Internacional

EUA, Grande Estratégia e Mídia no Pós-Guerra Fria: o caso da Guerra no Iraque

Linha do tempo da Guerra no Iraque coberta pela imprensa (Fonte: BuzzFeed.News)

Por Bruna Rigolon BergamoBárbara Soares Gomes e Washington F. S. Proença* [Informe OPEU]

A proximidade da Grande Estratégia estadunidense com os meios midiáticos pode ser analisada até mesmo antes de sua posição de hegemon global – a exemplo disso, é possível observar os contextos da Guerra Hispano-Americana e o Genocídio Filipino.

Após a anexação do Havaí pelos EUA em 1898 e a revolta Cubana contra o domínio espanhol, a explosão de um navio americano em Havana, denunciado pela empresa como uma sabotagem dos espanhóis, levou à Guerra Hispano-Americana. O conflito durou três meses e foi a porta de entrada para que os Estados Unidos transformassem Cuba em um protetorado produtor de açúcar e obtensor de minério para empresas americanas. Em 1976, descobriu-se a explosão de uma caldeira, devido ao calor tropical, como a mais provável causa do naufrágio do navio dos EUA.

Em 4 de fevereiro de 1899 – época em que Manila estava sob dominação estadunidense –, um ataque em direção aos filipinos gerou uma resposta armada. A imprensa dos EUA inflamou a vingança contra os “bárbaros filipinos”, e o resultado ficou conhecido como o Genocídio Filipino.

Tendo por base interpretações de Edward Mead Earle (1948), tomamos Grande Estratégia como um planejamento de Inteligência nacional que visa à concretização dos interesses de um Estado, a partir da organização de seus recursos (militares e não militares) para alcançá-los. Em um Estado democrático, ela deve se manifestar como a garantia de segurança da nação. E os meios midiáticos, com sua capacidade de – segundo Perseu Abramo, no livro Padrões de Manipulação na Grande Imprensa (Fundação Perseu Abramo, 2016) – “construir consensos, educar percepções, produzir ‘realidades’ parciais apresentadas como a totalidade do mundo”, garantem que as estratégias para que os Estados alcancem seus interesses sejam sempre acalentadas com a narrativa de preservação da segurança nacional.

A relevância da mídia

A capacidade da mídia de moldar atitudes, crenças e percepções coletivas é evidente em inúmeras análises que destacam a complexidade dessa relação. No livro Opinião Pública, de 1922 (publicado no Brasil pela Editora Vozes, 2010), por exemplo, Walter Lippmann propõe a ideia de que a mídia age como um filtro entre os eventos da realidade e a percepção pública, conceito posteriormente conhecido como “agenda-setting”, fazendo as pessoas serem influenciadas pela seleção e pela apresentação de informações pelos meios de comunicação.

Em 1988, Noam Chomsky e Edward Herman apresentam a teoria da “fabricação do consenso”, por meio da qual defendem que a mídia, muitas vezes, serve aos interesses das elites e pode moldar a opinião pública de acordo com determinadas agendas políticas e econômicas. Assim sendo, a mídia se coloca no cenário político como uma ferramenta de formação e, principalmente, de manipulação da opinião pública. O impacto da opinião pública em um Estado democrático pode, portanto, ser significativo.

Em seu livro The Civic Culture (Princeton University Press, 2015), Sidney Verba e Gabriel Almond defendem que a participação ativa dos cidadãos na formação da opinião pública é capaz de desenvolver um mecanismo de responsabilização e de legitimação do poder político, ou seja, a opinião pública e a aprovação refletem a legitimidade dos atos de um governo em nome do Estado. Assim sendo, a manipulação midiática é capaz de influenciar diretamente a opinião pública, que, por meio da conivência, legitima os atos tomados pelos governantes para fazer valer suas estratégias nacionais.

Em suma, o alinhamento entre mídia e interesses nacionais torna possível a concretização da Grande Estratégia de um país. A estratégia, definida pelo Estado, organiza os fins e os meios para a concretização de seu papel em plano nacional e internacional. Em consoante, a mídia é capaz de definir uma agenda e as abordagens possíveis sobre as ações tomadas para atingir tal estratégia, criando narrativas heroicas e reanimando mitos fundadores para garantir uma opinião pública positiva – ainda que em meio a intervenções, políticas e ações que contrariem crenças e padrões morais do próprio povo.

A Guerra do Iraque (2003-2011)

Após o colapso do bloco soviético, os Estados Unidos buscaram estabelecer seu imperialismo na nova ordem mundial. De acordo com Vladimir Lênin, em seu livro O Imperialismo, fase superior do Capitalismo, de 1917 (publicado no Brasil pela Boitempo, 2021), “o imperialismo é a política de um país que busca estender seu poder e domínio sobre territórios estrangeiros ou nações, geralmente através da expansão territorial, dominação econômica ou influência cultural”. Baseado nesse conceito, é possível observar o imperialismo americano, quando, em 1991, durante a Guerra do Golfo, os EUA, alinhados com a Arábia Saudita, intervieram no conflito com o Iraque, visando a garantir o controle do petróleo na região. Enquanto isso, questões como a ascensão do Talibã no Afeganistão e as ameaças de Osama bin Laden foram subestimadas, com o foco na teoria (nunca comprovada) de obtenção de armas de destruição em massa no Iraque.

Influenciada pelo Project for the New American Century (PNAC), a administração de George W. Bush delineou estratégias para manter a liderança dos EUA, destacando inimigos como Coreia do Norte, Irã e Iraque. Após os ataques do 11 de Setembro, a “Guerra ao Terror” foi declarada, servindo de justificativa para intervenções militares e a invasão do Iraque em 2003, sustentada por um clima de medo e de manipulação midiática.

