Brasil, disputas hegemônicas e multilateralismo
(Arquivo, da esq. para dir.) Presidente Luiz Inácio Lula da Silva; Presidente chinês, Xi Jinping; presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa; premiê indiano, Narendra Modi; e o chanceler russo, Sergey Lavrov, na Cúpula do Brics, em Joanesburgo, em 23 ago. 2023 (Crédito: Ricardo Stuckert/PR/Flickr)
Por Augusto Scapini* [Informe OPEU]
O Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre Estados Unidos (INCT-INEU) organizou mais uma edição de seu seminário internacional anual em 30 de novembro de 2023, em São Paulo. Esse encontro reuniu diversos pesquisadores associados ao Instituto, organizados em mesas que exploraram diferentes tópicos ligados ao tema “Encruzilhada: a América Latina frente à disputa hegemônica global”.
Dentre esses, Reginaldo Nasser (PUC-SP), Rafael Ioris (University of Denver/EUA) e Maria Regina Soares de Lima (IESP-UERJ) compuseram a quinta e última mesa do evento, intitulada de “O Brasil, disputas hegemônicas e multilateralismo”, moderada pelo professor Tullo Vigevani (UNESP/Brasil).
A professora Maria Regina inicia sua fala, pontuando que o multilateralismo, do ponto de vista brasileiro, sempre foi baseado mais em sua relação com os países da América do Sul do que as demais nações do globo. Já para a política internacional, os debates sobre o multilateralismo têm sido esvaziados, devido à ineficácia de órgãos internacionais, como a ONU, em resolver os recentes conflitos da Ucrânia e em Gaza, por exemplo. Assim como os conflitos by proxy da Guerra Fria, esses também ameaçam a estabilidade da ordem internacional, pois são protagonizados pelos principais oponentes do sistema: Estados Unidos, China e Rússia.
Marcado por essas disputas, Soares de Lima relembra que o momento atual é um reflexo dos diversos problemas globais enfrentados pelas nações do mundo: as disputas políticas domésticas, a fome, as questões climáticas e a pobreza. Assim, embora tenha semelhanças com o período da Guerra Fria, a conjuntura atual não pode ser analisada pela mesma lógica do passado, pois a tendência global observada hoje é de uma disputa intercapitalista internacional. Dado esse contexto, a volta de Lula ao poder representou para o Brasil uma oportunidade de investir novamente no multilateralismo como forma de regular o sistema, caminho que havia sido renegado durante os quatro anos do governo de Jair Bolsonaro.
Rafael Ioris aprofunda a discussão, ao apresentar alguns dos desafios enfrentados pelo Brasil e pela América Latina na atualidade: na esfera doméstica, a ascensão dos movimentos de extrema direita; e, na esfera internacional, a disputa hegemônica entre EUA e China. Nesse contexto, Ioris enxerga o protagonismo e a expansão do grupo BRICS como um potencial caminho de representação multilateral do Sul Global, pois é capaz de ultrapassar e questionar os limites impostos pelo modelo do multilateralismo neoliberal tradicional, ainda que seus países-membros – incluindo os recém-convidados Egito, Etiópia, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes – sejam dotados de disparidades políticas.
O professor destaca, ainda, a possibilidade de atuação do Brasil na liderança regional e de oportunidades de se beneficiar com uma aproximação dupla, tanto dos Estados Unidos quanto países do BRICS. Dessa maneira, observa-se o papel do presidente Lula em implementar uma Política Externa ativa e multilateral, como fora feito em seus mandatos anteriores (2003-2010), adaptada, no entanto, ao momento atual. Apesar de o papel do Brasil como interlocutor entre o Sul Global e “mundo ocidental” não ter ocorrido sem desafios e oposições, como visto no caso da tentativa de mediação empreitada por Lula durante o conflito russo-ucraniano, Ioris vê positivamente a inserção do país nos debates de governança global.
Assista à mesa na íntegra (Fonte: canal do INCT-INEU no YouTube)
Por fim, Reginaldo Nasser busca relacionar o conflito entre Israel e Palestina – que se intensificou com os ataques do Hamas em outubro – com os debates sobre as disputas hegemônicas e o multilateralismo da ordem internacional. O professor defende que alguns fatores contribuíram para o aprofundamento da divisão entre os países do bloco ocidental e do Sul Global no atual contexto: a aproximação da Rússia e China com a Arábia Saudita e os Emirados Árabes, então parceiros econômicos dos EUA; a retirada da Rússia da Síria, que provocou um isolamento americano no Oriente Médio; e a hesitação dos países do Sul Global em expressar apoio integral e imediato a Israel.
No caso do Brasil, Nasser considera que o posicionamento do país em relação à guerra em Gaza – nem voluntarista nem isolado – pode ser explicado pelo tipo de conflito colonial e pela falta de articulações internas, mas que faz parte de uma atitude mais ampla incentivada pelos demais países do BRICS e do Sul Global e poderá ser mais firme no futuro.
* Augusto Scapini é pesquisador bolsista de Iniciação Científica (INCT-INEU/PIBIC-CNPq) no OPEU e graduando em Relações Internacionais do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID/UFRJ). Contato: augusto.scapini@ufrj.br.
** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. 1ª versão recebida em 21 fev. 2024. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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