Às margens da Cúpula da APEC, Biden e Xi retomam negociações bilaterais
Biden e Xi no Filoli Historic House & Garden, em Woodside, Califórnia, em 15 nov. 2023 (Crédito: DoS/Casa Branca)
Por Rúbia Marcussi Pontes* e Fernanda Reberte Maia** [Informe OPEU]
Entre os dias 11 e 17 de novembro de 2023, ocorreu, em São Francisco, na Califórnia, a 34ª Reunião de Cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC, na sigla em inglês), que contou com a presença de líderes e representantes dos 21 Estados-membros do bloco, que compõe aproximadamente 38% da população global, e 62%, do produto global bruto.
Com o tema “Criando um futuro resiliente e sustentável para todos”, o objetivo central era discutir temas que avançassem a cooperação econômica, com destaque para a conformação da Área de Livre-Comércio da Ásia-Pacífico (FTAAP, na sigla em inglês). No último dia de negociações, a reunião dos Líderes Econômicos, dirigida pelo presidente Joe Biden, acordou a Golden Gate Declaration, que salientou a importância de se combinar avanços tecnológicos e econômicos para fomentar a integração econômica entre os membros e enfrentar os desafios ambientais, com destaque para as mudanças climáticas.
Os líderes dos EUA e da China, Joe Biden e Xi Jinping, encontraram-se às margens da reunião da APEC, em 15 de novembro, com a presença de diversos representantes de alto nível para debater assuntos relacionados à cooperação bilateral.
Este foi o primeiro encontro cara a cara dos líderes no período de um ano. A última vez em que conversaram pessoalmente foi por ocasião da 17ª reunião de Cúpula do G20 em Bali, na Indonésia, em novembro de 2022. Desde então, as relações bilaterais foram tensionadas, principalmente no contexto da visita da então presidente da Câmara de Representantes, Nancy Pelosi, à Taiwan – o que levou a China a interromper a comunicação entre os militares dos dois países – e do incidente do “balão espião” chinês.
A constante dança entre EUA e China
Vários funcionários de alto escalão do governo Biden, incluindo o secretário de Estado, Antony Blinken, e a secretária do Comércio, Gina Raimondo, visitaram Pequim nos últimos meses para aliviar as tensões e retomar negociações de alto nível. A reunião bilateral entre os líderes era, portanto, amplamente aguardada e arquitetada pelos corpos diplomáticos.
Retrato de família: líderes da APEC 2023 (Fonte: Governo australiano)
As expectativas, principalmente por parte dos EUA, eram restabelecer os canais de comunicação militares, assim como discutir a interferência eleitoral chinesa em Taiwan, conforme relatado pelo coordenador para Comunicações Estratégicas do Conselho de Segurança Nacional, John Kirby.
Perguntado sobre o que seria um sucesso para essa reunião, Biden afirmou que “voltar ao curso normal” era suficiente, o que incluía “correspondência, poder pegar o telefone e conversar uns com os outros em caso de crise, ser capaz de garantir que nossos militares ainda tenham contato uns com os outros”.
Algo trivial e essencial em um contexto de persistência da guerra na Ucrânia e entre Israel e Hamas: qualquer e todo canal de comunicação é necessário para evitar que as tensões no Mar do Sul da China e em Taiwan escalem. Como finalizado por Biden, “não estamos tentando nos distanciar [decouple] da China – o que estamos tentando fazer é mudar o relacionamento para melhor [change for the better]”.
A esperada reunião bilateral
A reunião foi descrita pelos EUA como um momento de “discussão franca e construtiva sobre uma série de questões bilaterais e globais, incluindo áreas de cooperação potencial e troca de pontos de vista sobre áreas de divergência”.
Logo no início, Xi afirmou que “os EUA e a China devem ser totalmente capazes de superar as diferenças”, e que os diálogos bilaterais sempre foram francos, diretos e úteis nos últimos 50 anos: “virar as costas um ao outro não é uma opção”, completou.
O encontro, que durou mais de quatro horas, abordou tópicos que buscaram incentivar a cooperação bilateral, assim como outros que atendessem a interesses próprios de cada um dos países. Ainda assim, os líderes apresentaram avanços em diversos pontos de negociação. Dentre esses pontos, destacam-se a retomada da cooperação bilateral para o combate ao tráfico e à produção de drogas ilícitas, especialmente de drogas sintéticas, o que foi visto como como essencial para a governança global.
As delegações também discutiram questões importantes no tema das mudanças climáticas, comprometendo-se a desacelerar as emissões de metano e a triplicar os esforços globais na produção de energia renovável até 2030, pontos de destaque a poucas semanas da COP28, que precisa contar com a participação ativa dos EUA e da China.
Também debateram a possível interferência chinesa nas eleições de Taiwan, os desafios marítimos e militares no Mar do Sul da China e a guerra na Ucrânia e no Oriente Médio. Destaca-se, sobretudo, a aguardada retomada da comunicação entre seus respectivos setores militares, um dos principais pontos antecipados de negociação.
Mudando para melhor? A promessa de continuidade de comunicação
“Acredito que estas são algumas das discussões mais construtivas e produtivas que tivemos”, disse Biden, logo após a reunião, com promessas de continuidade de comunicação.
Ainda no dia 15 de novembro, em jantar com empresários e investidores nos EUA, Xi relembrou a diplomacia chinesa dos pandas e sinalizou que a China poderia enviar mais pandas para zoológicos dos EUA, em um sinal de reconhecimento da amizade entre os povos dos países.
Nesse sentido, Xi parece ter ficado especialmente contente com os resultados do encontro, que possibilitarão um maior foco em oportunidades de crescimento e de atração de investidores para a China, conforme dito por ele mesmo na cúpula da APEC. Além disso, os EUA se comprometeram a suspender sanções e retiraram um instituto forense de segurança pública chinês de uma lista de sanções do Departamento de Comércio, em troca de cooperação no tema do fentanil.
https://twitter.com/GeopolPt/status/1725279404027162640?t=BJVFIELuwO-EOeKa6YhLhg&s=08
A reação de Blinken
Porém, no final de uma coletiva de imprensa também na noite de 15 de novembro, após a partida de Xi, Biden foi questionado sobre se ainda considerava Xi um ditador – palavra usada pelo presidente Biden para descrever sua contraparte chinesa em mais de uma ocasião, o que levantou indignação chinesa e acusações de provocação.
Em resposta, Biden disse: “Bem, veja, ele é. Quero dizer, ele é um ditador no sentido de que é um cara que governa um país que é comunista, com uma forma de governo que é totalmente diferente da nossa”.
Simultaneamente, câmeras registraram a reação do secretário de Estado Antony Blinken, que estava sentado na primeira fila, fazendo uma careta enquanto Biden diz as palavras “bem, veja, ele é”. Evidentemente, o trabalho diplomático continuará incansavelmente nas próximas semanas para garantir que os avanços não retrocedam.
* Rúbia Marcussi Pontes é Professora de Relações Internacionais das Faculdades de Campinas (FACAMP). Doutoranda e Mestra em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Pesquisadora do INCT-INEU. Contato: rubiamarcussi@gmail.com.
Fernanda Reberte Maia é Graduanda em Relações Internacionais pelas Faculdades de Campinas (FACAMP) e Pesquisadora de Iniciação Científica pela mesma instituição. Contato: fernandaareberteemaiaa@gmail.com.
** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 19 nov. 2023. Este Informe OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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