Biden vs. Trump 2.0: polarização política e fragilidade da democracia
Fonte: Michael Busler/Medium
Série Eleições 2024
Por Andressa Mendes* [Informe OPEU]
No dia 12 de março de 2024, o caminho para uma revanche eleitoral entre Joe Biden e Donald Trump foi aberto quando ambos se consolidaram como os dois candidatos selecionados para concorrer às eleições para presidente dos Estados Unidos pelos Partidos Democrata e Republicano. Mesmo que a nomeação oficial ocorra apenas nas convenções nacionais dos dois partidos, em julho e agosto de 2024, é dado como certo que o embate será entre Biden e Trump.
O Partido Democrata exige o número mínimo de 1.968 delegados conquistados para conceder a nomeação. No dia 12 de março, Biden conseguiu cumprir esse mínimo, após vencer as primárias tanto nos estados da Geórgia, de Washington e do Mississippi, quanto nas Ilhas Marianas Setentrionais e entre os democratas que vivem no exterior. Trump, por sua vez, conseguiu cumprir o mínimo exigido pelo Partido Republicano, de 1.215 delegados, após as primárias do dia 12 nos estados do Mississippi, da Geórgia e de Washington, além do caucus no Havaí.
No caso de ambos, seus caminhos ficaram livres ainda nas primárias. Do lado republicano, Ron de Santis e Vivek Ramaswamy desistiram da campanha em janeiro deste ano, enquanto Nikki Haley fez o mesmo em 6 de março, após Trump derrotá-la na Superterça, vencendo 14 das 15 disputas da nomeação republicana. Do lado democrata, Dean Phillips abandonou a disputa contra Biden também no dia 6 de março. Independentemente disso, a candidatura à reeleição de Biden era esperada, pela dificuldade que outros candidatos enfrentam em fazer uma campanha bem-sucedida contra um presidente em exercício.
(Arquivo) Nikki Haley foi a última a abandonar a corrida pelas primárias republicanas. Na foto, em evento em Las Vegas, em 28 out. 2023 (Crédito: Gage Skidmore/Wikimedia)
A baixa disputa nas primárias é reflexo da polarização política?
As primárias de 2024 não têm sido tão disputadas como nos anos anteriores, quando havia a possibilidade de reviravoltas nas primárias, devido à maior concorrência entre os candidatos, especialmente após a Superterça. Neste ano, entretanto, não houve surpresas deste tipo. A corrida eleitoral será entre Trump e Biden, dois candidatos impopulares, que mobilizam um “antivoto”, baseado na narrativa de que esta poderá ser a última eleição para “salvar a América”, assim como ocorreu em 2016, porém em um contexto eleitoral e clima político piores do que antes.
Pode-se dizer que essa falta de concorrência intrapartidos está ligada à alta polarização política que a sociedade estadunidense enfrenta, especialmente no que tange ao Partido Republicano e a seu eleitorado.
No caso do Partido Democrata, a praticamente ausente disputa nas primárias resulta de duas causas. Primeiro, do fato de Biden já ser presidente, decidir por concorrer à reeleição e ter a vantagem de usar os benefícios do cargo e da máquina (como visibilidade e recursos federais para investir em obras, implementar ou ampliar políticas e seus beneficiados, por exemplo) para concorrer. Historicamente, o incumbente é reeleito, o que acaba por inviabilizar uma oposição interna à altura para ser seu contraponto nas primárias. Já a segunda causa resulta da dificuldade de encontrar candidatos no Partido Democrata que tenham capilaridade nacional e consigam criar um discurso de contraponto a Trump, para não só conseguir adesão do eleitorado democrata, como também conquistar eleitores indecisos. Nos últimos quatro anos, os democratas não encontraram candidatos com capilaridade, devido a uma divisão interna do próprio partido.
No caso do Partido Republicano, essa baixa na disputa das primárias representa uma dificuldade que a legenda enfrenta há anos: sua radicalização e o resultado dela, que é Donald Trump. O Partido Republicano tem sofrido um processo de radicalização há alguns anos, relacionado com a crise do próprio movimento conservador, que levou a um vácuo ideológico preenchido pela ultradireita e apropriado por Trump, em 2016. Mesmo após sua derrota, em 2021, o Partido segue radicalizado. Uma das consequências disso pode ser observada nessas primárias, quando os dois principais opositores de Trump desistem de concorrer às eleições ainda nessa fase inicial. Mesmo com todas as questões judiciais envolvendo o ex-presidente, Trump ainda é uma figura que mobiliza o eleitorado e tem grande apelo junto ao Partido Republicano.
