Alexandria Ocasio-Cortez: uma política em evolução
(Arquivo) Alexandria Ocasio-Cortez, na Marcha das Mulheres, em Nova York, em 19 jan. 2019 (Crédito: Dimitri Rodriguez/ Wikimedia Commons)
Por João Felipe R. Carvalho e Marcos Cordeiro Pires, para Latino Observatory*
Alexandria Ocasio-Cortez, mais conhecida por suas iniciais AOC, é uma política americana e ativista que representa o 14º distrito eleitoral de Nova York desde 2019, eleita pelo Partido Democrata na disputa com o republicano Anthony Pappas. Ela tem se destacado como uma forte questionadora do status quo no Congresso e mantém seu compromisso constante com seus eleitores por meio das pautas humanitárias, audiências públicas e auxílio direto à comunidade em diversos aspectos. AOC foi o tema da primeira publicação do “perfil da semana” do Observatório. Recentemente, a deputada deu uma entrevista ao jornal The New York Times, em que ela reflete como mudou desde sua primeira eleição. Essa entrevista, a carreira e o impacto da Congresswoman Ocasio-Cortez para as pautas das comunidades latinas são os temas da presente análise.
Nascida em 1989, em outubro de 2023 a deputada completa 34 anos de idade. Questionada sobre sua maturidade e sentimento de realização em sua idade, AOC vê um senso maior de estabilidade e confiança em sua carreira. Quando iniciou o primeiro mandato, em 2019, Donald Trump e a onda conservadora ainda eram um grande estranhamento na política americana. Para a deputada, o próprio Partido Democrata estava “perdido, em diversas maneiras”, e o período foi marcado por uma transição interna de um partido mais antiquado e desajustado para um mais novo e adaptado ao momento político e social. Nesse contexto, ela deveria provar para seus eleitores seu comprometimento com suas pautas e lutas.
Vale destacar que a vitória de AOC em 2018 foi uma grande surpresa. Considerando-se que a cidade de Nova York e, particularmente, o 14º distrito congressional são historicamente democratas, a eleição “de fato” ocorreu em 26 de junho, quando ela venceu o congressista em exercício Joe Crowley nas primárias. Isso não foi algo trivial. Crowley era um veterano de alto nível na estrutura do Partido Democrata. Ela foi a primeira pessoa desde 2004 a desafiar Joe Crowley nas primárias e empreendeu uma campanha popular sem doações de empresas, ou do PAC democrata, que o privilegiava com vastos recursos.
(Arquivo) Crowley no evento ‘Ruas livres de crimes’, em NY, em 7 ago. 2012 (Fonte: CrowleyforCongress/Flickr)
Hoje em dia, porém, AOC sabe que sua imagem está vinculada às suas lutas progressistas. Por conta de sua atuação, ela é reconhecida por pertencer ao grupo conhecido como “The Squad” (O Esquadrão), composto atualmente por oito membros democratas da Câmara dos Representantes dos EUA. O grupo foi inicialmente composto por quatro mulheres eleitas nas eleições para a Câmara dos Representantes dos Estados Unidos de 2018. Além de Alexandria Ocasio-Cortez, Ilhan Omar, de Minnesota; Ayanna Pressley, de Massachusetts; e Rashida Tlaib, de Michigan. Desde então, Jamaal Bowman, de Nova York; e Cori Bush, do Missouri, juntaram-se a elas após as eleições para a Câmara dos Representantes dos Estados Unidos em 2020. Dois anos depois, o grupo ganhou os nomes de Greg Casar, do Texas, e Summer Lee, da Pensilvânia. O Esquadrão é bastante conhecido por estar entre os membros mais ativos e progressistas da esquerda do Congresso dos Estados Unidos.
Nesse sentido, ela e seu grupo formularam o Green New Deal, por exemplo. Apresentado em seu primeiro ano de mandato, é um dos maiores esforços para a contenção das catástrofes ambientais, do desmatamento e do aquecimento global. Os investimentos públicos seriam destinados às atividades econômicas sustentáveis, reduzindo a emissão de gases prejudiciais à atmosfera e avançando na transição energética. O governo de Joe Biden, a partir de 2021, tentou avançar nessa pauta com o Build Back Better, cujas iniciativas estão em curso, apesar dos enormes cortes no projeto inicial.
Além disso, ela busca universalizar o Medicare, proposta de plano de saúde público como direito humano básico, uma pauta também fortemente conectada ao nome da representante Ocasio-Cortez, assim como a Lei de Proteção à Saúde Feminina. Além disso, fazem parte de sua pauta a reforma no sistema prisional e, especialmente relevante para repercussão aqui no Observatório, as mudanças no sistema de imigração dos Estados Unidos.
Sobre o assunto, AOC foi questionada sobre a postura de Biden em relação à Imigração e à fronteira Sul do país pela jornalista do New York Times, que argumentou semelhanças entre as políticas migratórias de Biden e Trump, assinalando uma manutenção das deportações e dos centros de detenção de imigrantes na administração de Joe Biden, correligionário de AOC. Sem grande hesitação, a congressista responde: “Imigração é possivelmente o ponto mais fraco dessa administração”. Para ela, as decisões são mais influenciadas pela política do que qualquer outra área. Ela destacou que, para abordar o problema migratório e todos os problemas subjacentes, é necessário não iniciar apenas pela fronteira, mas pela política externa dos Estados Unidos.
