Internacional

Os desafios do anti-imperialismo desde o Sul Global diante de Gaza

(Arquivo) Ato/Campanha de Solidariedade ao Povo Palestino, no Centro do Rio de Janeiro, em 24 jul. 2014 (Crédito: Mídia Ninja/Flickr)

Por Bruno Huberman* [Informe OPEU]

O ataque do Irã a Israel no dia 13 de abril deste ano, em resposta ao bombardeio israelense à embaixada iraniana em Damasco, na Síria, algumas semanas antes, foi um novo episódio do escalonamento da violência no Oriente Médio. Desde a operação militar palestina de 7 de outubro de 2023, Israel tem promovido a destruição da Faixa de Gaza, o que levou a Corte Internacional de Justiça (CIJ) a acatar a plausibilidade de ser um genocídio. O teatro de guerra no Oriente Médio é mais um momento em que os povos do Sul Global se veem diante de diversas contradições em torno da solidariedade com os oprimidos e contra o imperialismo dos EUA, principal aliado de Israel e que tem fornecido armamento, Inteligência e apoio político e midiático.

Este texto busca contribuir com o debate sobre anti-imperialismo no século XXI, com base na análise da atuação das nações do BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – como bloco e individualmente em relação à Questão Palestina, tendo o genocídio em Gaza (2023-) como ponto central. Reivindico que a análise da Questão Palestina serve como caso paradigmático para entender a posição anti-imperialista, pois se trata da luta de libertação nacional de um povo, há décadas, contra um dos principais aliados dos EUA, Israel, em uma das regiões onde a commodity mais valiosa, o petróleo, existe em abundância. Logo, a Questão Palestina expressa as lutas anti-imperialistas de forma universal. O apoio quase incondicional do governo Joe Biden (2020-) a Israel reforça a importância de se entender a solidariedade com a Palestina pelo espectro do anti-imperialismo.

P20230920CS-0042 | President Joe Biden participates in a bil… | Flickr(Arquivo) Presidente Joe Biden participa de reunião bilateral com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, em 20 set. 2023, no InterContinental Barclay, na cidade de Nova York (Crédito: Casa Branca/Cameron Smith)

Anti-imperialismo e solidariedade com a Palestina

Durante a Guerra Fria, URSS, China e Índia foram algumas das nações do Terceiro Mundo que compunham um bloco de solidariedade anti-imperialista com os palestinos. O Congresso Nacional Africano (CNA), na África do Sul, e o Movimento Negro Unificado (MNU), no Brasil, foram exemplos de solidariedade por parte de atores não estatais. A China foi a principal aliada da Organização pela Libertação da Palestina (OLP), provendo formação política, treinamento militar e apoio financeiro. O regime de Apartheid da África do Sul e a ditadura civil-militar do Brasil foram aliados de Israel, mantendo importantes relações de cooperação militar.

O desmantelamento dos blocos soviético e terceiro-mundista fizeram os palestinos perderem o apoio de forças estatais em sua luta por libertação nacional. No contexto do processo de paz, as nações do Terceiro Mundo normalizaram suas relações com Israel. Os principais parceiros dos palestinos se tornaram os EUA e a União Europeia (UE), o que resultou nos Acordos de Oslo (1993-95). Entre as nações que se mantêm solidárias aos palestinos estão aquelas consideradas “rogue” pelos EUA, como Irã e Venezuela, e movimentos considerados terroristas, como Hezbollah, os Huthis e demais integrantes do Eixo da Resistência.

Linda Tabar, no artigo “From Third World internationalism to ‘the internationals’: the transformation of solidarity with Palestine”, nota que o internacionalismo terceiro-mundista não era um grupo, mas uma práxis por um mundo diferente, que deixou de existir após a Guerra Fria. A solidariedade deixou de ser fundada em conexões por meio de diferentes geografias insurgentes, combatentes do imperialismo ocidental, e foi substituída por ações individualizadas e despolitizadas de ativistas do Ocidente. As ONGs e os internacionais não confrontam o sistema de opressão que é a razão da injustiça — a ocupação israelense — para não criar problemas para seu trabalho humanitário.

A transformação na solidariedade significou a perda de poder político dos palestinos para transformar o sistema de dominação israelense. Para Tabar, a solidariedade anti-imperialista é fundada em princípios políticos partilhados e na disposição de correr riscos e assumir sacrifícios em conjunto. O paradigma do apoio de internacionais, que pode ser retirado a qualquer momento, estaria sendo parcialmente superado por meio do chamado global da sociedade civil palestina, em 2005, por Boicote, Desinvestimentos e Sanções (BDS) a Israel.

