America First Policy Institute, o novo ‘think tank’ por trás de Trump
Material de divulgação do AFPI remete ao slogan de Trump (Fonte: canal do think tank no YouTube)
Por Pedro Sena Pederneiras* [Informe OPEU]
Assim como em todos os períodos eleitorais nos Estados Unidos, os think tanks voltaram a se aproximar ainda mais do centro do mundo político estadunidense nos últimos meses. Responsáveis por fortalecer a base ideológica das campanhas presidenciais e por dar apoio no desenvolvimento e na promoção da agenda política dos candidatos, esses institutos de pesquisa são uma particularidade marcante do sistema político dos EUA. E, para o principal representante do conservadorismo contemporâneo no país, não seria diferente. Em março de 2021, com uma força de 35 funcionários e US$ 20 milhões, foi fundado o think tank responsável por fornecer suporte estratégico e ideológico à mais nova campanha presidencial de Donald Trump: o America First Policy Institute.
Os pais fundadores
As primeiras sementes do que viria a se tornar o America First Policy Institute (AFPI) foram plantadas em dezembro de 2020, quase que imediatamente após a derrota de Trump em sua tentativa de reeleição. Os principais conselheiros do então presidente se reuniram e começaram a projetar as estruturas de uma nova organização sem fins lucrativos que acolheria as lideranças intelectuais do governo derrotado com o objetivo de manter seus ideais vivos na era Biden e preparar o caminho para um eventual retorno do trumpismo ao poder. Entre as mentes por trás do AFPI, encontramos grandes aliados do ex-presidente, como Ivanka Trump e Jared Kushner, membros da “dinastia Trump”, o ex-diretor do Conselho Econômico Nacional Larry Kudlow, o ex-secretário de Energia Rick Perry e o ex-conselheiro de Segurança Nacional Robert O’Brien.
Mas a personalidade que podemos considerar como principal autora do projeto e que, consequentemente, ocupa o cargo de CEO do instituto é Brooke Rollins, ex-diretora do Conselho de Política Doméstica do governo Trump. Rollins já tinha uma significativa experiência com think tanks, pois fora, durante 15 anos, presidente da Texas Public Policy Foundation (TPPF), instituição que busca influenciar a opinião pública texana em favor de iniciativas conservadoras, como a privatização do sistema de educação e o combate à transição energética. O nível de influência da fundação sobre o governo texano se tornou tão elevado sob a presidência de Rollins que, em 2011, a lobista texana foi considerada uma das 25 pessoas mais poderosas do estado pela revista Texas Monthly. A publicação descreveu a forma como Rollins conseguiu transformar a TPPF de uma instituição endividada à beira da falência, com apenas quatro funcionários, em um think tank milionário com participação decisiva no processo legislativo do estado. A experiência, definitivamente, fez Rollins perceber o poder dos think tanks no mundo político estadunidense e a preparou para liderar uma instituição com uma zona de influência muito maior do que apenas um estado.
(Arquivo) Brooke Rollins participa da Cúpula de Liderança de Mulheres Jovens de 2021, organizada pela Turning Point USA, no Centro de Convenções & Resort Gaylord, em Grapevine, Texas, em 11 jun. 2021 (Crédito: Gage Skidmore/Flickr)
Atualmente, a AFPI conta com mais de 150 membros, e 17 de seus principais líderes são ex-integrantes da cúpula do governo Trump, que trabalharam para tornar o think tank tanto um abrigo para o antigo gabinete quanto o embrião de um possível segundo mandato.
Avistando um possível futuro
Ao analisarmos as produções e os objetivos declarados do AFPI, podemos inferir o que um potencial novo governo Trump significaria e quais seriam suas diferenças em relação ao primeiro mandato (2017-2021). Entre os pilares definidos pelo instituto, identificamos compromissos já familiares, em se tratando da ideologia trumpista. Temas como protecionismo econômico, vigilância fronteiriça rigorosa, punitivismo e combate ao establishment político são pontos já conhecidos da agenda desse movimento conservador. O próprio nome do instituto remete ao lema America First, já repetido à exaustão pelos conservadores do país em sua defesa de uma política externa mais nacionalista e isolacionista, como a adotada na primeira gestão Trump. Mas novas propostas parecem ter surgido, como resultado direto de eventos ocorridos nos últimos quatro anos que afetaram o movimento conservador estadunidense e, de maneira mais pessoal, o próprio ex-presidente.
