As idas e vindas das sanções dos EUA contra a Venezuela
Print da transmissão, pela TeleSur, da assinatura dos Acordos de Barbados, em 17 out. 2023 (Crédito: TeleSur)
Por Carolina Silva Pedroso*
Em 29 de janeiro de 2024, após a confirmação da inabilitação eleitoral da candidata María Corina Machado, representante escolhida nas primárias promovidas pela coalizão opositora Plataforma Unitária Democrática para competir com Nicolás Maduro, os Estados Unidos decidiram revogar o abrandamento das sanções econômicas impostas à Venezuela. Na sequência, o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos atualizou, em sua página institucional on-line, os termos das sanções, justificando a medida pela prisão arbitrária de membros opositores, pela desqualificação de Machado e pelo desrespeito aos Acordos de Barbados (firmados em outubro de 2023) por parte do governo bolivariano.
Os últimos anos da relação bilateral foram marcados pela imposição de crescentes sanções econômico-financeiras. Mais pontuais durante a presidência de Hugo Chávez (1999-2013), elas se tornaram recorrentes sob Nicolás Maduro, especialmente após o decreto presidencial de 2015, firmado por Barack Obama, que considerava a nação sul-americana uma ameaça à segurança dos Estados Unidos. A partir desse precedente, houve a sistematização e a intensificação dessa prática com Donald Trump (2017-2021), que passou a incluir nas restrições os estratégicos setores petroleiro e minerador, o que não foi totalmente descontinuado por Joe Biden.
O que está em jogo em 2024
Além de marcar os 25 anos da ascensão do chavismo ao poder na Venezuela, estão previstas eleições presidenciais para 2024. O pleito eleitoral foi objeto de intensas discussões entre governo e oposição, que coincidiram sobre a necessidade de garantir as condições legais e políticas para sua realização. A formalização desse compromisso mútuo está nos Acordos de Barbados, resultado das mesas de negociação mediadas pela Noruega, e que foram considerados um avanço por conseguir reunir as partes em contenda, após anos de profunda crise política e polarização, em prol da tolerância e convivência pacífica.
(Arquivo) María Corina Machado, em evento no think tank CSIS, em Washington, D.C., em 20 mar. 2014 (Crédito: CSIS)
Em síntese, os Acordos estabelecem que as partes aceitam e reconhecem o direito de cada grupo político escolher livremente seus candidatos à Presidência e a realização de eleições presidenciais livres e competitivas no segundo semestre de 2024, com data a ser definida. Admite também a observação internacional de missões como as do think tank estadunidense Carter Center, da União Europeia e do Painel de Especialistas Eleitorais da ONU, sob o compromisso das partes em zelar pela não ingerência externa e soberania nacional, além da promoção de um ambiente político e social de paz e liberdade.
Embora não tenham feito parte das mesas de negociação, os Estados Unidos celebraram o resultado, por meio de uma declaração imediata de seu secretário de Estado, Antony Blinken. Segundo ele, o compromisso assumido por Caracas de garantir condições para eleições livres e competitivas era o passo concreto aguardado pelo governo estadunidense para iniciar um processo de degelo temporário de algumas das sanções econômicas impostas ao país.
O relaxamento incide sobre três permissões específicas: para negociação secundária de determinados títulos soberanos da Venezuela e da estatal de petróleo PDVSA (tendo sido mantidas as proibições de negociação primária) e para transações com os setores de petróleo e gás e com a Minerven, estatal de mineração de ouro. Para as duas últimas foram concedidas licenças temporárias de seis meses, que seria o tempo necessário para avaliar se as promessas feitas em Barbados seriam efetivadas, enquanto as sanções que não foram mencionadas no documento seguiriam válidas.
Tanto na declaração de Blinken, como na decisão do Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros do Departamento do Tesouro, ficou claro que o afrouxamento provisório seria um sinal de boa vontade da administração Biden, tendo em vista a disposição do regime venezuelano em retornar à rota eleitoral. A expectativa de Washington era que, até novembro de 2023, esse processo avançasse, bem como uma negociação bilateral pela troca de prisioneiros. Os Estados Unidos exigiam a libertação de todos os cidadãos estadunidenses e políticos venezuelanos presos injustamente. Já a Venezuela queria a soltura de Alex Saab, empresário e diplomata acusado de operar esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro.
O empresário Alex Saab em imagem publicada em conta pessoal no site Flickr
O mês de dezembro de 2023 trouxe à tona mais uma preocupação: a realização de um referendo sobre o Essequibo, território reivindicado historicamente pela Venezuela, mas que está sob o domínio guianense. Por um lado, houve a demonstração de que o sistema eleitoral venezuelano poderia refletir de maneira idônea a vontade popular – esse é um dos poucos temas que unifica os distintos polos políticos no país e, como esperado, o resultado da consulta refletiu o maciço apoio da população. Por outro, a Guiana tem tido um crescimento econômico formidável com a exploração do petróleo dessa região, por meio de empresas como a estadunidense ExxonMobil, o que levou à mobilização de tropas na fronteira e reacendeu o temor de um conflito na América do Sul.
A despeito da escalada de tensões, os presidentes Nicolás Maduro e Irfaan Ali se reuniram em 14 de dezembro em São Vicente e Granadinas, de onde se comprometeram a manter o diálogo aberto e buscar a solução pacífica da controvérsia histórica. Alguns dias depois, apesar dos ruídos causados pela questão de Essequibo, as conversas bilaterais entre Venezuela e Estados Unidos foram bem-sucedidas, com o retorno de Saab e dos estadunidenses que estavam detidos aos seus respectivos países. Não foi uma decisão fácil para Biden, pois havia a expectativa de que, em algum momento, o aliado de Caracas pudesse colaborar com a Justiça e se tornar um delator de crimes que, há tempos, os EUA tentam imputar ao líder venezuelano. Em compensação, o retorno de todos os cidadãos norte-americanos que estavam detidos, alguns dos quais acusados de terem participado de um intento de golpe de Estado na Venezuela, pode ser considerada uma vitória diplomática para o democrata.
