América Latina

Cuba e terrorismo: algumas das pautas em ano de eleição na suposta ‘Terra da Democracia’

Bandeiras cubanas (Crédito: Elemaki/José Porras/Wikimedia)

Por Lucas Barbosa* [Informe OPEU]

Se procurarmos pelo significado de “terrorismo” no Merriam-Webster, o mais antigo e respeitado dicionário dos Estados Unidos, teremos: “o uso sistemático do terror, especialmente como meio de coerção”. Tratando-se de política, e da política externa estadunidense em particular, sabemos que uma definição sintética de um fenômeno tão complexo quanto o terrorismo tem suas limitações.

Voltemo-nos, então, para o entendimento do FBI sobre terrorismo, a linha de frente dos Estados Unidos nesta matéria. Ele se divide, assim como é um consenso em todo o mundo hoje, em doméstico e internacional. O doméstico consiste em: “Atos violentos e criminosos cometidos por indivíduos e/ou grupos para o avanço de objetivos ideológicos decorrentes de influências domésticas, tais como aquelas relacionadas à política, à religião, a questões sociais, raciais ou de natureza ambiental”. Já o internacional, que seria mais pertinente para a discussão a seguir, é assim definido: “Atos violentos e criminosos cometidos por indivíduos e/ou grupos que são inspirados por, ou associados a, organizações ou nações estrangeiras”.

Country Reports On Terrorism 2022 V3 - United States Department of StateA ideia de que, para além das ameaças internas, o terrorismo também pode ser autorizado por um Estado inimigo do povo estadunidense é o que motiva, em 1979, a criação da lista de Estados Patrocinadores do Terrorismo. Tal classificação, que hoje inclui Cuba, Coreia do Norte, Irã e Síria, é feita anualmente pelo Departamento de Estado e requerida por lei. Uma segunda lista, também elaborada pelo Departamento de Estado e prevista em lei, concentra-se em “Estados não inteiramente comprometidos” com os esforços antiterroristas dos Estados Unidos. Esta, que é entregue ao Congresso, é composta por Coreia do Norte, Irã, Síria e Venezuela e, até recentemente, contava também com Cuba.

Como o governo anunciou no dia 15 de maio, a ilha caribenha foi removida da lista de Estados que não combatem o terrorismo, o que virou notícia e gerou reações escandalosas de políticos republicanos. Tomando como exemplo Carlos A. Giménezes (R-FL), o congressista pelo estado da Flórida defendeu em caixa alta, à moda do partido, a permanência de Cuba na lista de Estados Patrocinadores do Terrorismo em seu perfil no X (antigo Twitter) – apesar de o país não ter saído desta lista e de o Departamento de Estado não mencionar tal possibilidade. Giménez também acusou o governo cubano de ser uma “ditadura”, um “pária”, um “aliado” dos espantalhos internacionais usuais do discurso político estadunidense quando se trata de política externa.

Desde o início dos anos 1990, a força motriz por trás de toda política nacional em Cuba se dedica a contornar as difíceis circunstâncias econômicas e sociais engendradas pelo bloqueio imposto pelos Estados Unidos. Assim como muitos países no mundo após a pandemia da covid-19, mas em nível mais grave, Cuba vive uma crise em múltiplas frentes, comparável aos anos sombrios que se sucederam ao fim da União Soviética. Além disso, Cuba enfrenta o maior número de cidadãos emigrando para os Estados Unidos desde que a ilha se voltou para o socialismo em 1959: mais de 530 mil cubanos nos últimos dois anos. Basicamente, Cuba mal pode se sustentar sozinha. Baseada nesses fatos, uma análise mais sensata do potencial terrorista do Estado cubano não pode chegar a qualquer conclusão que não seja o diagnóstico de sua inexistência.

Nos termos estabelecidos pelo próprio FBI, seria uma ilusão acreditar que o governo de Miguel Díaz-Canel teria recursos para se envolver em práticas terroristas, e não existe qualquer registro desse tipo que possa levantar suspeitas. O mesmo não pode ser dito sobre inúmeras ações dos Estados Unidos em Cuba, no Vietnã, no Chile… Uma declaração do Ministério das Relações Exteriores de Cuba resume bem: “A verdade clara e absoluta é que Cuba não apoia o terrorismo, mas tem sido vítima dele, inclusive do terrorismo de Estado”.

