CPAC e o avanço republicano entre populações latino-americanas
(Arquivo) O então presidente Donald Trump discursa na CPAC, em 29 fev. 2020, no Centro de Convenções e Resort Nacional Gaylord, em Oxon Hill, MD (Crédito: Casa Branca/Tia Dufour/Flickr)
Por Thaís Caroline A. Lacerda, para Latino Observatory* [Republicação]
Uma crescente aliança entre líderes latino-americanos de extrema direita, como Nayib Bukele, de El Salvador, e Javier Milei, da Argentina, e o Partido Republicano dos Estados Unidos, tem recebido destaque pela participação desses líderes latino-americanos na Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC). Essa parceria é vista como estratégica tanto pelos líderes latino-americanos, que buscam fortalecer laços com potenciais futuros líderes dos EUA e influenciar a política externa, quanto pelos republicanos, que veem nesses líderes uma oportunidade de reforçar sua mensagem de oposição à esquerda ou aos governos e líderes considerados socialistas.
Importante notar que a CPAC começou em 1974 e, historicamente, tornou-se um encontro anual de conservadores predominado pelo Partido Republicano que, nos últimos anos, passou a ser associado principalmente ao ex-presidente Donald Trump e a seus seguidores da extrema direita, sendo transmitido ao vivo, com a duração de vários dias.
A contínua expansão da CPAC para além das fronteiras dos Estados Unidos, incluindo conferências em diversos países, reflete uma estratégia de alcance global da direita conservadora e antidemocrática que busca solidificar alianças internacionais para promover uma agenda comum. O Partido Republicano está buscando também alianças com a extrema direita latino-americana como parte de sua estratégia para atrair o eleitorado de origem latina nas eleições norte-americanas deste ano. Essa abordagem, que inclui o apoio a líderes conhecidos entre os eleitores hispânicos, está sendo implementada em diferentes comunidades, como os cubano-americanos e os venezuelano-americanos na Flórida.
Mercedes Schlapp, ex-assessora de Trump, destacou que os democratas historicamente têm buscado o voto latino, mas a administração Trump também reconheceu a importância desse eleitorado, buscando ativamente seu apoio durante a campanha de reeleição em 2020, segundo o Los Angeles Time.
Com uma população de 2,3 milhões nos Estados Unidos, os salvadorenhos já superam os cubanos (2,2 milhões), e tanto Bukele quanto Milei surgem como contrapontos aos líderes de esquerda na América Latina. A presença deles na CPAC reflete uma tentativa do Partido Republicano de promover laços com líderes latino-americanos conhecidos por suas posturas políticas alinhadas com a extrema direita.
Discurso de Javier Milei na CPAC, na íntegra (Fonte: Right Side Broadcasting Network)
Esses líderes, assim como Viktor Orbán, da Hungria, e Jair Bolsonaro, do Brasil, que já participaram do evento em anos anteriores, costumam ser descritos como populistas convictos que propõem soluções radicais para os problemas em seus países. A direita estadunidense tende a considerar essas propostas radicais como atrativas, mesmo que muitas delas não sejam viáveis, ou recomendáveis, nos Estados Unidos. A relação entre alguns desses líderes e Donald Trump, potencial candidato republicano à Presidência, tem sido amigável, com Trump elogiando publicamente tanto Bukele quanto Milei. Outros políticos conservadores, como o deputado Chip Roy, do Freedom Caucus, elogiaram a proposta de Milei por um governo “limitado”.
Os líderes latino-americanos destacados, Bukele e Milei, são descritos como figuras “populistas de direita” com apelos distintos. De um lado, Bukele, que tem uma alta taxa de aprovação em El Salvador, é elogiado por suas políticas de segurança e seu combate às gangues, apesar das críticas à sua abordagem autoritária. De outro, Milei, um economista considerado “populista”, busca implementar políticas de “terapia de choque” para lidar com a crise econômica na Argentina. No que tange à relação complexa entre Bukele e o governo Biden, apesar das críticas às suas medidas antidemocráticas, Bukele tem sido visto com simpatia pela administração estadunidense, devido aos esforços para conter a migração irregular. Essa dinâmica ilustra as complexidades das relações entre os Estados Unidos e os líderes latino-americanos, que muitas vezes envolvem uma combinação de interesses estratégicos e preocupações com direitos humanos e democracia.
