Política Doméstica

Think tanks, lobbies e política nos EUA

Crédito: Esther Aarts/TruePublica

Por Tatiana Teixeira* [Informe OPEU]

Capitol Idea: Think Tanks and U.S. Foreign Policy (English Edition) -  eBooks em Inglês na Amazon.com.brDiferentemente dos Comitês de Ação Política (PACs, na sigla em inglês) e dos SuperPACs, que usam suas doações às campanhas eleitorais nos Estados Unidos, sobretudo a corrida presidencial, como elemento de pressão sobre políticos e suas plataformas e prioridades, os think tanks são proibidos por lei de adotarem essa mesma prática. Enquanto estes institutos produzem pesquisa, divulgam, defendem e trabalham com, em tese, o que consideram ser do interesse nacional, grupos de interesse ou advocacy se voltam para os interesses particulares de seus integrantes, ou, no caso dos lobbies e dos grupos de pressão, de seus clientes e mantenedores, como afirma o professor Donald Abelson (Western University, Canadá) no livro Capitol Idea: Think Tanks & US Foreign Policy (McGill-Queen’s University Press, 2006).

Embora a pesquisa não seja a principal atividade destes grupos, eles investem cada vez mais nesse segmento, cooptando especialistas, para ganharem credibilidade sob o manto do cientificismo. Assim, do mesmo modo que integrantes de think tanks (estes, nem sempre mas muitas vezes, ideólogos com fortes vínculos com um ou outro governo), preparam e distribuem estudos e relatórios, publicam artigos de opinião em jornais de grande circulação, participam de hearings no Congresso e dão entrevistas a rádios e emissoras de televisão. É uma dinâmica que contribui para estreitar cada vez mais o já frágil limite conceitual e de atuação entre essas diferentes instituições. O problema disso é que se torna menos claro quem está por trás de uma determinada agenda, campanha, proposta de programa e o por quê.

Trata-se de uma questão perene em qualquer debate sobre os think tanks – acentuado após a década de 1970 e o surgimento de instituições com perfil mais advocacy, como a Heritage Foundation – e sobre outras organizações de mesma natureza: o de saber quais são os interesses que não estão manifestos, tanto na política doméstica quanto na externa.

Além das campanhas eleitorais, PACs e SuperPACs também podem fazer doações a think tanks, o que pode levar à prática (consciente, ou não) de autocensura por parte dos pesquisadores. Insidiosa, a autocensura é difícil de ser observada, verificada e medida e pode causar graves danos à qualidade do material produzido, exacerbando a precariedade e/ou tendência nas análises. Em um contexto que remete ao conceito de group think, membros desses institutos adeririam ao consenso, aceitando e se encaixando em uma certa cultura organizacional, em detrimento de suas próprias ideias e/ou de posições políticas.

Em geral, os think tanks são criados para fornecer expertise em um amplo leque de áreas dentro de uma visão multidisciplinar, e não para tratar de questões específicas de maneira permanente. Enquanto os grupos de interesse buscam ampliar cada vez mais seu número de membros, como indicador de representatividade e também como mais um fator de pressão, os think tanks têm uma ligação menos direta com o público e não tentam servir como mediadores entre sociedade e governo – e sim entre a comunidade acadêmica e o governo, ou entre os próprios órgãos do Executivo e no âmbito legislativo.

Classificados pelo Internal Revenue Service (IRS, equivalente à Receita Federal brasileira) como organizações do tipo 501(c)(3), os think tanks são “proibidos de participarem e de intervirem, de maneira direta e indireta, em qualquer campanha política em nome de (ou em oposição a) qualquer candidato a cargo eletivo público”. Ainda de acordo com as informações disponíveis no site institucional, atividades no âmbito eleitoral são permitidas somente com função educativa e de caráter apartidário, como no caso da apresentação de fóruns públicos e da publicação de guias de “educação eleitoral”. Isso significa que contribuir para a arrecadação de fundos de campanha, ou fazer declarações públicas (verbais, ou por escrito) nesse sentido, violam as regras dispostas no IRS, podendo levar à negação ou à revogação do status de isenção fiscal e à imposição de multas.

Internal Revenue Service building - Washington DC - 2012 | FlickrPrédio do IRS, em Washington, D.C. (Crédito: Tim Evanson/Flickr)

Linhas vermelhas para a ação dos think tanks

As organizações incluídas nesta seção (charitable organizations) também estão proibidas de funcionar como Action Committees e de operar em favor de interesses particulares, e sua receita não pode ser revertida para nenhum indivíduo, ou acionista. Enfrentam ainda restrições quanto à intensidade de atividade política e legislativa (lobby) que podem realizar – desde que não seja sua principal atividade. Entre os critérios estabelecidos para saber se o lobby é uma atividade “considerável” para a organização, o IRS cita o tempo e o volume de recursos dedicados a ele. Como explica o IRS, cuja imprecisão abre espaço para interpretações e atuações no limite do permitido, “uma organização 501(c)(3) pode se envolver em algum lobbying, mas lobbying excessivo pode levar à perda do status de isenção fiscal [negritos meus]”.

