Desafios emergentes: o impacto da IA e da desinformação nas eleições de 2024 nos EUA
Fonte: The Aspen Institute
OPEU nas eleições americanas 2024
Por Lauro Henrique Gomes Accioly Filho* [Informe OPEU] [Eleições 2024]
Nos períodos eleitorais, a efervescência das campanhas políticas pode rapidamente escapar ao controle. Nesse contexto, ainda é rara a discussão sobre como a Inteligência Artificial (IA) pode agravar esses cenários. A opinião pública se torna uma das principais vítimas das notícias falsas disseminadas na Internet. Embora a Internet tenha, por si só, apresentado desafios significativos para as democracias, a IA emerge como uma força com potencial tanto para produzir efeitos estrondosos quanto sutis na vida social e política.
Segundo dados da Freedom House, em 2023, o emprego de IA para semear dúvidas, difamar oponentes e influenciar o debate público, especialmente, em períodos eleitorais, foi detectado em 16 países, incluindo os Estados Unidos. A rapidez e a sofisticação das ferramentas baseadas em IA, capazes de gerar texto, áudio e imagens, tornaram-se preocupantes, devido a sua acessibilidade, contribuindo para uma escalada alarmante dessas práticas de desinformação. Especialmente, porque qualquer pessoa pode ter acesso à tecnologias de IA que criam vídeos fictícios se passando por outra pessoa, sendo esses vídeos difíceis de distinguir da sua autenticidade, o Instituto Vero já produziu um vídeo esclarecedor e demonstrativo em sua rede social, provando esta questão.
Embora as mídias sociais em si não sejam intrinsecamente problemáticas, seu uso às vezes é que se torna um desafio. O maior perigo das mídias sociais, por exemplo, é quando os líderes políticos desincentivam a busca por diversidade de fontes de informação por parte de seus apoiadores, fazendo-os “reféns” de obter informações apenas por intermédio de suas redes sociais e que apenas poucos veículos sejam considerados legítimos e confiáveis, como sites, jornais, podcasts e programas de rádio.
Dessa forma, observa-se uma concentração de informações em certos grupos, o que impede o diálogo efetivo entre diferentes segmentos sociais. Isso propicia a disseminação de informações falsas, prejudicando a relação da população com o Estado e seus componentes, especialmente em períodos eleitorais. A existência de uma imprensa independente e de fontes confiáveis é crucial para que as pessoas possam fazer escolhas políticas informadas, evitando movimentos contrários à democracia que aumentam a incidência de violência política.
A utilização atual da tecnologia tem acarretado danos significativos à estrutura democrática, porém, o maior desafio tende a residir na identificação de onde flui a falsificação e a distorção da informação. Deste modo, a ameaça contínua à democracia pode ser entendida como um caos que é organizado, quer dizer, a imagem de caos foi planejada por alguém.
Um exemplo ilustrativo é a invasão ao Capitólio, conforme ressaltado pelo especialista em mídia Luke Munn, laureado com o prêmio de excelência em sua tese de doutorado pela Western Sydney University. Munn destaca que a publicação de um vídeo em que um líder incita seus seguidores a marcharem em direção ao Capitólio, resultando na invasão, evidencia a responsabilidade dos administradores de redes sociais. O fato de terem demorado a remover o material da plataforma e a utilização de manipulações informacionais, como a propagação de falsas alegações sobre fraude eleitoral, sugere que o discurso proferido durante o ataque foi cuidadosamente planejado, não se tratando de um simples deslize.
Nos últimos anos, surgiram várias alternativas às redes sociais tradicionais, como Parler, Rumble e Truth Social, criando uma comunidade de consumidores de notícias que refletem a crescente polarização na sociedade. Por exemplo, uma pesquisa de campo do Pew Research Center com usuários da rede social Truth Social, lançada por Trump aproximadamente um ano após sua suspensão indefinida e permanente do Facebook e do então Twitter, detectou que quase dois terços dos entrevistados (64%) eram a favor da proteção da liberdade de expressão, mesmo que esta traga consigo algum conteúdo falso.
O mais preocupante é que propagadores de notícias falsas utilizam estratégias para maximizar o envolvimento nas redes sociais, criando mensagens que evocam fortes reações emocionais. Em particular, mensagens negativas que depreciam grupos oponentes e geram considerável engajamento. E a polarização política amplifica a propagação de desinformação, uma vez que conteúdos sensacionalistas atraem maior atenção.
