Segurança e Defesa

Diante das instabilidades regionais, os gastos militares globais aumentaram em 2023

Crédito: Anelo/ Shutterstock

Por Yasmim Abril M. Reis* [Informe OPEU]

Trends in World Military Expenditure, 2023 | SIPRIOs últimos anos têm sido marcados por crises regionais no âmbito da segurança, sendo as mais recentes midiaticamente reportadas: a Guerra na Ucrânia, que eclodiu em 2022, após a invasão da Rússia e o conflito em Gaza, o qual tem escalado as tensões na região do Oriente Médio. Nesse contexto, em 2023, segundo um relatório do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Stockholm International Peace Research Institute, SIPRI, em inglês), a Ucrânia foi o oitavo país que mais gastou com defesa no ano de 2023, o equivalente a US$ 64,8 bilhões. Em relação ao conflito em Gaza, o centro de pesquisa sinalizou que a razão para o aumento dos gastos militares na região do Oriente Médio, em particular de Israel, é originária da ofensiva em larga escala contra Gaza em resposta ao ataque do Hamas em outubro de 2023.

O SIPRI é um instituto de pesquisa independente criado em 1966, com pesquisas sobre conflitos, controle de armas, armamentos e desarmamento. A entidade produz, anualmente, um relatório sobre os gastos militares, com a finalidade de gerar um banco de dados para pesquisas nesse âmbito, sendo, portanto, uma referência nas áreas de segurança e defesa.

O método utilizado pelo centro de pesquisa de Estocolmo tem os dólares estadunidenses como base de cálculo. Apesar disso, as despesas militares são computadas em moeda local de cada país analisado, em proporção ao Produto Interno Bruto (PIB) e per capita do ano corrente. Sendo assim, no dia 22 de abril de 2024, o SIPRI lançou uma nova edição atualizando os dados com base no ano de 2023. De acordo com o recente relatório, “as despesas militares mundiais aumentaram pelo nono ano consecutivo para um máximo histórico de US$ 2,443 trilhões”. Foi a primeira vez, desde 2009, que as despesas militares aumentaram simultaneamente nas cinco regiões geográficas definidas pelo SIPRI, a saber: África, Oriente Médio, Europa, Ásia e Oceania e Américas.

Figura 1Despesas militares no mundo, por região, 1988-2023

Considera-se que 2009 foi um ano emblemático para o sistema internacional ocidental, em razão da crise no sistema financeiro internacional já muito globalizado e interdependente. De outra forma, no âmbito econômico, o principal evento foi a crise financeira internacional, que teve início em 2008. No campo regional, houve questões relacionadas ao Brasil e à Venezuela relativas à adesão desta última ao Mercosul, bem como a retomada das negociações entre o bloco e a União Europeia.

Nesse contexto, 2023 e os anos precedentes têm sido caracterizados por um cenário geopolítico instável e de segurança muito volátil ante os eventos de instabilidade regional. Sendo assim, em reação a esse cenário de deterioração da segurança global, os Estados têm priorizado a força militar como fonte primária de resposta, o que se tornou visível no estudo produzido pelo Instituto.

EUA e China continuam com os maiores gastos em defesa

A disputa entre Estados Unidos e China não é algo novo no cenário internacional. Aqui, considera-se que a disputa entre os dois países não se limita ao governo Donald Trump, dado que a narrativa contra o gigante asiático data de um período mais remoto. O que se modificou foi a narrativa de como as relações sino-americanas foram conduzidas em seu governo. De outro modo, apesar do discurso contra a China, as trocas comerciais não se reduziram entre os dois países. No que tange aos gastos em defesa, conforme o documento, “os Estados Unidos e a China continuam sendo os dois maiores investidores em defesa [do mundo], e ambos aumentaram seus gastos militares em 2023”. Dessa forma, os gastos militares continuam concentrados em um grupo relativamente pequeno de países, já que Estados Unidos (37%) e China (12%) representam conjuntamente 49% dos gastos militares do mundo. Em seguida, vêm Rússia (4,5%), Índia (3,4%) e Arábia Saudita (3,1%). Aqui, vale a observação de que, na região do Oriente Médio, Israel foi o segundo maior país a investir em defesa em 2023, o equivalente ao crescimento de 24% nos seus gastos. Entretanto, o aumento dos gastos de Israel foi impulsionado pela ofensiva em resposta ao ataque do Hamas em Israel em outubro de 2023.

