Ketanji Brown Jackson, a primeira mulher negra na Suprema Corte dos EUA
A juíza Ketanji Brown Jackson em evento que comemora sua confirmação na Suprema Corte, em 8 de abril de 2022, no gramado sul da Casa Branca, em Washington, D.C.. Atrás, o presidente Joe Biden e sua vice, Kamala Harris (Crédito: Foto oficial/Casa Branca/Adam Schultz)
Série pelo Black History Month
Por Vitória de Oliveira Ribeiro* [Informe OPEU]
“Demorou 232 anos e 115 nomeações prévias para uma mulher negra ser selecionada para servir na Suprema Corte dos Estados Unidos. Mas nós conseguimos. Nós conseguimos. Todos nós”, foi o que Ketanji Brown Jackson declarou após ser aprovada pelo Senado. Indicada pelo presidente Joe Biden, ela é a primeira mulher negra a ocupar um cargo na mais alta instância da Justiça americana. Jackson foi defensora pública e também integrou uma comissão que faz recomendações sobre sentenças federais. Diferentemente da maioria de seus colegas, é uma das poucas com experiência no sistema penal. Sua confirmação foi uma vitória bipartidária significativa, que se deu em um momento conturbado interna e externamente.
Ketanji Onyika, que significa “adorável” no idioma suaíli, é como se chama a pessoa que se tornou símbolo do poder e do potencial de um país onde homens e mulheres africanos já foram forçados a mudar seus nomes e, onde até os dias atuais, carregar um prenome que soe africano pode prejudicar na busca por emprego. Jackson faz parte do grupo de pessoas historicamente mais excluídas da participação na democracia da principal economia do mundo. As mulheres negras conseguiram o direito ao voto apenas em 1965, muito depois dos homens negros, em 1870, e das mulheres brancas, em 1920.
Citando a escritora Maya Angelou, Jackson disse: “Faço isso agora, enquanto trago os presentes que meus ancestrais deram. Eu sou o sonho e a esperança do escravo”. Sua posse foi, de fato, um momento historicamente importante. De 115 juízes que já serviram à Suprema Corte, Jackson é a terceira pessoa negra, depois de Thurgood Marshall e de Clarence Thomas. E a sexta mulher, depois de Sandra Day O’Connor, Ruth Bader Ginsburg, Sonia Sotomayor, Elena Kagan e Amy Coney Barret.
(Arquivo) Algumas das (ainda poucas) mulheres na Suprema Corte. Da esq. para a dir., as juízas Sandra Day O’Connor, aposentada, Sonia Sotomayor, Ruth Bader Ginsburg e Elena Kagan, na Sala de Conferências, na cerimônia de posse desta úlitima, em 1º out. 2010 (Fonte: site da Suprema Corte)
Jackson foi oficialmente empossada em setembro de 2022, depois que o juiz Stephen Breyer se aposentou. De nove assentos na Suprema Corte, quatro estão ocupados por mulheres. A nomeação de mulheres para cargos do Judiciário federal cresceu ao longo dos anos, principalmente durante os governos democratas. Depois de mais de um ano como presidente, Joe Biden nomeou 11 mulheres negras como juízas federais. De toda forma, o que afirmam é que o democrata terá impacto modesto na diversidade racial, étnica e de gênero nos tribunais federais, devido às tendências de rotatividade e aos costumes de confirmação do Senado. Por enquanto, o atual presidente dos EUA fica atrás apenas de Barack Obama e Bill Clinton. Ambos seus correligionários que serviram por oito anos na Casa Branca, nomearam 26 e 15 mulheres negras, respectivamente. De acordo com o Pew Research Center, George W. Bush nomeou oito (em oito anos de mandato), George H. W. Bush e Donald Trump, duas (em quatro anos de mandato), e Ronald Reagan, uma mulher negra (em oito anos de mandato).
Presidentes republicanos têm menos probabilidade de nomear mulheres, ou minorias raciais e étnicas, do que os democratas. E um aspecto interesse para se observar é que o número de mulheres negras (70) é menor que o número de homens negros (239) nomeados como juízes federais. Entre as mulheres negras juízas federais, a maioria foi em nível distrital, e apenas 13, em nível de tribunal de apelação/tribunal regional.
Apoio e oposição
Jackson teve mais apoio do que oposição entre todos os grupos raciais e étnicos. A partir da pesquisa com o público, antes da confirmação do Senado, adultos negros eram mais propensos do que brancos e hispânicos a acreditar que a nomeação de Jackson era historicamente importante. Mulheres apareceram como mais propensas do que homens a considerar a nomeação da juíza historicamente importante; e os democratas, mais propensos do que republicanos a acreditar que a nomeação era “extremamente importante”. Jackson é popular no geral. Pesquisas mostraram que cerca de metade da população dos EUA queria que o Senado aprovasse a juíza para a Suprema Corte, com 30% se opondo à confirmação. Apesar do apoio, Jackson foi interrompida várias vezes durante as audiências antes de sua confirmação por parte do Senado. Foi acusada e atacada por republicanos, sem fundamento.
A análise do Brennan Center mostrou que o debate sobre a nomeação de Jackson mobilizou dois tipos de patriotismo. Um deles foi o patriotismo dos negros americanos, mobilizado no discurso da juíza ao homenagear ícones dos direitos civis e símbolos de orgulho e esperança para o futuro do país.