Biden vs. Trump nas Eleições de 2024
As duas campanhas eleitorais presidenciais com a participação de Donald Trump geraram uma alta mobilização na sociedade dos Estados Unidos. Em 2020, em meio à pandemia da covid-19, mais de 158 milhões de eleitores foram às urnas votar. Destes, 81 milhões foram destinados à chapa Biden-Kamala Harris, e 74 milhões, a Trump-Mike Pence, ultrapassando Obama-Biden e seus 69,5 milhões de votos, em 2008. Esse foi o maior comparecimento às urnas dentre a população estadunidense, em termos de percentual dos cidadãos aptos para votar, desde 1900.
(Arquivo) Biden anuncia a senadora Kamala Harris como sua candidata a vice, em Wilmington, DE, em 12 ago. 2020 (Crédito: Lawrence Jackson/Biden for President/Flickr)
O alto acirramento eleitoral, que resultou na vitória de Biden em 2020, pode ser considerado, por um lado, uma resposta do eleitorado democrata ao governo de Donald Trump, que vinha sofrendo duras críticas até então, sobretudo, no que se refere ao tratamento e ao descrédito dado à pandemia, além das consequências econômicas que o país vinha sofrendo. Por outro, a vontade do eleitorado republicano era manter Trump na Presidência e consolidar os ideais inerentes à ultradireita no poder. Isso se deu, inclusive após o resultado da campanha, com a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021.
No caso das eleições de 2024, essa polarização e euforia em torno da campanha não necessariamente irá se manter, principalmente porque as pautas do debate serão outras, em decorrência de acontecimentos recentes, como a Guerra na Ucrânia e a Invasão à Gaza.
Pelo lado de Donald Trump, possivelmente haverá uma campanha com retórica incisiva, característica dele, de ataque não apenas a Biden e à questão da idade do presidente, por exemplo, mas também ao desempenho de seu governo. Também podemos esperar o discurso de que Trump é perseguido politicamente, a partir da ideia conspiratória de que todo o sistema e a elite políticos tentaram impedi-lo de concorrer e de ser eleito. Com relação a isso, tende a haver a adesão da população, que acredita na ideia de Trump ser um perseguido e um “mártir político”, além da crença de que a vitória de Biden em 2021 não foi legítima.
Já em relação às questões mais práticas, um discurso e propostas com ênfase em questões como imigração, economia (e um protecionismo econômico) e segurança nacional, além dos dois conflitos atuais, a Guerra da Ucrânia e o Genocídio em Gaza, deverão ser mobilizados. Nos casos desses últimos, Trump tende ao nacionalismo e ao “isolacionismo”, com críticas ao envolvimento dos Estados Unidos em conflitos internacionais, pelo dispêndio, principalmente econômico, que poderia ser redirecionado para o âmbito interno do país.
No caso de Biden, sua campanha provavelmente se concentrará em destacar as realizações de seu mandato até o momento, como a recuperação econômica pós-pandemia, avanços na legislação de infraestrutura e questões climáticas. Ele também pode adotar a estratégia de se aproximar da população jovem, posicionar-se com mais energia e agilidade, para contrapor a crítica republicana sobre sua idade (81 anos) e mostrar que, na prática, ele é mais preparado para tomar decisões do que seu adversário.
Outra questão que podemos esperar da sua campanha é o apelo para a unidade nacional, a tentativa de não só garantir seu eleitorado, mas também alcançar o eleitorado dividido. Nesse último ponto, é sensível, novamente, a questão do envolvimento dos Estados Unidos nos conflitos internacionais e do apoio do país a Israel. Nesse sentido, dois podem ser os caminhos tomados por Biden sobre a questão de Israel e Palestina: uma mudança de tom para atingir os críticos a Israel, ou manter posição atual, de apoio. De qualquer modo, esse será um tópico bastante sensível e bastante mobilizado na campanha, pois afeta diretamente a política doméstica do país.
