Operação CORE 23: cooperação e subordinação militar entre Brasil e Estados Unidos
(Arquivo) CORE 21/Southern Vanguard 22, conduzido por uma força-tarefa do 5º Batalhão de Infantaria Leve, em Lorena (SP), incorporou uma Companhia da 101ª Divisão Aerotransportada do Exército Sul dos EUA (Crédito: Exército Sul dos EUA)
Por Gabriel Antônio Barboza Ferreira* [Informe OPEU]
Em novembro de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva autorizou a entrada de 294 militares estadunidenses no território brasileiro, para participarem de mais uma edição da Operação CORE (Combined Operation and Rotation Exercise, ou Exercício Combinado de Operação e Rotação), um exercício conjunto e colaborativo entre as forças armadas de ambos os países iniciado em 2021. Junto com os militares, foi autorizada a entrada de armamentos, munições, equipamentos de comunicação, controle e comando norte-americanos por parte do Estado brasileiro, que justificou a atividade, oficialmente, como uma forma de manter os laços históricos de amizade entre os países.
Se, em um primeiro momento, a iniciativa possa parecer uma oportunidade de aprendizado, instrução e colaboração mútuas entre as duas forças armadas, uma breve lembrança do histórico de interações entre os dois países nos encaminha para uma discussão muito atual sobre soberania e defesa nacional. Afinal, qual razão teria um Estado soberano em permitir militares estrangeiros treinando, operando e ocupando seu território?
(Arquivo) Dia da cerimônia de abertura do exercício combinado CORE, em 6 dez. 2021, em Lorena, no interior de São Paulo (Crédito: Cb Ivonildo/Exército brasileiro)
Um relacionamento longo, mas complicado
A relação entre Brasil e Estados Unidos no campo militar pode ser traçada desde Vargas, com a assinatura do Acordo de Assistência Militar entre os Estados Unidos do Brasil e os Estados Unidos da América de 1952. O texto, já em sua época muito criticado por seu caráter antinacional e entreguista, indicou as bases do relacionamento desigual entre as forças armadas da Casa Branca e as do Palácio do Planalto: o Brasil seria responsável pela exportação de minérios estratégicos para os Estados Unidos, enquanto este transfere tecnologia útil para o desenvolvimento do setor nuclear brasileiro. A segunda parte do acordo nunca foi efetivamente implementada, vista a falta de interesse de Washington em promover estudos sobre o átomo em quaisquer outros países, se não os Estados Unidos. Em suma, desde seu início, a cooperação militar entre os dois países é marcada pela subordinação e pela dependência brasileira em relação aos EUA.
Os casos de predominância das forças armadas estadunidenses para com as brasileiras se repetem ao longo da segunda metade do século XX e início do século seguinte: o apoio da Marinha norte-americana ao golpe civil-militar de 1964, no qual foram alocadas unidades navais estadunidenses na costa brasileira às vésperas do 1º de Abril, operação intitulada “Brother Sam”; os casos de espionagem de empresas nacionais e figuras políticas brasileiras por parte das agências de Inteligência dos Estados Unidos, publicamente expostos pelo ex-analista da CIA Edward Snowden; as concessões de bases militares e aeroespaciais nacionais para uso das forças armadas estadunidenses, ou até mesmo de empresas privadas; a manutenção da dependência brasileira para com a indústria bélica dos EUA, tornando o país seu principal fornecedor de armamento e equipamento militar.
Esses episódios não são únicos ou desconectados, mas reforçam um processo histórico de controle, doutrinação e subordinação das forças armadas brasileiras por parte dos Estados Unidos.
Mais que um exercício técnico, uma afirmação política
Não é novidade para aqueles atentos à política internacional o interesse das potências europeias e norte-americanas na Amazônia. Cada vez mais, discute-se a floresta amazônica como uma responsabilidade internacional, à qual os líderes mundiais deveriam ser chamados para decidir sobre os rumos da ocupação do território e exploração de seus recursos. Não é por acaso que o destino da última edição da Operação CORE foi a Amazônia.
Como dito, o exercício colaborativo entre as duas forças armadas pode aparentar ser um projeto mútuo de instrução, cooperação e assistência. No entanto, quando analisadas as dinâmicas e disputas sobre a região amazônica, somando-se o problemático histórico de dependência e subordinação que nossas forças armadas acumulam, o caráter técnico da operação passa a ser secundário ante os interesses políticos e estratégicos impressos sobre a atividade militar conjunta.
Propaganda do Exército brasileiro sobre a Operação CORE (Fonte: site do Ministério da Defesa/Exército brasileiro)
A autorização e a promoção da entrada de militares estrangeiros sobre o território amazônico brasileiro reforçam os interesses estadunidenses, canadenses, franceses, belgas, entre tantos outros, para que se desmonte o monopólio do Estado brasileiro sobre a gerência do espaço e dos recursos presentes na porção nacional da floresta. O que está em jogo aqui é a soberania do Estado brasileiro, ou seja, sua capacidade de tomar decisões sobre seu próprio território, população e recursos.
Pensar um projeto de país requer refletir sobre o papel das Forças Armadas como instrumento de garantia da soberania nacional e reafirmação dos interesses brasileiros – efetivamente, do povo brasileiro – em assuntos como defesa e gestão territorial. A porção nacional da floresta amazônica deve ser compreendida pelo Estado brasileiro dentro das possibilidades que ela oferece para sua população, em seu potencial científico, farmacêutico, cultural, simbólico, entre tantos usos que possam ser feitos em nome e a favor da sociedade brasileira.
Para que isso se concretize, cabe a Brasília o esforço de repensar os termos e as condições que envolvem seu relacionamento com Washington.
Conheça outros textos do autor no OPEU
Informe CSIS e a Rota da Seda Marítima: a criação da narrativa como ferramenta de política externa, de 15 mar. 2024
Informe RAND Corporation e a geopolítica marítima chinesa, de 26 nov. 2023
Informe Council on Foreign Relations e a presença chinesa na mídia e na universidade, de 5 out. 2023
* Gabriel Antônio Barboza Ferreira é graduando em Relações Internacionais pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e bolsista de IC do INCT-INEU, orientado pelo prof. Williams Gonçalves (Uerj/INCT-INEU). Contato: gbuerjri@gmail.com.
** Revisão e edição finais: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 29 abr. 2024. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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