“A união entre os republicanos e a direita latino-americana se fortaleceu com a estreita relação entre o então presidente brasileiro Jair Bolsonaro e Trump. Bolsonaro, querido entre os conservadores nos EUA, discursou na CPAC de 2023 depois de perder sua candidatura à reeleição. Os aliados de Trump trabalharam para ajudar Bolsonaro em sua candidatura à reeleição em 2022, exportando algumas das estratégias de campanha de Trump, incluindo sugestões de fraude eleitoral antes da eleição. […] Agora os conservadores voltaram sua atenção para Bukele e Milei”, segundo a matéria da NBC.
A relação entre Trump e esses líderes é evidenciada por gestos simbólicos, como a troca de elogios e a presença de figuras proeminentes, como o senador republicano Marco Rubio, que demonstrou seu apoio autografando uma caneca com o slogan de campanha de Milei. No entanto, a tentativa de Trump de atrair o voto latino é criticada por opositores, como Maca Casado, porta-voz da campanha de Biden, que acusa o ex-presidente de adotar políticas anti-imigração e demonizar os latinos por ganhos políticos.
Um fenômeno que se evidencia preponderante aos movimentos políticos conservadores da extrema direita e sua extensa adesão à população de países latino-americanos e entre a população migrante nos Estados Unidos é o fortalecimento do conservadorismo religioso e do nacionalismo cristão. Podemos tomar como um exemplo o recente protesto de uma multidão que se reuniu por meio de uma caravana próxima à fronteira com o México, em Quemado, Texas, para protestar contra a administração do presidente Biden e expressar preocupações sobre a imigração ilegal. Os participantes utilizaram bandeiras “Trump 2024” misturadas com bandeiras cristãs, destacando o alinhamento político e religioso dos participantes. Um comício intitulado “Recuperem a nossa fronteira” foi realizado e reuniu, segundo a matéria da NBC, desde cristãos pacíficos até aqueles que defendiam medidas mais extremas contra a imigração “ilegal”, um tema muito pautado nos meses que antecedem a corrida eleitoral deste ano. Ainda mais recente, foi a crítica contundente aos imigrantes nos Estados Unidos feita pelo pastor Ed Young, da Segunda Igreja Batista em Houston, para sua congregação composta por cerca de 18.000 membros. No domingo de manhã (25), durante um sermão inflamado, o pastor de longa data da “megachurch”, que possui seis filiais na cidade, demonizou os migrantes que atravessam a fronteira entre os Estados Unidos e o México. Ele se referiu a eles como “indesejáveis”, “lixo” e “escória”, e acrescentou que os Estados Unidos estão “perdidos por tolices”.
Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa de Religião Pública (PRRI), uma organização apartidária e sem fins lucrativos, revela que os protestantes hispânicos estão entre os maiores defensores do nacionalismo cristão, apesar das posições anti-imigração e antidiversidade associadas a essa ideologia. Embora a maioria dos americanos entrevistados rejeite ou seja cética em relação ao nacionalismo cristão, sua influência no Partido Republicano está moldando políticas educacionais, de saúde e imigração nos Estados Unidos. Os dados mostram que, por um lado, 55% dos protestantes hispânicos, principalmente evangélicos, têm crenças nacionalistas cristãs, enquanto 66% dos evangélicos brancos compartilham essas opiniões, representando a maior parcela entre os grupos pesquisados. Por outro, 72% dos católicos latinos disseram rejeitar ou ser céticos em relação ao nacionalismo cristão. A pesquisa também revela que os republicanos têm uma probabilidade significativamente maior de abraçar o nacionalismo cristão em comparação com independentes e democratas. Esses nacionalistas cristãos têm sido fortes apoiadores de Donald Trump, o que é evidenciado por várias pesquisas.