Nesse contexto, como enfatizado pelo filósofo sul-coreano Byung-Chul Han em obras como A Sociedade da Transparência (2017) e No Enxame: Perspectivas do Digital (2018), ambos publicados no Brasil pela Editora Vozes, a banalização do espaço midiático nas redes sociais reduz consideravelmente a capacidade de facilitar a comunicação. A exposição constante a uma sobrecarga de informações, carentes de profundidade e de autenticidade, resulta em interações digitais superficiais. Essa falta de profundidade pode ser um catalisador para a desumanização do “outro” político, facilitando a justificação de comportamentos extremos.
À vista disso, a tecnologia deepfake recebe uma amplitude maior frente os novos casos de desinformação que são explorados, tornando-se cada vez mais sofisticada e permitindo a criação de qualquer realidade desejada por seu criador. Este fenômeno representa não apenas um desafio à confiabilidade da informação, mas também uma ameaça tangível à integridade democrática e à percepção da verdade.
Um vídeo falso, em 20 de fevereiro de 2023, já circulou pelo Twitter, no qual parecia que a senadora Elizabeth Warren (D-MA) afirmava que os republicanos não deveriam ter permissão para votar. No entanto, o Twitter identificou o vídeo como “áudio alterado”, além de suspender uma das principais contas que compartilhou o material fraudulento. O dano foi, no entanto, irreversível.
Senadora Elizabeth Warren já foi alvo de fake news e deep fake (Crédito da imagem: Gage Skidmore)
Outra situação semelhante ocorreu quando o ativista de extrema direita Posobiec tuitou um vídeo que aparentava mostrar o presidente Joe Biden anunciando um alistamento militar em resposta à ofensiva da Rússia na Ucrânia. Ele descrevia o vídeo como uma “prévia do que está por vir”. Também neste caso, o então Twitter agiu, rotulando o tuíte e esclarecendo que o vídeo era um deepfake criado com o auxílio da IA. A percepção das pessoas sobre o vídeo ser real ainda persiste.
Deste modo, o que podemos esperar do uso dessa tecnologia na atual campanha eleitoral de 2024 nos Estados Unidos?
Diversos casos de imagens falsas geradas por IA nos Estados Unidos continuam a propagar desinformação. Contas ligadas às pré-campanhas dos republicanos Donald Trump e Ron DeSantis para a eleição presidencial de 2024 já utilizaram vídeos manipulados para minar o adversário. Essa estratégia envolveu a criação de imagens fictícias, como um vídeo que apresentava três imagens fabricadas de Trump abraçando o dr. Anthony Fauci, líder da resposta federal à covid-19, confundindo a distinção entre realidade e ficção para os eleitores republicanos durante as primárias.
Além disso, em fevereiro de 2023, surgiu um vídeo manipulado que exibia o presidente Biden, fazendo comentários transfóbicos. Essa produção alterada foi amplamente compartilhada nas redes sociais, evidenciando uma possível tentativa de minar a credibilidade de Biden junto aos eleitores que apoiam os direitos dos transexuais nos Estados Unidos. É notável que a comunidade transgênero frequentemente enfrenta desafios e ataques em várias regiões do país, tornando essa manipulação uma potencial estratégia para explorar essas sensibilidades e influenciar a opinião pública.
A crescente preocupação acerca dos impactos da Inteligência Artificial se torna mais evidente à medida que a distinção entre suas produções visuais fictícias e a realidade se torna desafiadora. Um estudo conduzido por Christopher Doss examinou os efeitos da IA na percepção de vídeos relacionados com a mudança climática, aplicando um questionário a estudantes (de ensino fundamental e médio, de graduação e de pós-graduação), a professores do ensino fundamental e médio e a alguns adultos sem formação educacional. Os resultados revelaram que os deepfakes já atingiram uma qualidade suficiente para introduzir confusão substancial, deixando todos os participantes vulneráveis à desinformação. Surpreendentemente, entre 27% e mais da metade dos entrevistados não conseguiram distinguir vídeos autênticos de deepfakes, sendo essa falta de discernimento ainda mais pronunciada entre os indivíduos mais velhos e de baixa formação educacional.
À vista disso, a introdução da IA no processo eleitoral dos Estados Unidos em 2024 pode agravar os problemas existentes relacionados à desinformação, à polarização política e à manipulação de informações, representando desafios significativos para a integridade democrática e a participação cidadã informada.
* Lauro Henrique Gomes Accioly Filho é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Contato: lauro.henrique.gomes.accioly@aluno.uepb.edu.br.
** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. 1ª versão recebida em 21 fev. 2024. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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