casa Branca/19thnews.org)
Por Kayla Arnoni Vertematti Baptista* [Informe OPEU]
Há quase 100 anos, as mulheres não podiam votar nos Estados Unidos. Hoje, são decisivas em qualquer eleição. A partir de 1920, quando o direito ao voto às mulheres foi aprovado, depois de muita luta, elas passaram a representar, cada vez mais, uma fração grande da porcentagem de votos. E, desde 1980, comparecem com consistência às urnas em altas taxas de participação, sendo, inclusive, maiores que as taxas entre o grupo masculino. Totalizando cerca de 169 milhões de uma população de 333 milhões de habitantes, elas são fundamentais para os resultados eleitorais.
Como as mulheres impactam as eleições
O gender gap eleitoral é a diferença nas preferências políticas e padrões de voto entre homens e mulheres. Esta disparidade é observada em todo o mundo e influencia os rumos das eleições. Homens e mulheres frequentemente têm prioridades políticas distintas, marcadas por fatores sociais, culturais, econômicos e políticos, refletindo as diferentes experiências e percepções de necessidades e temas de interesse entre os dois grupos. E as mulheres não formam um bloco monolítico, mas sim um grupo diversificado com preocupações que vão desde a igualdade salarial e os direitos reprodutivos até a segurança econômica.
As mulheres têm sido decisivas em diversas eleições presidenciais nos EUA, muitas vezes influenciando o resultado final de forma direta. Em 2008, por exemplo, o voto feminino representou cerca de 55% dos eleitores do então candidato democrata (e futuro presidente) Barack Obama (2009-2017), contra 45% do eleitorado masculino. Em 2020, as mulheres também foram determinantes na vitória do atual presidente Joe Biden, em especial entre eleitoras suburbanas e não brancas. A importância do voto feminino é evidente quando se considera sua distribuição demográfica e suas preferências políticas. Mulheres de diferentes grupos étnicos, faixas etárias e origens socioeconômicas têm preocupações variadas que moldam suas escolhas eleitorais. O aumento da representação feminina na política tem inspirado maior participação e ativismo entre as eleitoras, dando força à sua voz e influência no processo eleitoral.
(Arquivo) A apresentadora de televisão Oprah Winfrey subiu ao palco no estádio de futebol William Bryce, em Columbia, na Carolina do Sul, para dar seu apoio ao então senador democrata Barack Obama, em 9 dez. 2007 (Crédito: whoohoo120/ Flickr)
O maior gender gap eleitoral já registrado nos EUA marcou a eleição de 2016, na qual a dinâmica dos candidatos desempenhou um papel crucial. Hillary Clinton, como a primeira mulher indicada por um grande partido, qu(A representou a possibilidade da primeira mulher eleita presidente dos EUA, atraiu um número significativo de eleitoras. Suas políticas abordavam questões de grande importância para muitas mulheres, como saúde reprodutiva, licença-maternidade e igualdade salarial. Em contraste, Donald Trump (2016-2020), com sua retórica que foi, muitas vezes, considerada misógina e marcada por comentários depreciativos sobre mulheres, perdeu muitas eleitoras. As alegações de má conduta sexual contra ele também motivaram muitas mulheres a votarem contra sua candidatura. Estatisticamente, 54% das mulheres votaram em Hillary Clinton, enquanto 41% apoiaram Donald Trump. Em contraste, 52% dos homens votaram em Trump, e 41%, em Clinton. Essa diferença de 11 pontos percentuais entre homens e mulheres foi a maior já vista nas eleições presidenciais dos EUA.
O que importa para elas em 2024
Pesquisas da Universidade Quinnipiac revelam uma diferença significativa nas intenções de voto entre homens e mulheres no contexto da eleição presidencial deste ano, indicando um aumento na polarização por gênero em relação à disputa entre Joe Biden e Donald Trump. As mulheres demonstram um apoio mais forte a Biden, com 58% das intenções de voto a seu favor, contra com 36% que preferem Trump. Esse crescimento indica que o bloco feminino está se tornando cada vez mais importante para a campanha de Biden e tem sido valioso para a liderança de Biden sobre Trump.
Para muitas democratas, a proteção dos direitos reprodutivos têm sido a questão central. Elas apoiam candidatos que defendem o acesso ao aborto e resistem a tentativas de impor restrições que possam limitá-lo. A mudança climática e as políticas ambientais também têm um lugar de destaque em suas prioridades. As democratas valorizam políticas que promovam a energia limpa, a sustentabilidade ambiental e a ação climática positiva. A acessibilidade à saúde é outro tópico valioso, e muitas delas apoiam candidatos que buscam expandir os cuidados de saúde de qualidade. A reforma da imigração também está entre as prioridades, apoiando políticas que promovam uma abordagem humanitária para a imigração.
