Encontro de Xi Jinping e Joe Biden na APEC
(Arquivo) Biden e Xi Jinping se reúnem antes da cúpula do G20 em Bali, em 14 nov. 2022 (Crédito: Casa Branca/Wikimedia Commons)
Por Williams Gonçalves* [Informe OPEU]
Nesta semana de 11 a 17, acontece mais uma reunião de cúpula da APEC, na cidade norte-americana de São Francisco. A Cooperação Econômica Ásia-Pacífico foi criada em 1989. Seu objetivo declarado é “gerar mais prosperidade para os povos da região, promovendo equilibrado, inclusivo, sustentável, inovador e seguro crescimento e acelerando a integração econômica regional”. Atualmente, a APEC reúne 21 países, representando cerca de 2,9 bilhões de pessoas, enquanto a economia total do bloco equivale a 60% do Produto Global Bruto.
Esses dados revelam a indiscutível importância da reunião. Há uma sempre renovada expectativa de que da reunião possam advir decisões de alcance global. Apesar de toda essa atenção que a reunião merece, a principal preocupação de todos é o encontro dos atuais dois mais importantes chefes de Estado: Xi Jinping e Joe Biden, que deve ocorrer hoje.
Xi Jinping e Joe Biden não se encontram desde novembro do ano passado, quando estiveram em Bali, Indonésia, em uma reunião promovida pelo G20. A cúpula em Bali parecia iniciar um período de maior aproximação entre o líder chinês e o norte-americano. Essa impressão, no entanto, logo se desfez. O episódio da derrubada do balão chinês, que as autoridades norte-americanas garantiam ser um artefato com finalidade de espionagem, determinou um retrocesso no diálogo.
Por considerarem que o balão representava a má-fé dos chineses e sua recusa em sustentarem o diálogo, o Governo Biden deu consecução a uma linha de ação que fora inaugurada pelo seu antecessor Donald Trump: impediu a venda de componentes de alta tecnologia à China; aumentou as vendas de armamento para Taiwan; e intensificou o apoio às Filipinas nos conflitos que envolvem os militares desse país com o Exército de Libertação Popular.
Em entrevista concedida à agência de notícias Voz da América (VOA), o coordenador de Comunicações Estratégicas do Conselho de Segurança Nacional, John Kirby, afirmou que Biden advertirá Xi Jinping de que não será admitido que a China faça pressões sobre Taiwan para colher vantagens nas eleições que acontecerão na ilha. Além disso, Biden também se pronunciará sobre as práticas econômicas chinesas que ameaçam os empregos dos trabalhadores norte-americanos, pois esses trabalhadores encontram nele um infatigável defensor.
Já de acordo com a revista Time, o conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, disse, também em uma entrevista, que um dos pontos mais importantes do diálogo entre Xi Jinping e Joe Biden é aquele relativo ao entendimento entre os militares dos dois países. Segundo Sullivan os militares norte-americanos e chineses devem voltar a se encontrar, uma vez que o cenário militar do Mar do Sul da China se encontra muito delicado, não estando excluída a possibilidade de os diversos quase incidentes que têm se tornado muito comuns extrapolarem e escaparem do controle. A aproximação das eleições que ocorrerão no próximo mês de janeiro pode criar um clima propício para que excessos ocorram, razão pela qual Sullivan considera oportuno que os dois mandatários cheguem a um bom entendimento a esse respeito.
(Arquivo) Sullivan, em evento na Asia Society, em Nova York, em 16 de maio de 2016 (Crédito: Asia Society/Flickr)
Por último, mas não por isso menos importante, o conselheiro declarou que Joe Biden espera de Xi Jinping maior engajamento nas questões políticas relativas à guerra da Palestina. Em virtude da influência que os chineses exerceriam sobre os iranianos, Biden espera sensibilizar Xi Jinping quanto à necessidade de pressionar o Irã para não espalhar a guerra por todo o Oriente Médio. Segundo ele, o poder de persuasão do líder chinês se deve ao fato de a China ser a grande compradora do petróleo exportado pelo Irã.
A maneira pela qual as diferentes autoridades norte-americanas se colocam em face do encontro dos dois chefes de Estado torna evidente que os norte-americanos consideram que os chineses, ainda que com bastante discrição, exercem alta capacidade de influir diretamente no andamento das questões internacionais. Ao mesmo tempo em que se apresentam como os legítimos defensores da ordem internacional liberal que criaram à sua feição, os norte-americanos não conseguem disfarçar que estão permanentemente empenhados em impedir que a China se fortaleça cada vez mais como potência coordenadora de uma nova ordem internacional.
O grande obstáculo que os Estados Unidos enfrentam nessa competição com os chineses, segundo Ryan Hass, é a ausência de um objetivo claro. Segundo ele, essa ausência cria “o risco de desperdiçar a maior vantagem dos Estados Unidos em uma competição de longo prazo com a China: a coesão de sua rede global de aliados e parceiros”. Por outras palavras, Hass projeta luz sobre uma questão de suma importância, qual seja: os Estados Unidos estão empenhadíssimos em uma furiosa competição com a China, mas não conseguem tornar claro o que têm a oferecer, além daquilo que todos já conhecem.
Há problemas globais incontornáveis, como os relativos ao comércio, à saúde global, às alterações climáticas e ao controle dos armamentos. Joe Biden e as demais autoridades governamentais dos Estados Unidos não são, contudo, capazes de se pronunciar, esclarecendo que propostas têm a apresentar, com vistas a equacioná-los.
Biden tem consciência dessa dificuldade, porém é muito cauteloso em dar qualquer passo mais ousado. Afirma que defende os trabalhadores, porque sabe que foram esses que pagaram a elevada conta do programa neoliberal. Não consegue, ou simplesmente não pode, no entanto, ir além dessa defesa abstrata. Sua proposta é reavaliar o papel desempenhado pela Organização Mundial do Comércio, por considerá-la responsável pela perda de emprego que os trabalhadores norte-americanos sofreram, como se o estrago provocado pelo neoliberalismo fosse de responsabilidade dessa instituição multilateral, e não dos próprios governos dos Estados Unidos.
O presidente norte-americano é prisioneiro, portanto, da armadilha que os Estados Unidos tanto lutaram por criar. Irá tentar persuadir Xi Jinping a adotar um comportamento mais colaborativo, mas nada tem a oferecer. Como lembra Hass, os norte-americanos tiveram o controle das principais instituições internacionais e, hoje, vê-se diante de um grupo de países com forte incidência na dinâmica das relações internacionais – Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul, o grupo BRICS –, em relação aos quais nada tem a oferecer para justificar uma posição hegemônica.
* Williams Gonçalves é Professor Titular de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e professor do Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos da Escola de Guerra Naval (PPGEM-EGN). Doutor em Sociologia, também é pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre Estados Unidos (INCT-INEU). Entre outros livros, é autor de A China e a nova ordem internacional, a ser lançado este mês pela editora Ayran.
** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 14 nov. 2023. Este Informe OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
*** Para mais informações e outras solicitações, favor entrar em contato com a assessora de Imprensa do OPEU e do INCT-INEU, editora das Newsletters OPEU e Diálogos INEU e editora de conteúdo audiovisual: Tatiana Carlotti, tcarlotti@gmail.com.
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