Falar de solidariedade anti-imperialista hoje é extremamente complicado. Gilbert Achcar chama de “anti-imperialismo dos tolos” o apoio contemporâneo de forças progressistas à Rússia e seus aliados, como o Eixo da Resistência formado por Síria, Irã, Hezbollah e outras forças não estatais no Oriente Médio. Ele chama de neocampismo o alinhamento automático à oposição ao imperialismo estadunidense no cenário contemporâneo.

O debate entre Achcar e Alex Callinicos a respeito da natureza da Guerra da Ucrânia, por exemplo, revela as dificuldades enfrentadas pelos anti-imperialistas. Callinicos interpreta o conflito como um interimperial entre EUA/Otan e Rússia, com a Ucrânia servindo de proxy ocidental. Achcar entende como uma guerra direta entre o imperialismo russo e a resistência ucraniana, na qual EUA e Otan seriam aliados dos ucranianos na resistência à agressão neocolonial russa. Apesar das divergências, ambos concordam em que EUA, Rússia e China são Estados imperialistas. Isso, entretanto, não é unanimidade nas esquerdas globais.

Breno Altman entende a Rússia como uma nação capitalista que tem uma política externa anti-imperialista. Claudio Katz não vê a China como nação imperialista, embora a política externa do país esteja distante da solidariedade com as lutas por emancipação dos povos do Sul Global. Para Benjamin Fogel, as esquerdas globais falharam em reviver o espírito internacionalista de solidariedade global com os oprimidos que lutam por libertação na Guerra da Ucrânia, por causa do chauvinismo que colocou o conflito como um duelo entre a civilização euro-americana e o “despotismo asiático” de Putin.

William Shoki critica a política declarada de não alinhamento da África do Sul na Guerra da Ucrânia e a aproximação com Rússia e China diante da crescente disputa entre as grandes potências. Em vez de lutar por um novo mundo entre iguais sob um horizonte emancipatório, a política externa da África do Sul contemporânea representaria os anseios da burguesia nacional em conseguir um lugar melhor no tabuleiro global. Seria, portanto, um “anti-imperialismo para a classe dominante”, com o objetivo de consolidar seu domínio interno, diminuir a dependência ao investimento estrangeiro e trazer legitimidade para a ANC. Logo, o não alinhamento não condiz com os anseios da classe trabalhadora negra sul-africana, mas sim da elite política negra que tem buscado expandir seu poder econômico por meio de conexões internacionais. Para Shoki, o verdadeiro anti-imperialismo é aquele que vem desde baixo, construído a partir das experiências populares na luta contra a opressão internamente.

BRICS: anti-imperialismo ou subimperialismo?

O posicionamento das nações do BRICS em relação à Guerra da Ucrânia é revelador das contradições enfrentadas pelas elites nacionais do Sul Global. O Brasil, então governado pelo autoritário Jair Bolsonaro, apesar da simpatia por Putin, ficou do lado do bloco ocidental em votação na ONU que condenou a invasão russa. África do Sul, Índia e China ficaram próximas do bloco oriental. No artigo “The BRICS countries and the Russia-Ukraine conflict”, Laerte Apolinário e Giovana Branco argumentam que essa contradição entre os integrantes do BRICS na Guerra da Ucrânia significa a adoção de uma postura de “neutralidade pró-russa” que evitou o isolamento de Moscou. Mesmo o Brasil, o único a votar contra os russos, aumentou o comércio com o país, contribuindo para diminuir o impacto das sanções ocidentais.

23.08.2023 - Foto Oficial dos Líderes do BRICS | 23.08.2023 … | Flickr(Arquivo) Os líderes do BRICS (da esq. para a dir.): presidente Luiz Inácio Lula da Silva; presidente da República Popular da China, Xi Jinping; presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa; primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi; e o  ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, no Sandton Convention Centre, em Joanesburgo, África do Sul, em 23 ago. 2023 (Crédito: Foto Oficial/Foto: Ricardo Stuckert/PR)

O BRICS trouxe alguns elementos que caracterizaram o movimento terceiro-mundista na Guerra Fria, como o comércio Sul-Sul e uma solidariedade simbólica com a Questão Palestina. A Palestina foi o assunto mais mencionado nas Declarações de Cúpula do BRICS, mas sua articulação não buscava enfrentar diretamente a ordem regional sob a liderança dos EUA. Contudo, o avanço do imperialismo estadunidense e do colonialismo israelense a partir da Segunda Intifada (2000-06), que tornou a criação de um Estado palestino praticamente uma miragem, não significou a formação de uma frente anti-imperialistas no Sul Global, mas seu crescente isolamento. As nações do BRICS, exceto a África do Sul pós-Apartheid, tornaram-se grandes aliadas de Israel após a Guerra Fria, particularmente no comércio de segurança. Índia, China e Brasil estão entre os maiores parceiros comerciais de Israel.