Já as republicanas estão pautando suas decisões eleitorais com base em uma variedade de temas que refletem valores conservadores. Em 2024, ideias que se opõem a preocupações das democratas, como restrições ao aborto, segurança fortalecida na fronteira e controle de armas são pontos-chave que influenciam seu voto. Elas apoiam candidatos que promovem legislações que limitam o acesso ao aborto, muitas vezes vendo essa questão como uma linha fundamental. Muitas republicanas valorizam concorrentes que prometem reforçar as fronteiras e implementar políticas que tentam limitar direitos a imigrantes em situação irregular. Também apoiam candidatos que defendem o direito à posse de armas e favorecem políticas que promovam cortes de impostos.
(Arquivo) Eleitoras republicanas priorizam o endurecimento das medidas contra a imigração clandestina. Na foto, o então presidente Trump celebra a 200ª milha do novo muro na fronteira como o México, perto de Yuma, Arizona, em 23 jun. 2020 (Crédito: Shealah Craighead/Casa Branca/Wikimedia Commons)
Contexto histórico
A luta pelo direito ao voto feminino nos Estados Unidos, aprovado com a ratificação da 19ª Emenda à Constituição em 1920, foi um marco na história dos direitos civis. Iniciada no século XIX, o movimento sufragista foi uma resposta à exclusão política das mulheres. Mas, ainda assim, não garantiu que todas as mulheres usufruíssem desse direito. Muitas delas sequer sabiam dele, sobretudo, as periféricas. “Eu nunca tinha ouvido falar, até 1962, que pessoas negras podiam votar”, disse Fannie Lou Hamer, uma das figuras mais icônicas desse movimento, que enfrentou a brutalidade policial, os horrores da Ku Klux Klan e o preconceito de autoridades locais e da sociedade para registrar eleitores negros no Mississippi. Além de toda a violência racista, foi preciso superar inúmeros obstáculos, que muitas vezes tornaram quase impossível o voto já “garantido”. Para as mulheres, em especial as negras, o direito ao voto não foi simplesmente consolidado com um marco legal.
Elas enfrentaram uma série de barreiras formais e informais que inviabilizaram o acesso às urnas, como os chamados “testes de alfabetização”, que exigiam que os eleitores passassem por questionários complexos sobre a Constituição dos Estados Unidos. Tratava-se de um requisito injusto em uma época em que o acesso à educação e à informação era muito limitado. Além dos testes, as mulheres negras também enfrentavam a violência e a intimidação racista, tanto física quanto psicológica. Elas eram, muitas vezes, sujeitas a ameaças, a agressões e à possibilidade de perda de empregos e moradia, caso tentassem se registrar para votar ou comparecer às urnas.
Hoje, mesmo com diversos avanços, ainda existem momentos em que o exercício do voto é prejudicado.
Um exemplo foi quando, em resposta ao aumento do número de eleitores, na eleição de 2020, os legisladores da Geórgia aprovaram o projeto de lei SB 202. Este projeto reduziu o número de urnas em comunidades periféricas, limitou a janela de horário para votação, adicionou requisitos de identificação de eleitores e tornou ilegal fornecer alimentos ou água para aqueles que esperam na fila para votar. Essas medidas foram vistas como um retrocesso nos direitos de voto.
Em 2021, o Texas aprovou a Senate Bill 1, que introduziu mudanças significativas no processo de votação. Ampliou os direitos dos observadores de votação, aumentou as exigências de identificação para votos por correspondência e impôs restrições ao voto antecipado. Isso incluiu a proibição da votação drive-thru e a votação por 24 horas, que foram utilizadas durante a pandemia para facilitar a participação eleitoral.
Essas medidas foram justificadas por legisladores republicanos como necessárias para proteger a integridade eleitoral, mas foram criticadas por democratas e defensores dos direitos dos eleitores como formas de supressão de votos, prejudicando comunidades minoritárias.
Leia mais da autora no OPEU
Informe OPEU, “A importância dos vice-presidentes nos EUA e as eleições de 2024”, em 25 de junho de 2024.
Informe OPEU, “Como as campanhas eleitorais nos EUA podem ser financiadas?”, em 5 de junho de 2024.
Informe OPEU, “O que está por trás dos elefantes vermelhos e dos jumentos azuis na política estadunidense?”, em 16 de maio de 2024.
* Kayla Arnoni Vertematti Baptista é graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Anhembi Morumbi e aluna participante da UC Dual em parceria com o OPEU. Contato: kaylavertematti@gmail.com.
** Revisão e edição finais: Tatiana Teixeira. Recebido em 4 jul. 24. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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