Além disso, devemos frisar que a permanência de Cuba no conjunto de “Estados Patrocinadores do Terrorismo” é, por si só, uma contradição grande o suficiente para colocar em xeque a legitimidade de tais iniciativas. Se o Departamento de Estado agora reconhece Cuba como uma nação que colabora para o combate ao terrorismo, como é possível que, ao mesmo tempo, ela o promova? Como se justifica a presença de um país em uma lista e sua ausência na outra? Voltando para o pronunciamento: “Eles [o governo dos Estados Unidos, o Departamento de Estado, a CIA e o FBI] têm plena consciência do quão prejudiciais são para a economia cubana as sanções, ações e o efeito intimidador que recaem automaticamente sobre qualquer Estado que é incluído em tal lista, independentemente de qual seja a verdade”.

Pode-se interpretar que o movimento feito pelo Departamento de Estado em maio signifique um primeiro esforço do presidente democrata Joe Biden em direção à retirada de Cuba também da lista de “Estados Patrocinadores do Terrorismo”. Muitos dos republicanos mais sensíveis ao assunto parecem seguir essa mesma linha de raciocínio, como a congressista María Elvira Salazar (R-FL): “Esta última manobra é, sem dúvida, outro sinal de que a administração Biden está abrindo caminho para remover Cuba da lista de Estados Patrocinadores do Terror. […] A Casa Branca está sendo ingênua ou é ativamente cúmplice do regime Castro/Díaz-Canel”.

Congresista María Elvira Salazar criticó las respuestas 'marxistas' que le dio el presidente Petro; lo comparó con varios dictadores(Arquivo) María Elvira Salazar (Fonte: Print do canal da representante no YouTube)

A realidade pode ser mais complexa do que isso. O argumento de Salazar ignora que Biden está em seu último ano de mandato, e somente agora sua administração está demonstrando algum tipo de melhora no que diz respeito ao relacionamento com Cuba – permitindo, até mesmo, que o setor privado do país tenha acesso ao sistema bancário estadunidense. Uma das promessas de campanha do atual presidente era reverter o recrudescimento das sanções à ilha caribenha durante o governo de Donald Trump, o que até agora não foi feito completamente, e muito menos à altura da situação dramática que se desenrola em Cuba. Essa demora é, inclusive, um ponto de cisão dentro do Partido Democrata.

Nesse sentido, Carlos Eduardo Martins, professor do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), analisa que a decisão de Biden nada mais é do que uma estratégia de ganhar o voto dos democratas progressistas mais descontentes e de latinos (um lobby já crítico nos Estados Unidos há algumas décadas, principalmente na Flórida). Dado o que foi discutido até aqui, o artigo adicionaria que a reação republicana inflamada é, também, parte do jogo eleitoral, buscando atrair votos da ala mais conservadora do partido e da população imigrante cubana anticastrista. No meio do fogo cruzado, apesar de estarem em outro país, ficam 11 milhões de pessoas.

 

Leia mais do autor no OPEU

Informe “Trinta anos de crise: o embargo dos Estados Unidos a Cuba na Assembleia Geral da ONU”, 26 jun. 2023

Informe “Algumas notas sobre o triângulo Guiana, EUA e China”, 3 jun. 2024

Informe “O internacionalismo de Malcolm X”, 22 fev. 2024

Informe “Chile, 11 de setembro de 1973: o elefante na sala dos Estados Unidos”, 12 set. 2024

 

* Lucas Barbosa é mestrando em Ciência Política pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (PPGCP-UNIRIO). Graduado em Relações Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais e Defesa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IRID-UFRJ), cobre a área de relações Estados Unidos-América Latina como pesquisador colaborador do OPEU. Contato: lucasmbar@gmail.com.

** Revisão e edição finais: Tatiana Teixeira. Recebido em 5 jun. 2024. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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