Há agora um discurso mais crítico contra as Big Techs, com especial atenção às empresas de redes sociais. O think tank sustenta que essas companhias estariam promovendo ativamente uma política de “censura” contra grupos conservadores que discordam da suposta agenda liberal-progressista de tais empresas, fazendo menção às suspensões das contas do próprio Donald Trump em redes sociais como o Twitter (atual X), consequência da invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021. O instituto acusa o sistema judiciário e a gestão Biden de agirem de modo a proteger essas grandes corporações por, supostamente, perseguirem opositores do atual governo, e sugere como solução a criação de propostas legislativas que impeçam essas empresas de se negarem a prestar seus serviços a quaisquer cidadãos, independentemente das ideias que expressam.
Print da conta de @realDonaldTrump, após suspensão no então Twitter (Fonte: CNN)
O ceticismo quanto ao processo eleitoral também se tornou um grande foco do projeto conservador após as eleições de 2020, quando a campanha de Trump alegou que o sistema de envio de votos por correio seria utilizado para fraudar o pleito. Como consequência, a defesa da reforma do sistema eleitoral é estabelecida como um dos dez pilares do AFPI, que defende como necessária a obrigação de que todas as cédulas de votação sejam contabilizadas no dia da eleição, impossibilitando a contabilização de milhares de cédulas enviadas por correio. Críticos dessa proposta afirmam que a limitação do voto por correio impossibilitaria que milhares de cidadãos dos EUA usufruíssem de seu direito de voto. Com o estabelecimento dessa ideia como um dos pilares do AFPI, fica claro que uma nova gestão Trump não medirá esforços para reformar o sistema eleitoral do país de maneira muito mais intensa do que no período entre 2017 e 2021.
Outros ideais definidos pelo AFPI como estando incluídos entre seus pilares também indicam qual direção um novo governo Trump tomaria, quais seriam seus novos focos e como mudanças e eventos recentes nos Estados Unidos influenciaram o desenvolvimento de seus novos projetos. A defesa do sistema policial do país, por exemplo, é descrita como uma de suas prioridades, uma consequência do crescimento das críticas à violência policial entre apoiadores do Partido Democrata nos últimos quatro anos, em especial após os protestos de 2020 impulsionados pela morte do afro-americano George Floyd. O combate ao ensino do que os conservadores chamam de “ideologia de gênero” e à participação de mulheres trans em competições esportivas também é estabelecido como um objetivo do instituto, uma reação aos avanços e progressos obtidos pelo movimento LGBT+ nos EUA em tempos recentes.
Os ideais defendidos pelo America First Policy Institute indicam, portanto, que um novo governo Trump assumiria uma postura ainda mais conservadora, buscando a implementação de políticas já defendidas pelo trumpismo, somadas a temas que antes eram considerados secundários, ou sequer recebiam atenção na primeira gestão. Observa-se, também, a maior presença de propostas criadas em reação a acusações de uma suposta perseguição à direita estadunidense por instituições específicas. Isso pode ser visto como a consequência da crescente instrumentalização do conspiracionismo por parte dos movimentos políticos de direita, por meio do questionamento de instituições como a mídia, o sistema eleitoral e o establishment político. Dessa forma, o AFPI cumpre um dos principais fins dos think tanks dos EUA em campanhas eleitorais, isto é, estabelecer os fundamentos do projeto político de um futuro governo. Por esse motivo, quando analisamos a natureza de um think tank partidário, podemos ter uma turva visão de um futuro possível.
* Pedro Sena Pederneiras é pesquisador colaborador do OPEU e graduando em Relações Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID/UFRJ). Contato: psena9898@gmail.com.
** Primeira revisão: Simone Gondim. Contato: simone.gondim.jornalista@gmail.com. Segunda revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 23 mar. 2024. Este informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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