Repercussões e desafios da campanha eleitoral de Trump após veredicto de ‘culpado’ de 34 acusações
Crédito: Mark Peterson/Redux
Por Lauro Henrique Gomes Accioly Filho e Tatiana Teixeira* [Informe OPEU]
Após 12 horas de deliberação, um júri de Manhattan considerou Donald Trump culpado das 34 acusações de falsificação de registros comerciais. Este veredicto assume um papel histórico. Além de Trump se tornar o primeiro ex-presidente americano a ser condenado na Justiça, é o primeiro candidato presidencial de um grande partido a ser condenado por um crime no meio de uma campanha para a Casa Branca. Este julgamento não o impede, porém, de ser novamente eleito presidente. Caberá, portanto, aos eleitores em novembro decidir o significado do veredicto de culpa proferido. Diante deste cenário, a indagação que emerge é se sua liderança política será abalada.
Alerta na emissora favorita de Trump: “considerado culpado de todas as 34 acusações” (Fonte: Print da CNN em matéria sobre a cobertura da FOX News)
Durante, aproximadamente, quatro semanas, o júri ouviu 22 testemunhas depondo no tribunal criminal de Manhattan. Outras evidências também foram analisadas. Entre elas, registros telefônicos, faturas e cheques para Michael Cohen, o então advogado pessoal de Trump que pagou US$ 130.000 à atriz de filmes adultos Stormy Daniels, em 27 de outubro de 2016, por seu silêncio por seu affair com o republicano em 2006. A história ganhou peso, quando Stormy anunciou ter tido relações íntimas com Trump em 2006 e que recebeu dinheiro para permanecer calada sobre isso antes da eleição presidencial de 2016, da qual o candidato saiu vencedor.
O caso veio à tona quando, em 2018, Michael Cohen foi condenado a três anos de prisão, após se declarar culpado de várias acusações federais, incluindo violação da lei de financiamento de campanha eleitoral. Cohen, agora um desafeto de Trump, afirmou que os pagamentos foram feitos “a pedido” de seu então chefe e foram projetados para evitar influenciar negativamente as eleições. Um elemento perturbador foi a alegação de Stormy Daniels de que desmaiou e acordou sem roupa, depois de um encontro com Donald Trump.
Em vista disso, o julgamento reside sobre o reembolso que Trump fez a Cohen (foto à dir.), ainda como seu advogado pessoal. O agravamento da situação se dá porque, inicialmente, Trump negou ter conhecimento dos pagamentos e, mais tarde, admitiu que reembolsou Cohen pelo valor entregue a Stormy Daniels. A principal questão legal gira em torno de se esses pagamentos constituem uma violação das leis de financiamento de campanha, pois poderiam ser considerados como uma contribuição não declarada e ilegal para a campanha presidencial de Trump.
Apesar de os pagamentos de “hush Money” (suborno, ou dinheiro pago para comprar o silêncio de alguém) não serem ilegais, o Escritório do Procurador Distrital de Manhattan alega que Donald Trump cometeu um crime, ao informar indevidamente o destino do dinheiro com o qual reembolsou Cohen, registrado como “despesas legais”. Além disso, foi acusado de falsificar os registros comerciais para ocultar um segundo crime: uma violação da lei eleitoral estadual. No total, o ex-presidente é acusado de 34 crimes de falsificação de registros comerciais em primeiro grau.
Reações políticas ao veredicto
A repercussão dentro do Partido Republicano, quase unanimemente, é de que o julgamento foi de caráter político. Muitos expressam críticas densas ao sistema jurídico estadunidense, como fizeram o presidente da Câmara de Representantes (Deputados), Mike Johnson; o senador de Ohio, JD Vance (R-OH); e o representante de Louisiana, Steve Scalise (R-LA). Logo após a leitura do veredicto, os republicanos, anteriormente divididos em relação ao apoio ao seu (pré-)candidato presidencial, uniram-se para atacar, com poucos detalhes específicos, o juiz, o júri e o presidente Joe Biden. Importante ressaltar que a condenação ocorreu em um tribunal estadual em Manhattan, em Nova York, em que Biden não tem poder de decisão sobre os acontecimentos.
A voz dissonante entre os correligionários foi a do ex-governador de Maryland Larry Hogan, que preferiu expressar o respeito ao processo legal instituído. Conforme descrito em sua mensagem publicada no X, antigo Twitter, seu comentário acerca da condenação foi de não estimular um partidarismo tóxico, pois não há indicações de fraude do julgamento.