Essa tendência se reforçou durante o governo Donald Trump. O republicano almejava fazer de seus principais parceiros no Oriente Médio, Israel e Arábia Saudita, os representantes dos interesses estadunidenses na região, sem necessidade do envolvimento militar direto dos EUA, mantendo, dessa forma, o controle sobre o acesso ao petróleo e a estabilidade regional. O objetivo passou a ser a construção de um Oriente Médio pós-estadunidense. Os Acordos de Abrão, de 2020, significaram um passo importante nessa direção. A mediação dos EUA na normalização das relações de Israel com Emirados Árabes Unidos (EAU), Bahrein, Sudão e Marrocos beneficiou parceiros estadunidenses na região, apesar de contradições em torno da Questão Palestina. Esta seria resolvida de forma unilateral por EUA e Israel, com o auxílio das nações do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), por meio do Acordo do Século, de 2020, que estabelecia a anexação israelense de parcelas da Cisjordânia em troca de autonomia e recursos financeiros aos palestinos.

O fato de os EUA abandonarem as reinvindicações dos palestinos não viu uma reação dura das nações do Sul Global. Brasil, Rússia, Índia e China mantiveram boas relações com Israel. Na melhor das hipóteses, as lideranças do Sul Global reproduziam o discurso do liberalismo internacional: defesa de dois Estados com respeito à segurança de Israel e ao direito de autodeterminação dos palestinos. Não se viam ações materiais para alterar a balança de poder em favor dos palestinos, como investimentos econômicos na Palestina ou boicote aos israelenses. Já lideranças de extrema direita, como Jair Bolsonaro, do Brasil, e Narendra Modi, da Índia, aproximaram-se de forma substancial de Israel e EUA.

BRICSEsse tipo de ação permite que autores como Patrick Bond, em “BRICS: An Anti-Capitalist Critique”, classifiquem o BRICS como bloco subimperialista, pois tende a reforçar, não desafiar, as relações de poder vigentes. O bloco assegura a estabilidade geopolítica a partir do interesse estadunidense, como nas ações militares do Brasil no Haiti, e da África do Sul, no Sudão do Sul. Esse posicionamento crítico a respeito do BRICS contrasta com a literatura que vê no BRICS um desafio à hegemonia dos EUA. Em relação ao Oriente Médio, parte da bibliografia vê o BRICS com capacidade de fortalecer um movimento contrahegemônico, e outros veem a atuação do bloco de forma mais conservadora. Eu concordo com Reginaldo Nasser e Gustavo Oliveira, em “The United States, Russia, and the Gulf Cooperation Council Countries: A New Regional Order in the Middle East?”, em que a crescente disputa entre EUA, Rússia e China no plano global tem permitido maior autonomia para as nações do Oriente Médio e também no restante do Sul Global.

Mudanças geopolíticas no Oriente Médio

A Guerra da Ucrânia, iniciada em janeiro de 2022, acentuou a transformação na ordem internacional. As sanções impostas pelos EUA à Rússia, apoiadas pela UE, não contaram com a adesão das nações do BRICS, do Oriente Médio e da maior parte do Sul Global. Como consequência, a Rússia se afastou da Europa e se aproximou da Ásia, em particular de China e Índia. O resultado foi a criação de um bloco geoeconômico oriental mais distante da influência do dólar. Como consequência da incerteza decorrente das disputas das grandes potências e das mudanças estruturais na direção de uma ordem internacional multipolar, os atores do Oriente Médio têm desempenhado maior autonomia. Em março de 2022, a China mediou a normalização das relações entre Arábia Saudita e Irã após anos de conflito entre os países. O acordo é fundamental para a expansão chinesa do seu projeto de infraestrutura, a Belt and Road Initiative (BRI), para o Oriente Médio. Isso permitirá o acesso facilitado da China aos mercados da região, particularmente do petróleo — o país já é o maior investidor estrangeiro entre os países do CCG.

