Desafios político-eleitorais dos Estados Unidos na eleição de 2024
Fonte: Embaixada dos EUA em Praga
Por Lucas Leite* [Informe OPEU]
O atual cenário político, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, apresenta desafios semelhantes no que diz respeito à transformação de melhores dados econômicos em popularidade presidencial e eleitoral. Observa-se uma lacuna entre as melhorias objetivas e a percepção pragmática das pessoas em relação a esses aspectos. Atualmente, a questão ideológica desempenha um papel crucial nesse contexto. O exemplo do presidenciável republicano, Donald Trump é ilustrativo: ele capitaliza sua popularidade por meio de um discurso incisivo e simplista, oferecendo soluções aparentemente diretas para problemas complexos. Sua retórica enfatiza uma divisão entre “nós” e “eles”, criando uma narrativa de vitória sobre o suposto inimigo comum.
A construção da autoridade política e identitária é fundamental nesse processo. Para o governo do democrata Joe Biden, os estrategistas de marketing enfrentam o desafio de destacar como diferentes grupos foram beneficiados sob sua administração, em comparação com a gestão anterior. No entanto, o discurso de Trump enfatiza que as falhas de seu governo foram devido aos obstáculos e limites impostos pelo establishment e aos grandes partidos, representação das elites políticas. Desconectar Biden dessa suposta elite e estabelecer sua imagem como alguém que representa os interesses dos trabalhadores e de grupos diversos é uma tarefa complexa. Por isso, a campanha do democrata deve concentrar seus esforços em demonstrar como as políticas implementadas beneficiaram diretamente grupos específicos, ao mesmo tempo em que desconstrói a narrativa de Trump.
Além disso, o uso estratégico de processos civis e penais por parte de figuras políticas como Trump, nos Estados Unidos, e Bolsonaro, no Brasil, reflete uma tendência preocupante de instrumentalização da narrativa de perseguição política. Ambos os líderes adotam discursos que os retratam como vítimas injustiçadas, em um esforço para solidificar sua base de apoio e desacreditar eventuais acusações criminais. No entanto, as diferenças no sistema político e jurídico entre os dois países impactam significativamente as consequências dessas alegações. No Brasil, as disposições legais estabelecem claramente as consequências para indivíduos condenados por crimes eleitorais, incluindo a inelegibilidade. Já nos Estados Unidos, o sistema legal e constitucional é mais fluido, baseando-se em tradições, costumes e jurisprudência. Nesse contexto, mesmo que o impeachment seja a principal medida para remover um presidente do cargo, não existe uma previsão explícita para a inelegibilidade resultante de condenações criminais.
Considerando-se as recentes acusações contra Trump, como o pagamento à atriz pornô Stormy Daniels, é crucial destacar a necessidade de evidências concretas que vinculem tais transações a atividades ilegais relacionadas ao exercício do cargo público. Mesmo que essas acusações sejam comprovadas, a aplicação da inelegibilidade exigiria uma interpretação cuidadosa da legislação, possivelmente recorrendo ao Terceiro Artigo da Décima Segunda ou Décima Quarta Emenda da Constituição dos Estados Unidos. Porém, é importante reconhecer que a Suprema Corte dos Estados Unidos tem demonstrado uma inclinação favorável a Trump em decisões judiciais anteriores, o que pode influenciar futuros desdobramentos legais. Essa tendência levanta questões sobre a capacidade do sistema judiciário de agir de forma imparcial diante de casos envolvendo figuras políticas proeminentes.
(Arquivo) Stormy Daniels, em 3 dez. 2018 (Crédito: Victoria Pickering/Flickr)
Oportunidades e assimetrias de financiamentos de campanha e redes sociais
Historicamente, as eleições nos Estados Unidos têm sido influenciadas significativamente pelo financiamento privado das campanhas, permitindo doações que frequentemente alcançam cifras milionárias. Embora existam regulamentações, as regras são notavelmente flexíveis, deixando ampla margem para o financiamento de campanhas. Tal dinâmica resulta em uma disparidade considerável entre candidatos, na qual aqueles com recursos financeiros substanciais tendem a alcançar uma presença mais ampla, especialmente em uma eleição presidencial abrangendo um país de vastas dimensões como os Estados Unidos.
A impossibilidade prática de abranger todo o território nacional durante a campanha leva os candidatos a concentrarem seus recursos nos “swing states”, onde o equilíbrio político é mais volátil e o resultado das eleições é mais incerto. Nesses estados-chave, a capacidade de captar as demandas e interesses da população local, bem como a mobilização dos eleitores, desempenham papel crucial na determinação do voto. É importante ressaltar que a mobilização dos eleitores pode se tornar um fator determinante, especialmente diante da aparente vantagem dos eleitores de Trump em termos de engajamento e participação. O desafio para a campanha de Biden reside em motivar um eleitorado potencialmente menos entusiasmado a comparecer às urnas, superando os obstáculos logísticos e os custos associados ao dia da eleição.
Embora o financiamento continue a ser um fator relevante, o cenário atual das redes sociais traz um paradoxo interessante. Plataformas como WhatsApp, TikTok e Instagram oferecem oportunidades significativas para a disseminação de conteúdo a baixo custo, potencialmente nivelando o campo de jogo para candidatos com recursos financeiros limitados. No entanto, a capacidade de investir em publicidade paga nessas plataformas ainda confere uma vantagem aos candidatos mais abastados. Dessa forma, o financiamento continua a desempenhar um papel crucial nas eleições, embora a ascensão das redes sociais tenha introduzido novos elementos na equação. A interação complexa entre dinheiro, mobilização dos eleitores e uso eficaz das plataformas digitais torna o processo eleitoral nos Estados Unidos um campo de estudo multidisciplinar de interesse acadêmico e político.
* Lucas Leite é pós-doutorando pelo PPGRI/UFU e professor da FAAP/SP. Contato: leite.ri@gmail.com.
** Primeira revisão: Simone Gondim. Contato: simone.gondim.jornalista@gmail.com. Segunda revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 26 mar. 2024. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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