Democracia em xeque?
Em 2021, a democracia estadunidense foi uma pauta recorrente, devido à invasão ao Capitólio. Quatro anos depois, a disputa pela Casa Branca reside, mais uma vez, nos dois candidatos de outrora e ocorre perante uma sociedade ainda mais polarizada politicamente. Essa disputa, per se, não é uma ameaça à democracia. Pelo contrário, ela faz parte do jogo democrático tal como é estabelecido pelo sistema eleitoral dos Estados Unidos.
Esse sistema, por sua vez, apresenta algumas questões que mobilizam o debate sobre democracia no país. Primeiro, o modelo do Colégio Eleitoral, que não reflete, necessariamente, a voz da maioria. Por exemplo, George W. Bush, em 2000, e Donald Trump, em 2016, foram eleitos presidentes pela maioria no Colégio Eleitoral, mas não no voto popular. Ou seja, os concorrentes do Partido Democrata obtiveram mais votos, ao contá-los de forma unitária. Isso, por si só, vai de encontro à concepção da democracia, de dar voz à maioria popular. Além disso, esse modelo desfavorece candidatos e partidos independentes e desincentiva a participação eleitoral em estados em que um dos partidos principais, Republicano e Democrata, é dominante.
(Arquivo) #nãoémeupresidente: protesto em Nova York, em 9 nov. 2016, contra a vitória de Trump, eleito no Colégio Eleitoral (Crédito: mathiaswasik/Flickr)
O segundo ponto se refere à candidatura de Trump, que enfrenta diversos processos, inclusive o de incitar os invasores ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021. O fato de Trump concorrer às eleições sob essas condições mostra a fragilidade do sistema democrático dos EUA. A Invasão ao Capitólio foi um acontecimento sem precedentes, que escancarou as fissuras da democracia nos EUA, que sofre com a forte polarização da sociedade estadunidense. Essa polarização é, majoritariamente, partidária de oposição em diversos temas, como aborto, migração, clima e posse de armas, e foi acentuada pela radicalização do Partido Republicano.
Uma pesquisa da CNN, de agosto de 2023, mostra que cerca de 70% dos estadunidenses acreditam que a vitória de Biden em 2020 não foi legítima. Isso demonstra a descrença da população no sistema político eleitoral do país e, em contrapartida, a crença em Donald Trump como o único capaz de “salvar a América” e torná-la “grande de novo”. Os republicanos, por sua vez, transformaram essa alegação de “eleições roubadas” em arma para limitar a possibilidade de voto, por meio da aprovação de leis restritivas de identificação de eleitor e de voto (ID vote) e na busca por tomar o controle do processo eleitoral.
Em um dos poucos tópicos que republicanos, democratas e independentes concordam, mais de 80% dos americanos estão preocupados com a democracia nos EUA e com a violência política no futuro. Os motivos para tal preocupação divergem, no entanto. Para os republicanos, isso advém da preocupação com os Estados Unidos serem uma nação baseada nos fundamentos cristãos, da bíblia e da família tradicional. Para eles, os democratas querem “destruir a América”, com suas propostas progressistas. Já os democratas entendem que outra Presidência de Donald Trump significaria o fim da democracia liberal dos EUA, devido à radicalização do Partido Republicano, que se tornou um partido de ultradireita com base popular e midiática iliberais.
Além disso, o fato de a votação funcionar pela maioria do Colégio Eleitorado, e não pela maioria da população, contribui para que haja esse ressentimento, uma vez que esse sistema eleitoral tende a um resultado em que a vontade da maioria não é, necessariamente, respeitada. A estrutura democrática do país sofre rachaduras decorrentes da polarização política, da radicalização do Partido Republicano, dos entraves nos âmbitos das instituições estaduais, jurídica e federal e do embate eleitoral entre dois candidatos impopulares, que representam uma dificuldade de renovação da democracia dos Estados Unidos.
* Andressa Mendes é pesquisadora colaboradora do INCT-INEU/OPEU e doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, PUC-SP). Contato: glm.andressa@gmail.com.
** Revisão e edição finais: Tatiana Teixeira. Recebido em 14 mar. 2024. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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