Já os senadores republicanos utilizaram o “patriotismo combativo”, porque, explicitamente, queriam posicioná-la como antipatriótica e como uma ameaça ao país. Os senadores Ted Cruz (R-TX) e Josh Hawley (R-MO) criticaram seu julgamento, caráter e competência, usando as decisões de condenação da juíza sobre os casos de pornografia infantil. Em sua rede social, Hawley afirmou que Jackson tinha o “padrão” de ser leve com criminosos de pornografia infantil. E o Comitê Nacional Republicano criticou o trabalho feito pela juíza quando representou os detidos na Baía de Guantánamo, ignorando o fato de que qualquer ataque à juíza por defender o direito a julgamento justo é um ataque à Constituição. A senadora Marsha Blackburn (R-TN) insinuou que Jackson tem uma agenda oculta, na qual “facilita as coisas” para criminosos violentos e pedófilos, além de utilizar o projeto antirracista da juíza, voltado para uma escola progressista em Washington, para atacá-la. Outros conservadores duvidaram de sua qualificação.
Era improvável que os republicanos fossem descobrir algo novo da nomeada para atacarem-na durante as audiências. Ao longo dos anos, os presidentes são pressionados para nomear juízes previsíveis ideologicamente. Aparentemente, por ser um voto liberal confiável, ela teria apoio bipartidário. Três republicanos votaram com os democratas a favor da confirmação de Jackson: os senadores Susan Collins (R-ME), Mitt Romney (R-UT) e Lisa Murkowski (R-AK).
(Arquivo) As senadoras republicanas Susan Collins e Lisa Murkowski (Crédito: Senado dos EUA/ Gabinete dee Lisa Murkowski)
Diversidade e representação política
Em seu discurso após a confirmação de Brown pelo Senado, o presidente Biden afirmou ser “uma coisa poderosa quando as pessoas podem se ver nos outros” e enfatizou a necessidade de um tribunal que se pareça com a América. Ainda de acordo com análise do Brennan Center, vários aspectos mostram a importância da diversidade na Suprema Corte. Por exemplo, poucos juízes têm formação em representação civil e criminal de indigentes, ou direitos e liberdades civis. A diversidade de formações de profissionais também é importante, pois um banco de juízes diversificado aumenta a credibilidade e a confiança no sistema de justiça entre as comunidades sub-representadas. Além de experiências de vida, a diversidade reflete muitas formações pessoais e profissionais, que acabam promovendo uma jurisprudência mais rica.
Conforme essa mesma análise, juízes de origens diferentes governam de forma diferente uns dos outros, o que promove decisões também diferentes. A experiência de vida molda como os juízes veem a lei. De acordo com pesquisas, juízes brancos impuseram mais condições à liberdade provisória do que juízes negros. E 70% dos juízes federais são ex-advogados e promotores corporativos, mais propensos a serem contra as vítimas de discriminação no emprego. Juízas mulheres são mais propensas a identificar o preconceito de gênero em processos e intervir. Estudos também mostraram que, quando uma juíza ou pessoa não branca participa de painéis de apelação com três juízes, os colegas homens e brancos ficam mais propensos a concordar com a vítima em casos de direitos civis.
Tribunais não se parecem com a comunidade americana
Apenas em 1966, Constance Baker Motley foi a primeira mulher negra juíza federal, nomeada pelo presidente Lyndon Johnson, ocupando a posição no Tribunal Distrital dos Estados Unidos para o Distrito Sul de Nova York e, entre 1982 e 1986, foi chefe do distrito. A primeira mulher chegou à Suprema Corte em 1981, enquanto a primeira mulher não branca entrou em 2009. Até os dias atuais, apenas dois homens negros ocuparam o alto cargo.
(Arquivo) Constance Baker Motley é empossada como a nova presidente do distrito de Manhattan pelo então prefeito Robert Wagner, acompanhada do marido, Joel Jr. e do filho, Joel III, em Nova York, em 5 fev. 1965 (Crédito: Phyllis Twachtman)
A Suprema Corte dos Estados Unidos não se parece com a comunidade do país, nem mesmo com os tribunais. De acordo com o Brennan Center, existe uma desconexão entre os tribunais e a diversidade das comunidades americanas.
Os supremos tribunais estaduais interpretam e fornecem a palavra final nas leis e constituições estaduais e decidem, principalmente, sobre regras eleitorais, redistritamento, direitos reprodutivos, proteção ambiental etc. De acordo com pesquisas, cada um dos 50 supremos tribunais estaduais tem cinco e nove juízes e, em 22 estados, todos os juízes são brancos. Destes 22, 11 estados têm pelo menos 20% da população não branca. Os tribunais superiores de Kansas e Alasca, por exemplo, nunca tiveram um juiz não branco. Apenas sete estados têm mais juízes não brancos que a população não branca do estado, proporcionalmente. Juízas mulheres representam 39% das supremas cortes estaduais e 30 estados não têm uma única mulher negra como juíza. Além disso, 22 estados usam eleições para preencher cargos dos tribunais superiores estaduais, que geralmente exigem campanhas multimilionárias, o que representa obstáculos aos candidatos de cor, que também são mais propensos a receberem menos apoio de grupos de interesse do que os candidatos brancos.
Nenhuma pesquisa sugere que a formação dos juízes determina como decidem os casos, ou que a diversidade garante resultados mais justos. Entretanto, as consequências de maior representação política envolvem maior engajamento político dos jovens, já que estabelecem modelos e combatem estereótipos. Não se pode acreditar no fim dos conflitos raciais, como aconteceu quando Barack Obama, o primeiro presidente negro dos EUA, foi eleito. A “Era Pós-Racial” está consideravelmente longe. Ainda existem outras questões para que o país avance em termos raciais e de gênero, mas não se pode negar que Ketanji Onyika Brown Jackson representa os sonhos e a esperança do povo afro-americano.
* Vitória de Oliveira Ribeiro é mestre em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Contato: vitoriaribri@gmail.com.
** Revisão e edição finais: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 13 abr. 2022. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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