Gênero e política migratória nos Estados Unidos: aproximações e consensos político-partidários
(Arquivo) Ato pela reforma migratória, em Ann Arbor, Minnesota, em 1º de maio de 2010 (Crédito: Sasha Kimel/Flickr)
Por Débora Figueiredo M. Prado e Isabella Fernandes Moreira Fontaniello* [Informe OPEU]
Nos últimos 50 anos, temos testemunhado um aumento significativo nos fluxos migratórios, especialmente no que diz respeito à presença de mulheres. Nos Estados Unidos, elas representam a maioria, correspondendo a 51,8% da população total de imigrantes.
Importante destacar que as experiências das mulheres imigrantes diferem substancialmente daquelas enfrentadas pelos homens, com disparidades significativas que levam à necessidade de se considerar políticas públicas e implementação de ações tendo em vista a perspectiva de gênero. Em nosso artigo publicado pela revista Conjuntura Internacional, analisamos as políticas adotadas pelos governos dos Estados Unidos de 2009 a 2022, nas administrações de Barack Obama, Donald Trump e parte do governo de Joe Biden. A proposta surgiu da necessidade de compreender e identificar se ocorreram mudanças no perfil político-partidário e na condução do governo em relação ao tratamento desta agenda.
Gênero e política migratória nos Estados Unidos
Para que seja possível refletir sobre as condições migratórias das mulheres, a pesquisa levou em consideração uma abordagem interseccional, uma vez que questões relacionadas à nacionalidade, classe social, origem étnica, religião e orientação sexual são importantes para determinar as condições de vida no país de destino. Nesse sentido, destacamos a questão do trabalho, evidenciando sua precarização para as mulheres imigrantes. Embora reconheçamos que a migração evidencia uma capacidade de agência das mulheres nos projetos migratórios, tanto familiares como autônomos, ressaltamos que ainda existem desafios de vulnerabilidade e desigualdade para as migrantes.
Nos Estados Unidos, esse panorama é ainda mais complexo, levando-se em consideração os anos nos quais as mulheres imigrantes de algumas regiões eram totalmente barradas no país. Quando essas restrições se tornaram menos rigorosas, foram estabelecidos mecanismos específicos de reduzir a assistência aos imigrantes. Esse tratamento desigual levou as mulheres a ingressarem no mercado de trabalho, resultando na aceitação de empregos com baixa remuneração e pouco valorizados.
Em relação aos anos pesquisados nos documentos, inicialmente observamos uma continuidade na agenda de restrições para os imigrantes, com impactos distintos e ainda mais significativos para as mulheres. Neste sentido, é possível afirmar que há um consenso político-partidário no tratamento da agenda migratória no país com a priorização de uma agenda voltada para a segurança das fronteiras.
(Arquivo) Agentes da Patrulha de Fronteira dos EUA monitoram reforço do muro de fronteira, no Parque Estadual Border Field, em Imperial Beach, em 15 nov. 2018 (Crédito: Mani Albrecht/U.S. Customs and Border Protection/Flickr)
Com essas agendas bem definidas pelos partidos, o trabalho investigou como as administrações lidam com as especificidades das mulheres imigrantes, a fim de compreender se os presidentes dos diferentes espectros políticos mantêm as suas máximas partidárias. Para isso, foram utilizados documentos primários disponíveis no Federal Register (correspondente ao Diário Oficial brasileiro) com destaque para as proclamações (anúncios de políticas por parte do presidente) e ordens executivas (correspondente às medidas provisórias no caso do Brasil) dos governos analisados.
A política migratória de Obama a Biden (2009-2022)
Durante o governo de Barack Obama (2009-2017), a expectativa inicial era de uma mudança significativa em matéria de imigração, com a promessa de uma remodelação abrangente das leis. Na agenda de gênero e mulheres, havia uma grande expectativa em relação à segurança social e aos direitos reprodutivos. Apesar de alguns avanços, os documentos emitidos neste período foram genéricos e não ofereceram orientações para a implementação de políticas que promovessem um amplo acesso à saúde, segurança, educação e melhores condições de trabalho.
Já em relação ao governo de Donald Trump (2017-2021), observamos um esforço para implementar suas promessas anti-imigração. Nos documentos coletados relacionados às mulheres imigrantes, as questões específicas sobre elas não eram abordadas. Em vez disso, os imigrantes eram retratados como riscos para as famílias dos Estados Unidos, promovendo comportamentos xenofóbicos. Um dos casos mais emblemáticos mencionados é o do então procurador de Trump, Jeff Sessions, que negava reivindicações de asilo para vítimas de violência doméstica. Trump não apenas negligenciou as mulheres imigrantes, como também promoveu políticas que aumentaram sua vulnerabilidade e desigualdades.
Quando Joe Biden (2021-) venceu as eleições, esperava-se uma agenda pró-imigração, dada sua campanha guiada por discursos nesse sentido, além da presença de Kamala Harris, filha de imigrantes, em sua chapa. No entanto, até 2022, o presidente não avançou em suas promessas de campanha. Com isso, enfrentou críticas por não promover mudanças significativas nas políticas migratórias. A demora na concessão de asilo e as condições precárias nos centros de imigração permanecem negligenciadas. Em relação exclusivamente às mulheres imigrantes, não foram formuladas políticas específicas. Nos anos seguintes, a questão migratória também não teve alterações, resultando em uma crise em sua administração.
Aproximações e consensos político-partidários
Com a análise dos documentos, verificamos que a formulação de políticas para mulheres é sistematicamente negligenciada. Dessa forma, podemos observar um contínuo de invisibilidade dessas políticas por parte do governo federal, independentemente dos partidos. No entanto, também observamos algumas diferenças em relação ao governo de Trump, que, além de manter essa exclusão de medidas e políticas, também contribuiu para o desmantelamento sistemático das políticas de proteção aos direitos das mulheres no país, afetando significativamente as condições das mulheres imigrantes.
Como mencionado, a chegada de Biden gerou expectativas sobre a construção de políticas para os imigrantes, incluindo políticas para as mulheres imigrantes, mas não houve avanços expressivos, seguindo a tendência de seus antecessores. Neste sentido, frequentemente o discurso progressista não se traduz em ações concretas, não levando em consideração uma perspectiva de gênero e suas intersecções.
* Débora Figueiredo Mendonça Prado é professora associada do Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (IERI-UFU) e pesquisadora do INCT-INEU. Contato: deboraprado@ufu.br.
Isabella Fernandes Moreira Fontaniello é doutoranda em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Bolsista Capes. Contato: ifontaniellof@gmail.com
** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Recebido em 8 de maio de 2024. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU. A versão integral deste artigo foi publicada na Conjuntura Internacional, 19(2), 55-63, 2024.
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