Em relação ao retorno das sanções econômico-financeiras, mesmo diante de uma possível, embora pouco provável, invasão venezuelana a Essequibo, o governo Biden prosseguiu com o descongelamento das relações entre os países. A aposta estadunidense ainda era na habilitação de María Corina Machado, que figura como a principal liderança de oposição com capacidade eleitoral de peitar e, a depender das condições, vencer Nicolás Maduro. Ou seja, os Estados Unidos seguiram os critérios estipulados pelos Departamentos de Estado e do Tesouro, que estavam relacionados a garantir a competitividade do processo eleitoral venezuelano de 2024.
O impacto das sanções
A crise multidimensional – política, econômica, social, migratória e humanitária – que atinge a Venezuela não pode ser creditada integralmente às sanções estadunidenses, ao mesmo tempo em que elas tampouco podem ser desconsideradas. É difícil mensurar o quanto essas medidas unilaterais contribuem para a debacle econômica do país, seja pela dificuldade de obtenção de dados confiáveis, seja pelo fato de que a piora nos indicadores macroeconômicos e sociais é anterior ao início dessa política por parte dos Estados Unidos. De toda forma, as penalidades econômicas e financeiras são um desafio adicional, sobretudo, em um cenário de recorde de entrada de venezuelanos em território norte-americano em 2023 e considerando-se a projeção de que seria preciso um crescimento de 6% durante 21 anos para reestabelecer o PIB de 2014.
A estratégia de estrangulamento econômico de governos que desafiam os interesses dos Estados Unidos não é novidade e tem em Cuba o exemplo mais radical, já que a ilha convive com um embargo econômico bastante rigoroso há décadas. Justamente pela longevidade do regime cubano surgem questionamentos quanto à efetividade desse tipo de ação, não só porque politicamente não alcançam o objetivo de mudança de regime, mas pelo impacto social sobre a população. No caso da Venezuela, as restrições são menos abrangentes que as impostas à Cuba, mas ainda assim tem consequências humanitárias.
Conforme explicou Alena Douhan, relatora especial das Nações Unidas sobre Medidas Coercitivas Unilaterais, existem diferentes tipos e níveis de sanções econômicas e financeiras. As que afetam indivíduos ou lideranças e seus ativos no exterior, por exemplo, tendem a ser muito menos danosas à população civil do que as que acometem fontes importantes de renda e financiamento de governos. Esses dois modelos estão em vigor na Venezuela, porém, na avaliação de Douhan, as que recaem sobre a PDVSA, que é responsável por 90% dos recursos estatais, geram efeitos devastadores. Em visita ao país em 2021, ela verificou impactos nas áreas de saúde pública, educação, fornecimento de comida e remédios, aumento da criminalidade e da imigração.
A relatora especial das Nações Unidas sobre Medidas Coercitivas Unilaterais, Alena Douhan (Fonte: UN Watch)
Isso significa que as sanções exercem um peso sobre a sociedade venezuelana, tornando a população mais vulnerável a atividades informais e ilegais e fortalecendo mercados paralelos e/ou o extrativismo predatório, como a mineração do ouro na região amazônica. Como forma de buscar outras opções de parcerias econômicas e financeiras, Caracas estreita seus laços diplomáticos e geopolíticos com potências rivais aos Estados Unidos, como Rússia, Irã e Turquia. Politicamente, as sanções também servem de justificativa para o regime cercear a atuação de opositores, sobretudo, daqueles com longo histórico de cooperação com Washington, como é o caso de María Corina Machado. A repulsa que esse nome causa nas fileiras do chavismo se deve ao fato de ela ter sido uma das articuladoras de um golpe que retirou Hugo Chávez do poder por alguns dias em abril de 2002, com apoio explícito dos Estados Unidos.
Se as sanções não resolvem o problema (ao contrário, parecem aprofundá-lo), a manutenção dessa estratégia pode estar ligada às eleições presidenciais norte-americanas, que ocorrerão em 2024. Ao que tudo indica, a disputa deve repetir a fórmula do pleito anterior, com Joe Biden enfrentando Donald Trump. Ainda que as relações bilaterais não sejam um tema decisivo para o eleitorado norte-americano, o democrata não tem conseguido se consolidar como o candidato favorito entre a comunidade latina em estados-chave, como Flórida, Arizona, Texas e Nevada. Ademais, o lobby antichavista da comunidade venezuelano-americana tende a apoiar a candidatura de Trump e pressiona seus congressistas a manter uma postura de estrangulamento do regime madurista.
Portanto, a insistência em uma estratégia que não rendeu os frutos esperados – a desestabilização e o enfraquecimento de Nicolás Maduro, sob alegação de apoio à democracia venezuelana, por meio do fortalecimento das condições de competitividade da oposição – pode ser muito mais um recado para o público interno do que uma aposta concreta na mudança de regime na Venezuela. Diante desse complexo cenário, as sanções são uma demonstração de que os Estados Unidos não estão sendo negligentes quanto ao problema venezuelano, mesmo que a solução continue distante.
* Carolina Silva Pedroso é professora do Departamento de Relações Internacionais da Unifesp, mestra e doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP e PUC-SP) e pesquisadora do INCT-INEU. Contato: carolina.pedroso@unifesp.br
** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Recebido em 9 fev. 2024. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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