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(Arquivo) ‘GUERRA’, anuncia manchete na capa do San Francisco Chronicle, em 20 mar. 2003 (Fonte: o próprio jornal)

De acordo com Del Vecchio, em seu artigo “Guerra no Iraque: três causas e uma conclusão”, de 2003, a guerra em pauta teve três principais causas, duas delas diretamente ligadas aos interesses estadunidenses de longo prazo. A primeira está relacionada com interesse econômico (produtos bélicos e controle do petróleo iraquiano). A segunda trata dos interesses geopolíticos de expansão do imperialismo dos EUA, uma vez que “fincaram bases e contingentes militares estrategicamente postados, operando, quando necessário, a fragmentação de Estados soberanos, através do acirramento dos ódios étnicos” a favor “de uma concepção, no mínimo exótica, de democracia”. Já a terceira justificativa se deve à taxa de aprovação do governo de George W. Bush, que deixou de ser baixa após a narrativa de vingança contra os ataques do 11 de Setembro, um ato político que impactou a relação dos Estados Unidos com o mundo.

O papel de veículos de comunicação como os jornais The Washington Post, The New York Times, ou as redes CBS e BBC, no estímulo de uma opinião pública positiva, conivente e, algumas vezes, estimuladora do conflito no Iraque, ao incitar a existência de armas de destruição em massa, foi essencial para concretizar a imagem de um “império americano” que se engrandecia. No documentário “A guerra que você não vê” (2010), de John Pilger e Alan Lowery, diversos jornalistas dos EUA documentam o que ficou conhecido como “Campanha amistosa com a mídia”, na qual se afirma a permissão (ou não) da divulgação de informações baseadas na análise do Pentágono e sobre a extrema violência empregada contra os iraquianos. Fran Unsworth, ex-diretora da BBC News, afirma, ao longo do documentário, que os jornalistas não foram capazes de perceber a tempo a inexistência de armas de destruição em massa no país. Para Dan Rather, jornalista da CBS, os Estados Unidos não teriam partido para a guerra se, desde o começo, os jornalistas tivessem feito relatos e perguntas profundas e agressivas.

O “agenda-setting” do período deixou de fora acontecimentos marcantes e comprometedores para a avaliação do conflito, assim como a produção de relatos imparciais ao deixar de documentar o bombardeio do Hotel Palestina, onde estavam hospedados jornalistas independentes, em abril de 2003, e do escritório da rede Al-Jazeera. Fez-se questão, no entanto, de documentar a derrubada da estátua de Saddam Hussein e o posicionamento da bandeira estadunidense no local, um simbolismo claro para reforçar a ideia de imperialismo americano.

undefined(Arquivo) Estátua de Saddam Hussein sendo derrubada na Praça Firdos após a invasão do Iraque pelos EUA, em 9 abr. 2023 (Crédito: Wikimedia/Domínio Público)

A Guerra do Iraque durou oito anos. Nesse período, fragmentou a sociedade iraquiana, que viveu um pós-guerra marcado pela guerra civil entre sunitas e xiitas. Saddam Hussein foi caçado, capturado e sentenciado à morte com a mesma campanha e euforia midiática apresentada sobre a guerra. Os Estados Unidos retiraram suas tropas do território iraquiano em 2011, mas até hoje têm bases militares no Iraque. Nelas, realizam a manutenção de seu poder no Oriente Médio e vigiam seus inimigos.

A transição da Guerra Fria para a “Guerra ao Terror”, após os ataques de 11 de setembro de 2001, evidencia a habilidade dos Estados Unidos em identificar novos inimigos e adaptar sua narrativa estratégica. A criação do inimigo abstrato do terrorismo permitiu a busca de interesses nacionais, como estabilidade global, expansão da democracia e controle de recursos estratégicos, principalmente no Oriente Médio.

Iniciada em 2003, a Guerra do Iraque foi um ponto focal dessa estratégia, na qual a mídia desempenhou um papel fundamental na criação de justificativas, na manipulação da percepção pública e na legitimação da intervenção militar. A narrativa de armas de destruição em massa e a construção de uma imagem de “império americano” foram ferramentas eficazes para ganhar apoio doméstico.

A mídia, ao longo desses eventos, mostrou-se suscetível à influência governamental, muitas vezes agindo como um instrumento para a disseminação da narrativa oficial. O “agenda-setting” e a “manufatura do consenso” foram evidentes, ilustrando como a mídia molda a percepção pública e legitima as ações estratégicas.

 

* Bruna Rigolon Bergamo é graduanda no curso de Relações Internacionais do Instituto de Relações Internacionais (IRID/UFRJ). Já participou do Laboratório de Análise do Direito Internacional e Privado da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ. Contato: bergamobruna@ufrj.br. LinkeIin: https://www.linkedin.com/in/brunabergamo.

Bárbara Soares Gomes é graduanda em Relações Internacionais (IRID/UFRJ). Já atuou no grupo de pesquisa Rede Transparência e Sustentabilidade do Instituto Coppead de Administração (UFRJ). Contato: barbara.soares@ufrj.br. LinkedIn: https://www.linkedin.com/in/b%C3%A1rbara-gomes-18049a19a/.

Washington Ferreira de Sousa de Proença é graduando em Relações Internacionais (IRID/UFRJ). É graduado em Ciências Aeronáuticas – Aviação Civil (Universidade Anhembi Morumbi). Contato: proenca.washington@gmail.com. LinkedIn: https://br.linkedin.com/in/washington-proen%C3%A7a-b166551b1.

** Primeira revisão: Simone Gondim. Contato: simone.gondim.jornalista@gmail.com. Segunda revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 24 jan. 2024. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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