O nacionalismo cristão é caracterizado por crenças que defendem o domínio do cristianismo branco americano em todos os aspectos da vida nos Estados Unidos. Muitos adeptos dessa ideologia desejam que o governo federal declare os Estados Unidos uma nação cristã e se afaste de interpretações seculares da democracia. Eles se opõem firmemente ao aborto, aos direitos das pessoas transgênero e à diversidade religiosa, vendo-a como uma ameaça à sua visão de mundo cristã. Líderes cristãos de direita têm sido ativos na promoção do nacionalismo cristão, inclusive recrutando pastores evangélicos latinos para essa ideologia. No entanto, muitos evangélicos latinos podem não estar cientes de que estão sendo doutrinados com essas ideias, segundo observou a matéria da Axios, quando contatou Elizabeth Ríos, fundadora do South Florida Passion Center. Segundo a publicação, Rios destacou que muitos latinos foram discipulados em mega igrejas de adeptos majoritariamente brancos, onde o nacionalismo cristão é prevalente. A dicotomia entre a mensagem cristã tradicional e o nacionalismo cristão destaca uma divisão dentro da comunidade cristã, especialmente entre os latinos nos Estados Unidos.
Elizabeth Ríos, fundadora do South Florida Passion Center (Crédito: site institucional)
Apesar da retórica anti-imigração das lideranças conservadoras e de seus adeptos, uma pesquisa da Immigration Research Initiative apresentou dados que comprovam que a população migrante nos Estados Unidos, além de contribuírem para a economia por meio do trabalho, também aumentam as receitas fiscais estaduais e locais. No primeiro ano, para cada 1.000 trabalhadores migrantes, é previsto um aumento de US$ 22 milhões no salário anual agregado e um aumento de US$ 2,5 milhões nas receitas fiscais estaduais e locais. Após cerca de cinco anos, esses números aumentam para US$ 32 milhões e US$ 3,6 milhões, respectivamente. Ainda segundo a pesquisa, a longa história de imigração nos Estados Unidos demonstra que, à medida que os imigrantes se estabelecem e melhoram suas habilidades no idioma inglês, eles tendem a obter empregos melhores e salários mais altos. Isso sugere que os novos imigrantes, se tiverem oportunidade, também podem progredir economicamente ao longo do tempo.
No entanto, apesar dos indicadores favoráveis à presença da força de trabalho da população migrante no país, a pesquisa do Pew Research Center demonstrou que a maioria dos estadunidenses considera o grande número de migrantes na fronteira uma crise ou um grande problema. As opiniões partidárias sobre essa questão também variam, com os republicanos (70%) mais propensos a descrever a situação como uma crise em comparação com os democratas (22%). O estudo também examinou as preocupações dos americanos sobre o influxo de migrantes, incluindo encargos econômicos e preocupações com segurança, e “22% das pessoas apontaram para os encargos econômicos associados ao afluxo de migrantes, incluindo as pressões que os migrantes colocam sobre os serviços sociais e outros recursos governamentais […] 22% também citam preocupações de segurança. Muitas destas respostas centram-se no crime (10%), terrorismo (10%) e drogas (3%)”.
O cenário político que se apresenta é complexo e se tornou importante acompanhar as tendências políticas emergentes na América Latina e sua interação com o cenário político dos Estados Unidos, destacando a crescente influência dos líderes conservadores da região na política global. O chamado nacionalismo cristão pode, dentre outros fatores, colaborar para uma melhor avaliação que relaciona o conservadorismo e adesões à extrema direita por partes da população latino-americana, incluindo aquela que migra para os Estados Unidos. A dimensão político-ideológica dos países de origem, incluindo os interesses de suas elites, também se associa à problemática da presente análise. Embora alguns observadores estejam entusiasmados com a presença dos líderes latino-americanos da extrema direita na CPAC, outros permanecem céticos quanto aos impactos políticos e diplomáticos dessas alianças em um contexto eleitoral nos Estados Unidos, apesar de terem influenciado diretamente os processos eleitorais de países como Brasil e Argentina.
* Thaís Caroline Lacerda é coordenadora do Latino Observatory, junto com o prof. Marcos Cordeiro Pires, e doutora em Ciências Sociais (Unesp-Marília). Contato: latinobservatory@latinobservatory.org.
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