Figura 2 – A participação dos 15 países com os gastos militares mais altos no mundo em 2023

Nesse sentido, dois eventos caracterizam o aumento dos gastos no setor militar em efeito spill over, ou melhor, no efeito “transbordamento e/ou efeito cascata”. O primeiro consiste no fato de os Estados Unidos continuarem como o principal membro a investir na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Isso representou, em 2023, em torno de US$ 1,3 bilhão, o que corresponde a 55% dos gastos militares globais. Sublinha-se que a OTAN é formada por 31 membros e, apesar do número expressivo de participantes, em 2023, os Estados Unidos foram responsáveis por um gasto equivalente a US$ 916 bilhões, ou 68% do gasto total da Organização.

Outro efeito que pode ser considerado como “cascata” envolve os aumentos dos gastos militares chineses. Nos últimos 29 anos, a China manteve um índice ininterrupto de investimentos militares, apesar de um declínio relativo nos últimos dez anos quando comparados a 1994-2003 e 2004-2013 ꟷ período no qual houve um aumento significativo de cerca de 150% nos investimentos. Desse modo, os territórios vizinhos da China, como Japão (11%) e Taiwan (11%), justificaram seus aumentos militares comparados a 2022 em razão do aumento dos investimentos chineses no setor.

O efeito do aumento dos gastos militares em nível regional

A instabilidade é a principal força motriz no campo da segurança internacional. Não à toa, eventos simultâneos acontecem em diferentes regiões do globo. Assim, o relatório evidenciou que os “gastos militares na América Central e no Caribe foram 54% maiores do que em 2014”. Vale destacar que em 2014 alguns eventos importantes aconteceram na região que podem ter sido o fator-chave para a comparação, bem como no México, a prisão de El Chapo, um dos maiores criminosos do mundo. No Brasil, apesar de não haver conflitos, aconteceu a Copa do Mundo de futebol, o que contribuiu para a elevação dos gastos em segurança e defesa.

Entre as justificativas, a principal, que caracteriza toda essa região, foi o aumento do nível de criminalidade, que culminou no uso de Forças Militares contra grupos criminosos em diferentes países, assim como a crise política instaurada no Haiti desde o assassinato do presidente Jovenel Moïse. Na América do Sul, o Brasil se destaca como o principal investidor nesse sentido, o que significou, em 2023, um gasto equivalente a US$ 22,9 bilhões. Com efeito, registrou-se que os países das Américas foram responsáveis pelo aumento de 41% dos gastos militares no mundo em 2023.

No que concerne aos gastos militares na região da África, houve um aumento de 22% comparado a 2022, o que equivale a US$ 51,6 bilhões. Entre os motivos, identificam-se as crescentes tensões com Ruanda, a guerra civil no Sudão e os confrontos com grupos armados na República Democrática do Congo (RDC).

Os gastos referentes à Ásia e à Oceania tiveram aumento de 4,4% em comparação a 2022. O aumento regional foi alavancado pela China e pelas instabilidades regionais. Já a Europa, impulsionada pela guerra entre Rússia e Ucrânia, aumentou substancialmente os gastos, em 16%, comparado a 2022. Quando se amplia a análise, porém, observa-se um aumento de mais de 62% em relação a 2014.

Figura 3 –Variações nas despesas militares, por sub-região (2022-23)

Em síntese, a estabilidade no cenário internacional é volátil, o que representou um aumento nos conflitos midiaticamente transmitidos em uma era globalizada, resultando na elevação dos gastos militares globais. De fato, o mundo está sempre em constante evolução e transformação, mas será que o uso da força militar como forma reativa continuará sendo a força motriz no sistema internacional? Independentemente da resposta, o cenário para 2024 sinaliza que os aumentos com gastos militares tendem a crescer constantemente.

 

* Yasmim Abril M. Reis é doutoranda em Relações Internacionais no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP), mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Segurança Internacional e Defesa da Escola Superior de Guerra (PPGSID/ESG), pesquisadora colaboradora no OPEU e vice-líder e assistente de pesquisa voluntária no Laboratório de Simulações e Cenários na linha de pesquisa de Biodefesa e Segurança Alimentar (LSC/EGN). Contato: reisabril@gmail.com.

** Primeira revisão: Simone Gondim. Segunda revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 24 abr. 2024. Este Informe OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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