China e Rússia

O que a eleição de Lai, em Taiwan, pode significar para as relações China-Estados Unidos?

Crédito: © Tomasragina/Dreamstime.com

Por Eduardo Mangueira* [Informe OPEU]

A eleição de Lai Ching-te (Partido Progressista Democrático) – também conhecido como William Lai – para a presidência de Taiwan em janeiro pode significar um ponto de inflexão para as relações sino-americanas. Suas posições anteriores pró-independência garantem a inimizade da China Continental, que o acusa de separatismo e tomou uma postura contrária à sua eleição. Neste contexto, e tendo em vista a recente aproximação estadunidense de Taiwan, o que a eleição de Lai pode significar para as relações China-Estados Unidos, e para as dinâmicas de poder na região?

Um médico advindo de uma família de mineradores, Lai é uma figura já conhecida na política taiwanesa, desde que deixou de praticar a medicina para ingressar na política em 1996, quando a China atirou mísseis em direção a Taiwan antes da eleição a ocorrer no referido ano. Adotando uma política de apoio ferrenho à independência da ilha, Lai tem, desde então, arrefecido seu discurso, apontando para a situação taiwanesa como uma de já independência e oferecendo vias de cooperação.

Taiwan: histórico

Após a tomada do poder da dinastia Qing em 1912, a República da China foi formada, sob a liderança de Chinang Kai-shek e seu partido, o Kuomitang. No entanto, a Revolução Cultural de 1949 levou o governo da República da China a fugir para Taiwan, formando a República Popular da China, de inclinação política comunista. Desde então, ambos os países reivindicam a posição oficial de “China” legítima, sendo que o reconhecimento geral de Taiwan como “China” tem diminuído consideravelmente. Dos 195 países, apenas 11 reconhecem Taiwan: Belize, Guatemala, Haiti, Santa Sé, Ilhas Marshall, Palau, Paraguai, Santa Lucia, São Cristóvão e Nevis, São Vicente e Granadinas, Essuatíni e Tuvalu.

As relações entre a República da China e os Estados Unidos foram inicialmente de um apoio inconteste e de recusa de reconhecimento da RPC. Este status se modificou somente a partir da busca do então presidente estadunidense, o republicano Richard Nixon, de aproximação com a China no contexto de combate à União Soviética na Guerra Fria. Foi em 1979, no entanto, com o governo do democrata Jimmy Carter, que a RPC foi oficialmente reconhecida pelos EUA. Ainda assim, os EUA mantiveram relações “não oficiais” com Taiwan, principalmente relativas ao envio de armas. Esta e outras facetas da relação EUA-Taiwan são reguladas pela Taiwan Regulations Act, de 1979.

A posição tradicional dos EUA foi de “ambiguidade estratégica”, buscando evitar a ira chinesa ao estreitar relações com Taiwan. Ocorreu, no entanto, uma aproximação significativa com a ilha desde o início do governo de Donald Trump, o primeiro presidente a falar diretamente com sua contraparte taiwanesa desde 1979. No governo Biden, não foi diferente: além do convite a Taiwan na inauguração de seu governo, a visita da então presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi (D-CA), motivou respostas drásticas da China – do bloqueio de importações a exercícios militares próximos à ilha. A despeito desses episódios e da chegada de Lai ao poder, o presidente Biden continua a sustentar a posição de não apoio à independência da ilha.

Eventos correntes

O presidente eleito deixou claro o entendimento de manutenção do status quo, a partir da acepção de que Taiwan seria praticamente independente da China. Observa-se, no entanto, uma resposta chinesa adversa à sua perda de influência significativa na ilha. Em uma demonstração de apoio à ilha, os EUA enviaram uma delegação bipartidária, que parabenizou o governante eleito. Desde então, a China tem aumentado sua presença no estreito de Taiwan, comandando patrulhas marítimas constantes.

(Arquivo) Novo presidente de Taiwan, Lai Ching-te (Crédito: Gabinete da Presidência/Flickr)

Taiwan se encontra em uma posição-chave no jogo geopolítico do Leste Asiático. Posicionada no entorno estratégico chinês, a ilha representa um ponto de apoio aos Estados Unidos na contenção da influência chinesa. Como tal, a defesa da ilha é imperativa para a estratégia dos EUA na região. Assim, Biden por vezes afirmou publicamente que os EUA sairiam em defesa da ilha, se esta viesse a ser atacada.

Neste caso, o aumento de tensões pode levar os Estados Unidos a fazerem uso de suas alianças de balanceamento contra a China – o AUKUS e o Quad – em defesa de Taiwan. No entanto, o aumento considerável da força chinesa torna a deflagração de um conflito em larga escala improvável. Por ora, as relações sino-americanas podem esperar um aumento de tensões, enquanto os EUA mantêm uma posição de sustentação retórica do diálogo entre as partes para a resolução da questão, e de fortes relações com a ilha, para consternação chinesa.

 

* Eduardo Mangueira é colaborador do OPEU, mestrando em Relações Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais (IRI/PUC-Rio) e bacharel em Relações Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID/UFRJ). Pesquisa as relações dos EUA com o Indo-Pacífico. Contato: eduardo.a.mangueira@gmail.com.

** Revisão e edição finais: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 29 fev. 2024. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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