Em análise anterior, observamos as políticas de imigração nos Estados Unidos, tendo por base o fim do Título 42, política de exceção da imigração por razões sanitárias, invocada por conta da pandemia da covid-19, que facilitava a deportação dos imigrantes nesse período e também outras medidas, como “Stay in Mexico”, forçando os solicitantes de asilo a permanecerem no México enquanto não conseguiam uma audiência com um juiz estadunidense. No texto mencionado acima, analisamos também as políticas imigratórias de Joe Biden em comparação com as de Donald Trump. A conclusão subjacente do nosso texto do Observatory é similar à alfinetada de AOC ao seu copartidário, que entende que existe uma vontade da administração em mudar as regras imigracionistas nos Estados Unidos, mas essa vontade é inibida pela fraqueza na imposição de suas ideias e inabilidade política de conciliação entre os diferentes agentes políticos por parte da administração de Joe Biden.
No mês de agosto de 2023, Alexandria Ocasio-Cortez e alguns colegas progressistas do Partido Democrata fizeram uma viagem ao Brasil, ao Chile e à Colômbia, onde governos de esquerda estão no poder, com o objetivo de se envolver com autoridades e comunidades ativistas e ligadas à luta civil. Esta viagem de uma semana, organizada por um grupo de pesquisa progressista em Washington, não foi financiada pelo dinheiro dos contribuintes. Ocasio-Cortez afirmou que é hora de um realinhamento da relação dos Estados Unidos com a América Latina, enfatizando a confiança e o respeito mútuo. A viagem, chamada pelo The Wall Street Journal de “Tour de simpatiasocialista da AOC”, foi também tópico de questionamento para a jornalista do New York Times, especialmente por uma suposta posição anti Estados Unidos dos governos ligados à esquerda na America Latina. Para AOC, porém, seus objetivos na política externa não divergem dos objetivos do presidente, ou de seu país. Para ela, o passado intervencionista da política externa dos Estados Unidos perante a América Latina criou um “Problema de confiança com os nossos vizinhos no Hemisfério Ocidental”.
(Arquivo) AOC e o ex-chanceler Celso Amorim (ao centro), no Palácio do Planalto, em Brasília, em 15 ago. 2023, em Brasília (Crédito: PR)
Na matéria do Jornal Jacobin de 9 de setembro, AOC também conversou sobre essa viagem. Para o jornal, ela reiterou a importância da construção de um relacionamento genuíno com os movimentos sociais da América Latina. Nessa matéria, AOC também conversa sobre o aniversário de 50 anos do golpe de Augusto Pinochet no Chile, no dia 11 de setembro. Ela afirmou que é mandatório que o governo dos Estados Unidos torne públicos os documentos sobre seu envolvimento com o golpe e que essa atitude é crucial para “a cura e o entendimento” do povo chileno.
Recentemente, o projeto de expansão do grupo BRICS e a possibilidade de substituição da hegemonia do dólar no sistema internacional tem colocado a mídia dos Estados Unidos em alerta para o assunto. A manchete “American Power Just Took a Big Hit” do New York Times é um dos exemplos dessa mudança de mentalidade. Esse contexto, a viagem de AOC, seu intercâmbio cultural com os movimentos populares da América Latina e seu discurso de mea culpa em nome dos Estados Unidos são uma situação perfeita para seus opositores a pintarem como traidora da nação e antipatriota.
Outra grande dificuldade que AOC enfrenta desde sua estreia na política é em relação à sua identidade. Em sua trajetória, ela percebeu que ela e outras mulheres de minorias étnicas (“a lot of women and people of color – and especially women of color”) têm de se esforçar muito mais do que seus pares para superar os obstáculos colocados em seus caminhos. Essa identidade de mulher latina fez ela sentir que muitas portas se fechavam para sua vida profissional e pessoal. Como já mencionado, a entrevista ao NYT teve como cerne a mudança da novata do 14º distrito de Nova York para a experiente Congresswoman Ocasio-Cortez. No contexto de sua identidade, AOC disse ao jornal que, em 2019, ela percebeu que o melhor que poderia fazer era trabalhar o máximo que conseguia, para ganhar o benefício da dúvida de seus partidários, de outros congressistas e da sociedade americana.
Contudo, sua identidade porto-riquenha também é uma força motriz em sua carreira política. AOC propõe uma série de medidas em relação a Porto Rico, como a dissolução da La Junta, nome coloquial ao órgão Fiscal Oversight and Management Board for Puerto Rico, responsável por supervisionar os gastos da ilha desde 2016; a melhoria de infraestrutura, já que a ilha sofre com falta de serviços básicos, apagões, subnotificação de mortes e falta de ensino público, especialmente após o furacão Maria, em 2017. Ela também reconhece que as questões de justiça em Porto Rico estão enraizadas em um histórico complexo de colonização e desigualdade. Para mitigar seus problemas, ela busca promover justiça social, econômica e racial para os residentes.
A trajetória política de Alexandria Ocasio-Cortez é marcada por uma constante evolução e pela insistência nas pautas progressistas para sua comunidade. Desde sua eleição em 2019, ela deixou de ser uma novata no Congresso e se tornou uma figura influente na política americana e respeitada pela política mundial. Ela veste com orgulho sua identidade de mulher latina e transforma as dificuldades em motivação para trabalhar ainda mais. AOC continua a moldar o cenário político americano e deve continuar crescendo sua área de influência e aumentando sua maturidade como Congresswoman americana.
* João Felipe R. Carvalho é graduando de Relações Internacionais da Unesp-Marília.
Marcos Cordeiro Pires é coordenador do Latino Observatory, professor de Economia Política Internacional (Unesp-Marília) e pesquisador do Instituto Nacional de Estudos dos Estados Unidos (INCT-INEU). Contato: latinobservatory@latinobservatory.org.
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