Um caso paradigmático da crescente autonomia dos países do Oriente Médio aconteceu em julho de 2022, quando Biden voou até a Arábia Saudita para se encontrar com o príncipe herdeiro, Mohamed Bin Salman (MBS). Segundo Biden, os Estados Unidos buscariam “não deixar um vácuo no Oriente Médio para a Rússia ou a China ocuparem”. O presidente estadunidense foi solicitar o aumento da produção de petróleo para diminuir o preço da commodity no mercado global. MBS, entretanto, recusou. Os sauditas coordenaram com os russos na OPEC+, entre setembro e outubro de 2022, a redução da produção e o aumento dos preços do petróleo. A isso se somou a entrada da Arábia Saudita, EAU e Egito, além de Irã e Etiópia, para o BRICS+, o que aumentou o poder de barganha desses países em manter aliança com os EUA e reforçou sua capacidade de autonomia.

Isso afetou os planos estadunidenses de construir um Oriente Médio “pós-americano” por meio do estabelecimento de uma “Otan do Oriente Médio” para enfrentar o Irã e representar seus interesses, promover a normalização entre Israel e Arábia Saudita e construir o Corredor Econômico Índia-Oriente Médio-Europa (IMEC, na sigla em inglês), que irá passar pelos territórios de Índia, Arábia Saudita, EAU e Israel, para concorrer com o BRI chinês. É nesse contexto que acontece o ataque de 7 de outubro.

As ações do BRICS durante o genocídio em Gaza

Em novembro de 2023, o BRICS teve uma Reunião Extraordinária Conjunta para discutir os eventos em Gaza. O grupo decidiu condenar a agressão de Israel e expressou preocupação com a morte e o deslocamento em massa de civis palestinos. A falta de uma declaração conjunta possivelmente se deve à divergência da Índia com os demais integrantes do grupo. Modi manteve seu apoio a Israel, apesar do escalonamento da brutalidade israelense em Gaza. Embora esteja alinhada à Rússia na Guerra da Ucrânia, a Índia tem se posicionado com o campo ocidental quando o assunto é o Oriente Médio. Os indianos são os integrantes do BRICS que mais têm a perder com o rompimento com Israel e EUA na região: Israel é o maior fornecedor de tecnologia de segurança para a Índia, e Modi ainda vislumbra no IMEC um caminho para sua ascensão como grande potência sem depender dos chineses, de quem discorda em diversas questões políticas e de fronteira.

A Rússia foi o país que assumiu uma postura mais radical em defesa do cessar-fogo “imediato” no Conselho de Segurança da ONU (CSONU) nas primeiras semanas após o ataque, vetado pelos EUA. A Rússia acusou Israel de violar o direito internacional humanitário, e o embaixador russo no CSONU afirmou que “[o]s Estados Unidos têm total responsabilidade por cada vítima do conflito em Gaza, depois de vetarem um pedido de cessar-fogo”. O genocídio em Gaza consolidou o afastamento entre Rússia e Israel iniciado na Guerra da Ucrânia, com os russos usando a oposição a Israel como uma forma de continuar a se contrapor aos EUA.

Security Council Extends Mandate of UN Peacekeeping Force … | Flickr(Arquivo) Conselho de Segurança da ONU, em Nova York, em 30 jan. 2024 (Crédito: UN Photo/Eskinder Debebe)

A China demonstrou, por sua vez, uma posição mais moderada do que a russa. O presidente Xi Jinping inferiu que Israel estivesse cometendo crimes de guerra em Gaza e se negou a chamar a ação do Hamas de “terrorista”. Durante a presidência da China do CSONU, em novembro de 2023, os chineses defenderam o cessar-fogo e um plano com medidas “concretas” para uma solução de dois Estados Palestina/Israel, mas o plano chinês não especificava quais ações seriam necessárias, nem qual seria o desenho final pretendido para os dois Estados. Embora tenham assumido posições críticas a Israel e aos EUA, China e Rússia estão distantes de ter grande influência para conter o prosseguimento do genocídio em Gaza, que tem nos EUA o verdadeiro protagonista. Os pedidos russo e chinês por uma conferência de paz não tiveram repercussões.

A África do Sul é o país que tem apresentado uma posição mais combativa à aliança imperialista EUA-Israel. O país foi um dos primeiros a romper relações com Israel, com amplo apoio de parlamentares e da sociedade sul-africana. Diante da incapacidade da comunidade internacional de interromper o genocídio israelense em Gaza, mesmo depois de uma trégua de sete dias em novembro de 2023, a África do Sul levou à Corte Internacional de Justiça (CIJ), em dezembro de 2023, uma petição pedindo julgamento de Israel por cometer genocídio em Gaza. A petição foi aceita em 26 de janeiro. Os juízes determinaram que Israel suspenda as agressões aos palestinos como grupo, assegure ajuda humanitária e preserve evidências. Contudo, Israel não tem respeitado as determinações da CIJ.

