Biden diminui a pedra de Sísifo financeira de mais de 150.000 estudantes
Empréstimos estudantis (Crédito: thisisbossi/Flickr)
Por Débora M. Binatti* [Informe OPEU]
No final de fevereiro, a um mês para o equinócio de primavera no hemisfério norte, o presidente Biden perdoou a dívida estudantil de mais de 150.000 universitários e ex-universitários devedores de empréstimos estudantis. Tal decisão levou ao perdão totalizado de US$ 1,2 bilhão, abrangendo beneficiários inscritos no plano de reembolso do Saving on a Valuable Education (SAVE). Junto às outras ações do governo destinadas à diminuição das dívidas advindas de empréstimos estudantis, o governo Biden-Harris já aprovou quase US$ 138 bilhões em cancelamento de dívidas. Esse valor alcançou, até o momento, quase 3,9 milhões de americanos endividados, como afirma a Casa Branca.
Mas o que é o SAVE? Ele foi criado pela administração Biden em 2023 como um plano de diminuição de dívidas relacionadas com empréstimos estudantis, por meio do parcelamento de seu pagamento orientado pela renda (IDR, na sigla em inglês) para mutuários dessa categoria em específico. Dessa forma, o plano estabelece pagamentos mensais de 5% a 10% da renda discricionária e prevê o perdão dos saldos dos empréstimos após 20 ou 25 anos. No site oficial, é exposto que, de acordo com uma nova fórmula para o cálculo da renda discricionária, cerca de 1 milhão de mutuários de baixa renda se qualificariam para um pagamento mensal de US$ 0 por empréstimo estudantil.
Assim sendo, esses 150.000 beneficiários que estão recebendo assistência são os primeiros favorecidos por uma política do plano SAVE que oferece o perdão da dívida para os mutuários que estão pagando suas dívidas após dez anos e que contraíram US$ 12.000 ou menos em empréstimos estudantis. Originalmente planejado para ser lançado em julho, o governo Biden-Harris implementou essa cláusula do SAVE e está implementando a ação quase seis meses antes do previsto Tal ação pode ser interpretada, possivelmente, como uma medida que visa a aumentar a popularidade do governo, tendo em vista as eleições de 2024.
Embora, sozinho, o auxílio de Biden aos americanos afogados em dívidas universitárias pareça grande numericamente, é necessário lembrar que milhões de cidadãos têm dívidas de empréstimos estudantis que se acumulam em quase US$ 1,6 trilhão, de acordo com o Federal Reserve Bank de Nova York, como informa matéria da rede CNN, sendo o resultado de uma explosão de empréstimos que vêm ocorrendo há décadas, juntamente com o aumento dos custos de educação. Ainda que seja um problema multigeracional, é importante lembrar que a maior parte dos afetados tem menos de 30 anos – isto é, pessoas que mal começaram sua vida economicamente ativa já estão sujeitas a um grande endividamento. Dados do College Board constatam que 51% dos alunos que se formaram em instituições públicas com cursos de quatro anos de duração saíram com uma dívida federal de, em média, mais de US$ 21.000 por pessoa, enquanto que para aqueles que estudaram em uma instituição privada o valor sobe para 53% se formando com uma dívida federal média de mais de US$ 22.000.
Quando surgiram os empréstimos estudantis?
O governo federal começou a garantir empréstimos estudantis fornecidos por bancos e credores sem fins lucrativos em 1965, criando o programa que hoje é chamado de Federal Family Education Loan (FFEL). No entanto, os primeiros empréstimos federais para estudantes, concedidos pela Lei de Educação de Defesa Nacional de 1958, eram empréstimos diretos capitalizados com fundos do Tesouro dos EUA, seguindo uma recomendação do economista Milton Friedman. Quando o Congresso quis expandir esse início, as regras orçamentárias fizeram, no entanto, que a abordagem de garantia parecesse mais atraente do que era. Atualmente, esse sistema de empréstimos estudantis garantidos foi totalmente substituído, e todos os novos empréstimos são emitidos diretamente pelo Departamento de Educação.
(Arquivo) Dia de Ação pelo cancelamento da dívida estudantil, em Washington, D.C., em 4 abr. 2022 (Crédito: Mike Ferguson/American Association of University Professors/Flickr)
Mas não foi sempre assim. O site de divulgação de educação financeira LendEDU relata que, em 1867, embora já existisse o Departamento de Educação dos Estados Unidos, não havia um único programa voltado para empréstimos estudantis. Somente em 1944, com a legislação GI Bill, surge a primeira forma de política voltada para financiamento estudantil: veteranos de guerra da Segunda Guerra Mundial recebem dinheiro para ir para a faculdade de graça, ou por um preço muito baixo. Nos anos seguintes, os veteranos representariam quase a metade dos que frequentam a faculdade.
A primeira aparição dos empréstimos para estudantes surge em 1958 como uma política combativa à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Esses empréstimos foram oferecidos aos estudantes sob proteção da Lei de Educação de Defesa Nacional, como uma forma de competir com os soviéticos em termos de mão de obra qualificada e acadêmica. Os alunos do ensino médio que se mostraram promissores em matemática, ciências, engenharia ou língua estrangeira, ou aqueles que queriam se tornar professores, receberam subsídios, bolsas de estudo e empréstimos estudantis. Nos anos seguintes, destacando-se 1965, com a Lei de Educação Superior; 1966, com a Associação Nacional de Administradores de Auxílio Financeiro; e 1972, com o Subsídio para Oportunidades Educacionais Básicas, tais programas de auxílios e subsídios se expandiram.
Curiosamente, com a queda da URSS, o cenário muda. Com as Emendas à Educação Superior de 1992, há a criação do FAFSA (Formulário Gratuito para Auxílio Federal ao Estudante), do programa Direct Lending e dos empréstimos não subsidiados Stafford. Na prática, isso significou que agora os alunos tinham de cobrir os custos dos juros enquanto estavam na escola, e não o governo federal. Até então, o governo federal estava subsidiando os empréstimos estudantis. É com essas mudanças que começamos a ver o sistema moderno de empréstimos estudantis.
Isso não significa, contudo, que o governo tenha parado os investimentos e subsídios na educação. Segundo a organização The Heritage Foundation, durante o ano fiscal de 2022, as universidades da Ivy League – isto é, o grupo formado por oito das universidades mais prestigiadas dos Estados Unidos: Brown, Columbia, Cornell, Dartmouth, Harvard, Universidade da Pensilvânia, Princeton e Yale – receberam US$ 1,8 bilhão para despesas gerais com bolsas de pesquisa financiadas pelo governo. Isso representa 84% do valor total do subsídio governamental que essas universidades receberam. As mesmas Ivy League que cobram de seus alunos entre US$ 76.000 a US$ 85.000 por ano.
Assim sendo, cabe o questionamento dos limites das ações do governo Biden-Harris, tendo em vista a problemática sistêmica que vem se construindo desde a década de 1990.
* Débora Magalhães Binatti é graduanda em Relações Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais e Defesa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IRID/UFRJ) e pesquisadora de iniciação científica do INCT-INEU e do INANA. Contato: dmfcbinatti@gmail.com. Twitter: @debs_binatti. Instagram: @debs_binatti.
** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Recebido em 29 fev. 2024. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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