Andrea Hoffmann: ‘há uma crise de legitimidade das OIs e da própria ordem internacional’
Crédito: Natália Constantino
Por Victor Cabral* [OPEU Entrevista]
Nesta edição do OPEU Entrevista, conversamos com Andrea Ribeiro Hoffmann, professora associada no Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (IRI-PUC-Rio) e professora colaboradora da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA). Doutora em Ciência Política/Relações Internacionais pela Universidade de Tübingen (Alemanha), mestra em Relações Internacionais (IRI-PUC-Rio) e economista também pela PUC-Rio, Andrea tem como principal linha de pesquisa a arquitetura do sistema internacional, observando aspectos das organizações internacionais, multilateralismo e regionalismo. Entre outros temas, a professora Andrea nos contou sobre sua trajetória acadêmica, os desafios das organizações internacionais na atualidade e sobre o impacto da ascensão dos movimentos de extrema direita na democracia.
OPEU: Professora Andrea, primeiramente, gostaríamos de agradecer por sua disponibilidade em ser entrevistada. A senhora tem uma importante contribuição para o campo de estudo das organizações internacionais, do regionalismo, da democracia e das relações entre América Latina e a Europa. Como essa trajetória se deu e o que a fez escolher esses temas de pesquisa?
Quando eu fiz mestrado no IRI [Instituto de Relações Internacionais, na PUC-Rio], no final dos anos 1990, sob a direção da profª Sonia de Camargo, havia um foco grande em América Latina, assim como em regionalismo e em relações entre América Latina e Europa. Tínhamos muitos professores argentinos, alguns ainda na PUC, como José María Gómez e Carlos Alberto Plastino… O tema da democratização também era presente, assim que acabei por me interessar por esses temas. Ao retornar para o Brasil depois do doutorado e ingressar no IRI, como docente, escrevi com a profª Mônica Herz um livro sobre organizações internacionais [publicado em 2004 pela Editora Elsevier], que fez parte de um projeto de escrever livros didáticos em português, dado que, até então, a grande maioria era em inglês. Continuei lecionando e pesquisando sobre estes temas deste então.
OPEU: Quanto ao livro Organizações Internacionais: histórias e práticas, houve uma atualização dele em 2015. O que mudou da primeira para a segunda edição quanto ao conteúdo?
Convidamos a profª Jana Tabak para participar da elaboração da segunda edição, que foi revisada e ampliada, tanto no escopo teórico como empírico.
OPEU: Como a senhora percebe as ações das organizações internacionais no redesenho do equilíbrio de poder e na atual conjuntura de recrudescimento de conflitos bélicos?
Há uma crise de legitimidade das organizações internacionais e da própria ordem internacional. Após o final da Guerra Fria e da “breve” década de 1990, os chamados países emergentes, assim como atores da sociedade civil global, intensificaram suas críticas e contestações aos princípios, normas e estruturas de governança. Essas contestações podem ser vistas como positivas, no sentido em que se referiam a demandas por transformações para que refletissem novas configurações de poder e noções de justiça e inclusão na política global. Mais recentemente, no entanto, contestações por parte de líderes e de movimentos de extrema direita se adicionaram, mas agora com um perfil destrutivo de princípios e valores democráticos, acentuando a crise e dificultando ainda mais a capacidade de organizações, como a ONU e seu Conselho de Segurança de resolver conflitos internacionais.
OPEU: A senhora considera que as organizações internacionais têm conseguido se manter ativas, com legitimidade e com seus membros aderindo às suas normas? É possível dizer que elas continuam relevantes? Caso sim, quando elas mais se mostram importantes?
Como afirmado acima, grande parte das organizações internacionais está passando por uma crise de legitimidade e perdendo sua relevância. Há um enfraquecimento do multilateralismo, e vários países têm-se engajado no plano internacional de forma unilateral, ou em coalizões com base ideológica. O negacionismo da ciência dos governos de extrema direita, sobretudo, de [Donald] Trump e [Jair] Bolsonaro, afetou a cooperação internacional nos campos do meio ambiente e da mudança climática, e da saúde, drasticamente. A crise também é visível no âmbito regional, em especial na América Latina, onde há uma fragmentação nos últimos anos em função da polarização política, acentuada durante a pandemia [da covid-19] e com o aumento da pobreza e da desigualdade desde então. Há uma expectativa de liderança do governo Lula e a retomada da cooperação e criação de iniciativas regionais, mas, até agora, pouco foi realizado além de cúpulas governamentais.
(Arquivo) O então presidente dos EUA, Donald Trump, entrega uma camisa personalizada, simbolizando o esporte nacional, ao então presidente Jair Bolsonaro, em Washington, D.C., 19 mar. 2019 (Crédito: Isac Nóbrega/PR)
OPEU: Um dos projetos, em que a senhora atua no momento, é o Multilateralismo e a Direita Radical na América Latina (MUDRAL). Pode nos contar um pouco mais sobre esse grupo, como ele funciona e qual a importância dele para o debate?
O projeto MUDRAL se iniciou em 2022 com o objetivo de compreender o surgimento de líderes e movimentos de extrema direita em vários países do mundo, incluindo no Brasil, e seus efeitos sobre o multilateralismo. Somos pesquisadores de diversas instituições, liderados pelo IRI, na PUC-Rio, e pela profª Mônica Herz. O projeto também visa a criar e fortalecer redes de pesquisa e solidariedade entre países da América Latina, como, por exemplo, no momento, a Argentina, onde um líder de extrema direita, Javier Milei, pode chegar ao poder**. O compartilhamento de experiências e pesquisas é crucial para a compreensão desses processos, pois são complexos e incluem dinâmicas inter e transnacionais.
OPEU: Por fim, estamos a um ano da eleição presidencial nos Estados Unidos, com uma provável retomada do embate entre o incumbente Joe Biden e o ex-presidente Donald Trump. Qual sua avaliação sobre a robustez da democracia estadunidense nesse pleito e o que podemos esperar de uma possível política externa regional dos Estados Unidos para a América Latina nos próximos anos?
A eleição de Trump significou o fim do mito do excepcionalismo da democracia estadunidense, com consequências profundas para os EUA e para a ordem global, acentuando a crise do multilateralismo. O fenômeno da extrema direita é mais amplo que a liderança de indivíduos. O trumpismo e o bolsonarismo ainda estão presentes na sociedade, apesar do fim dos mandatos de Trump e de Bolsonaro. Ainda assim, a presença de um presidente de extrema direita tem um grande impacto por sua capacidade de controlar a máquina do Estado. Uma reeleição seria catastrófica em vários sentidos.
* Victor Cabral é colaborador do INCT-INEU/OPEU e doutorando em Relações Internacionais pela PUC-Rio. Cobre a área de questões fronteiriças e migratórias dos EUA. Contato: victor.cabral97@gmail.com.
** Essa entrevista ao OPEU foi feita antes do resultado do segundo turno da eleição presidencial argentina, em 19/11, com a vitória de Milei.
*** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 19 nov. 2023. Este OPEU Entrevista não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
**** Sobre o OPEU, ou para contribuir com artigos, entrar em contato com a editora do OPEU, Tatiana Teixeira, no e-mail: tatianat19@hotmail.com. Sobre as nossas newsletters, para atendimento à imprensa, ou outros assuntos, entrar em contato com Tatiana Carlotti, no e-mail: tcarlotti@gmail.com.