O Brasil presidiu o CSONU nas semanas seguintes aos ataques de 7/10, o que ofereceu certo destaque para sua diplomacia na elaboração de resolução, pedindo uma “pausa humanitária”. A resolução foi vetada por duas vezes pelos Estados Unidos. Ainda em outubro, o presidente Lula foi uma das primeiras lideranças globais a classificar o que vemos em Gaza como um genocídio, além de chamar a ação do Hamas de “terrorista”. As declarações de Lula se transformaram em ação efetiva em janeiro de 2024, quando apoiou a petição sul-africana em Haia. O Brasil foi o único membro-fundador do BRICS a apoiar o pleito da África do Sul — Irã, Arábia Saudita, EAU e Egito também apoiaram, por meio de posicionamento favorável da Organização para a Cooperação Islâmica (OCI). Em fevereiro de 2024, depois de Lula comparar o que está acontecendo em Gaza com o genocídio nazista contra os judeus, os israelenses declararam o presidente brasileiro persona non grata e chamaram o embaixador brasileiro em Tel Aviv às falas. Em resposta, o Brasil convocou seu embaixador de volta.

Solidariedade do BRICS com os palestinos: anti-imperialismo?

O rompimento da África do Sul e o afastamento de Brasil, Rússia e China, além do posicionamento crítico de nações do Oriente Médio que vinham se aproximando de Israel, como Egito, Jordânia, Turquia, Arábia Saudita, EAU, Marrocos e Bahrein, demonstra como há mais possibilidade de autonomia para assumir posição crítica à aliança imperialista EUA-Israel. A incapacidade das sanções à Rússia terem surtido o efeito esperado pelos EUA e a formação de um polo econômico sólido na China permitem aos atores do Sul Global perseguirem uma política externa autônoma sem temerem retaliações por parte do bloco ocidental.

O pleito da África do Sul na CIJ serviu como uma arena de confronto à aliança entre Israel e EUA, com capacidade de ter um impacto efetivo sobre o genocídio em Gaza, diante do imobilismo da comunidade internacional. Os sul-africanos demonstram na CIJ a capacidade de instrumentalizar o direito humanitário internacional, originalmente elaborado para proteger os interesses das grandes potências, em uma arma de confronto à ordem hegemônica. Por essa razão, entendemos a ação sul-africana na CIJ, e o apoio das demais nações a ela, como uma questão de ordem anti-imperialista. Por ser um país que passou por um processo de descolonização e estabelecimento de um sistema político democrático, liderado por movimentos que protagonizaram a luta contra o Apartheid, a África do Sul é o único país capaz de desempenhar uma política anti-imperialista em relação à Questão Palestina.

Contudo, não é possível afirmar que as demais nações do BRICS assumiram, também, uma posição anti-imperialista em relação à Questão Palestina. O Brasil manteve suas relações militares com Israel, apesar da destruição vista em Gaza e das críticas de Lula. A Rússia demonstrou uma posição de desafio aos EUA e a Israel, mas não de confronto. A China, apesar de simpática à resistência palestina, não parece estar disposta a correr riscos em prol da sua libertação. A permanência da normalização com Israel por parte de EAU, Bahrein, Marrocos, Sudão, Jordânia e Egito é outra demonstração do limite para uma solidariedade por parte das elites do Oriente Médio.

O posicionamento das elites russas, chinesas, indianas, brasileiras e árabes demonstra, portanto, que esses grupos não estão dispostos a sacrificar seus objetivos nacionais às custas da Questão Palestina. Na prática, o pragmatismo e o nacionalismo desses países falam mais alto do que as vidas palestinas.

 

* Bruno Huberman é professor de Relações Internacionais da PUC-SP. Pesquisador do INCT/INEU e do Grupos de Estudos de Conflitos Internacionais (GECI) da PUC-SP. Autor de Colonização Neoliberal de Jerusalém (EDUC). Contato: bruno.huberman@gmail.com.

** Este texto é parte do artigo “BRICS and Anti-Imperialismin the Palestine-Israel Question” para o painel “Conjunctural Crisis: Imperialism, Anti-imperialism, and the Structure of World Order – Part Two”, apresentado na 65ᵃ Convenção Anual da International Studies Association (ISA) ocorrida em São Francisco, nos EUA, em 2024. A participação do autor foi parcialmente custeada pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU).

*** Primeira revisão: Simone Gondim. Contato: simone.gondim.jornalista@gmail.com. Segunda revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 24 abr. 2024. Este Informe OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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