Em relatório publicado na página do IRS, John Francis Reilly e Barbara Allen explicam que a tentativa de influenciar a atividade legislativa inclui não apenas lobby, mas qualquer pesquisa e atividades preparatórias com a proposta de fazer, ou apoiar, uma comunicação de lobby. Entre os fatores que poderão determinar se isso acontece, estão se a atividade legislativa e o lobby estão próximos no tempo; se ambos dizem respeito ao mesmo tema e se a atividade foi apresentada a pedido, ou em benefício, de alguém que faz lobby e, se no momento em que a organização se envolve na atividade, há uma legislação específica sendo tratada.

Já por atividade legislativa, deve-se entender qualquer ação por parte do Congresso Nacional, assembleia ou conselho local, ou outro órgão governante, em relação a leis (acts), projetos de lei (bills), resoluções e itens de mesma natureza, como confirmação legislativa de cargos indicados pelo presidente, ou por parte do público, em relação a referendos, iniciativas eleitorais, emenda constitucional, ou procedimento similar. Não inclui ações promovidas pelo Executivo, Judiciário, ou outro órgão administrativo. A tentativa de “influenciar legislação” se caracteriza pelo contato, ou pelo estímulo ao público para fazer contato, com membros de um corpo legislativo, ou funcionários dessa casa, para propor, apoiar, ou ser contra uma dada legislação, ou se a organização defender a adoção ou a rejeição de uma legislação.

Lobby nos EUA e seus limites

Nos Estados Unidos, a Lei Federal de Regulamentação do Lobby, de 1946, ajudou a institucionalizar a prática. Foi substituída pela Public Disclosure Act, em 1995, que estendeu os dispositivos da lei aos contatos entre os lobistas e a administração pública. O texto de 1946 previa apenas os contatos com o Congresso. Para atuar, os lobistas devem estar registrados no Senado e na Câmara de Representantes (Câmara dos Deputados, no Brasil) e informar para quem trabalham, questões e projetos de lei com os quais estão envolvidos e quais agências federais estão sendo abordadas por eles.

National Museum of American History

Capa da TIME: Abramoff, ‘O homem que comprou Washington’

A repercussão do “escândalo Abramoff” – em referência ao lobista ligado ao republicano Jack Abramoff, condenado à prisão em 2006 por conspiração, fraude e sonegação de impostos – levou à aprovação da Honest Leadership and Open Government Act, de 2007. A nova legislação incorporou emendas à lei de 1995 e ampliou o tipo de informação sobre a atividade de lobby no Congresso que deve ser divulgada e a frequência com que isso deve acontecer. Segundo notícias da imprensa americana, muitos lobistas têm preferido agir como consultores, assessores, ou conselheiros estratégicos, além de intensificarem sua sobreposição de papéis com outras instituições, como os de especialistas em think tanks, para não serem obrigados a se registrar e a divulgar mais informações do que talvez queiram.

No caso de “lobby externo”, os grupos pagos por governos estrangeiros devem se registrar como “agentes estrangeiros” no Departamento de Justiça, conforme a Foreign Agents Registration Act (FARA). Essa lei federal de 1938 foi aprovada para monitorar a atividade estrangeira e, sobretudo, na época, para combater a propaganda nazista no país. Os lugares de interesse e onde há mais brechas para atuar são, basicamente, os mesmos: Casa Branca, Congresso, conflito entre as agências e os partidos Republicano e Democrata.

No artigo “Diplomacy, Inc.: The Influence of Lobbies on U.S. Foreign Policy”, publicado em 2009 na revista Foreign Affairs, John Newhouse parte de uma abordagem crítica da ação dos lobbies – mais especificamente, daqueles que atuam para governos estrangeiros –, que refleteria “o declínio constante e privatização da diplomacia”. Ele explica: diante do gigantismo da estrutura do governo americano, apenas insiders conseguem ter acesso e resultados. Segundo Newhouse, “os lobbistas podem operar dentro do sistema de formas que diplomatas experientes não podem”.

Após a série de escândalos na gestão de George W. Bush, ao tomar posse, o presidente Barack Obama sancionou a Executive Order 13490, instituindo regras mais estritas para essa prática (Revolving Door Ban) por parte dos nomeados a cargos de confiança no alto escalão de seu governo. Entre elas, está a proibição de participar, por um período de dois anos a contar da nomeação, de qualquer assunto que esteja “direta e substancialmente” relacionado ao emprego anterior, ou a antigos clientes, incluindo contratos e regulações nos respectivos setores. No caso dos que foram registrados como lobistas até dois anos antes da nomeação, além das limitações já descritas, determina-se que, por um intervalo de dois anos após a posse, o funcionário não se envolva com qualquer questão, ou trabalhe em agências do Executivo, vinculadas à sua atividade de lobby.