Neste cenário que recebe novos retoques da onda de suposições conspiratórias às instituições democráticas, percebe-se um aumento de estímulos para descrença nos regimes democráticos, conforme já indicava Manuel Castells em sua obra Ruptura: A crise da democracia liberal (Zahar/Cia das Letras, 2018). Este fenômeno é observado por nítidas práticas de líderes políticos que exploram o descontentamento público para benefício eleitoral e consolidação de suas agendas e interesses, insinuando que as instituições democráticas são corruptas, ineficazes, ou controladas por elites.
Um exemplo é a declaração do senador da Carolina do Sul Lindsey Graham (R-SC), um dos aliados mais frequentes de Trump, para quem o veredicto diz mais sobre o sistema do que as alegações em si. Seu comentário deixa nítida uma suposição contra um establishment corrompido, na mesma linha da retórica inflamada de Trump.
Em In the Ruins of Neoliberalism (Columbia University Press, 2019), a professora de Ciência Política Wendy Brown (Universidade da Califórnia/Berkeley) afirma que Donald Trump tem um papel avassalador na polarização política dos Estados Unidos, buscando, pretensamente, encarnar o lugar de potencialização daqueles que se consideram marginalizados e esvaziados de representatividade na cena política. Essa conjuntura atribuiu grande peso a sua campanha de 2016, sobretudo, por suas retóricas de higienização política, cujos discursos conspiratórios e aversivos foram mecanismos-chave da estratégia eleitoral. Como se pode acompanhar pelo noticiário americano e outros meios, tal dinâmica continuou em curso, acelerou-se e ganhou cores ainda mais fortes.
Neste primeiro momento, observa-se que a condenação está tendo um efeito de natureza mais unificante e galvanizadora no partido do que o contrário, a favor de Trump. Mesmo aqueles que haviam se distanciado da polêmica figura na esteira do ataque e invasão de seus apoiadores ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021, agora se manifestam contra a decisão do julgamento. É o caso do senador do Texas John Cornyn (R-TX).
Eleitores no papel de júri e juiz
Doug Schoen, consultor político do governo Bill Clinton (1993-2001) e que atuou durante o caso da estagiária Monica Lewinsky, envolvendo acusações de assédio sexual contra o então presidente democrata, também se pronunciou sobre o julgamento. Para ele, a condenação pode beneficiar sua candidatura à Casa Branca, visto que Trump pode reforçar sua imagem de combatente do establishment e atrair mais apoio da base republicana, aumentando sua popularidade entre os eleitores que veem as instituições tradicionais como corruptas, falidas, inúteis e inoperantes. Além disso, Trump já conta com uma base de apoio sólida que tende a permanecer leal a ele, independentemente dos resultados dos julgamentos.
Neste sentido, a condenação de Donald Trump indica um fortalecimento de seus mecanismos narrativos para reforçar a retórica de que há uma perseguição à sua figura. Especialmente, porque a reação das pessoas em relação a seu julgamento se encontra polarizada. Enquanto alguns partidários de Trump continuam a apoiá-lo e a questionar a justiça do veredicto, outros observadores veem a condenação como uma validação das acusações contra ele.
O professor Leonardo Nelmi Trevisan (ESPM) ressalta, contudo, que os documentos falam mais forte do que as opiniões. Embora a Constituição permita que ele tome posse mesmo após a condenação, há ainda quatro processos importantes em curso contra Trump. Um deles é referente à incitação da insurreição no Capitólio e à retirada de documentos da Casa Branca sem autorização. O caso mais delicado é o processo da Justiça da Geórgia, relativo ao telefonema gravado que Trump fez do procurador geral desse estado no sudeste dos Estados Unidos, pedindo votos para sua conquista eleitoral. O que o áudio revela é uma incitação nítida à fraude.
Deste modo, os próximos capítulos do cenário político norte-americano tendem a ser de alta polarização, tensão política e social e disputas narrativas em torno dos processos judiciais que Trump precisará enfrentar. E, no fim das contas, caberá aos eleitores decidir o significado e a importância desse veredicto e seu impacto na liderança política de Trump.
* Lauro Henrique Gomes Accioly Filho é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Contato: lauroaccioly.br@gmail.com.
Tatiana Teixeira é pesquisadora de Pós-Doutorado (INCT-INEU/CNPq) e editora-chefe do Observatório Político dos Estados Unidos (OPEU). Contato: professoratatianateixeira@outlook.com.
** Revisão e edição finais: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 30 de maio de 2024. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
** Sobre o OPEU, ou para contribuir com artigos, entrar em contato com a editora do OPEU, Tatiana Teixeira, no e-mail: professoratatianateixeira@outlook.com. Sobre as nossas newsletters, para atendimento à imprensa, ou outros assuntos, entrar em contato com Tatiana Carlotti, no e-mail: tcarlotti@gmail.com.
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