Essa não é a realidade no nível estadual, em que alguns estados mantêm uma legislação mais frouxa sobre essa atividade. Isso significa uma prestação de contas ao governo e à sociedade que deixa aparecer somente o que é conveniente – se e quando for –, omitindo o registro de informações sobre quem atua como lobista, quanto recebe, e/ou quem paga por seu serviço.

Valor recorde em 2023 e gastos crescentes

De acordo com um relatório divulgado em janeiro deste ano pelo OpenSecrets, que se identifica como “o principal grupo de pesquisa do país que rastreia o dinheiro na política dos EUA e seu efeito nas eleições e nas políticas públicas”, “os gastos com lobby federal dispararam para mais de US$ 4,2 bilhões em 2023 – um recorde nominal”. No Congresso americano, entre os principais alvos dos lobistas estiveram a Lei de Autorização de Defesa Nacional e o orçamento das principais agências federais. Segundo o texto, desde 2015, lobistas registrados nos níveis estadual e federal informaram gastos combinados de mais de US$ 46 bilhões. E esses gastos não param.

A transparência sobre a atividade de lobby é uma questão importante que não perde sua atualidade. Em especial neste ano eleitoral, no qual um dos (pré-)candidatos, o republicano Donald Trump, é conhecido por sua relação direta com alguns dos mais poderosos do país, como a National Rifle Association (NRA), e por seu apreço mínimo por uma cultura de accountability. Mesmo após chegar à Presidência, Trump se negou, reiteradamente, a divulgar sua declaração de renda, além de ser alvo de acusação de maquiagem contábil em seus negócios.

 

Conheça alguns dos textos da autora publicados no OPEU

Informe “Colégio Eleitoral nos EUA: um sistema obsoleto que resiste à mudança dos tempos e da sociedade”, 28 de maio de 2024

Informe “Lula e Biden: uma relação com ganhos e (novos) limites para Brasil e EUA”, 11 fev. 2023

Informe “A carta de Biden”, 21 mar. 2021

Informe “O legado do senador republicano Mitch McConnell”, 30 out. 2020

Informe “Think tanks e política nas eleições de 2020 nos EUA”, 15 dez. 2019

Informe “A bilionária e feroz propaganda eleitoral nos EUA”, 17 nov. 2019

Informe “Think tanks americanos e a desigualdade de gênero”, 29 out. 2019

Informe “Racismo, economia e o voto negro para 2020”, 13 set. 2019

Informe “Bolsonaro cede a Trump sem reciprocidade e com contrapartida mínima”, 23 mar. 2019

Informe “Mattis, Kelly, McMaster e Tillerson: todos os ‘adultos’ saíram da sala”, 28 dez. 2018

Informe “Vitória democrata na Câmara, alta participação e diversidade marcam midterms”, 23 nov. 2018

Informe “Heritage Foundation, o think tank de Trump”, 16 out. 2018

Informe “Trump na ONU: America First e a rejeição do globalismo”, 1º out. 2018

Informe “Morte de McCain enfraquece oposição a Trump”, 30 ago. 2018

Informe “Radicalização política nas midterms”, 22 ago. 2018

Panorama EUA “NRA: em ano eleitoral, Trump prestigia generoso lobby das armas”, maio 2018

Informe “Senado confirma Pompeo, ex-CIA, no Departamento de Estado”, 4 maio 2018

Informe “Ultraconservador Freedom Caucus quer Presidência da Câmara”, 20 abr. 2018

Informe “O Estado da União de Trump e o discurso da primazia”, 4 fev. 2018

Informe “Vitória em NJ e VA anima democratas para 2018”, 17 nov. 2017

Informe “Polêmico, ultraconservador Steve Bannon deixou governo Trump em agosto”, 14 nov. 2017

Informe “Comey, Spicer, Priebus, Scaramucci: qual será a próxima demissão de Trump?”, 3 ago. 2017

Panorama EUA “Os Efeitos da NSA nos Debates Domésticos e na Política Internacional”, 8 out. 2013

Panorama EUA “Os Estados Unidos e a ameaça à Segurança Cibernética”, 9 ago. 2013

 

Tatiana Teixeira é pesquisadora de Pós-Doutorado (INCT-INEU/CNPq) e editora-chefe do Observatório Político dos Estados Unidos (OPEU). Contato: professoratatianateixeira@outlook.com.

** Este Informe OPEU é uma parte adaptada e atualizada da tese de doutorado intitulada “Os think tanks na Política Externa Americana para o Brasil”, defendida pela autora em 2015, no Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp/Uerj), sob orientação do prof. Cesar Guimarães. Seu conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

*** Sobre o OPEU, ou para contribuir com artigos, entrar em contato com a editora do OPEU, Tatiana Teixeira, no e-mailprofessoratatianateixeira@outlook.com. Sobre as nossas newsletters, para atendimento à imprensa, ou outros assuntos, entrar em contato com Tatiana Carlotti, no e-mailtcarlotti@gmail.com.

 

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