China e Rússia

Council on Foreign Relations e a presença chinesa na mídia e na universidade

(Arquivo) O então premiê chinês, Wang Yi, em evento no CFR, em NYC, em 28 set. 2018 (Crédito: Melanie Einzig/CFR)

Por Gabriel Antônio Barboza Ferreira* [Informe OPEU]

Desde o começo do século XXI, a China parece cada vez mais ganhar a atenção de pesquisas e estudos nos campos da Política Internacional e das Relações Internacionais ao redor do mundo. Com uma taxa de crescimento econômico estimada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 5,4% para 2023, o gigante asiático se insere cada vez mais no centro das relações comerciais internacionais, o que certamente desagrada à estabilidade hegemônica – agora não tão mais estável – de alguns velhos países do Norte Global.

Tendo em vista a crescente ameaça à sua quase que exclusiva presença ao redor dos quatro cantos do mundo, o atual centro hegemônico do mundo, os Estados Unidos, reforçou sua posição sobre os supostos perigos que o crescimento em presença da China poderia trazer às democracias liberais. Dessa forma, o objetivo deste texto é localizar a base ideológica deste tipo de narrativa em uma das mais importantes instituições para a política externa estadunidense: o think tank Council on Foreign Relations, de forma que se compreenda o papel desse tipo singular de centro de pesquisas aplicado na formulação e no desenvolvimento das ideias que irão guiar a ação prática do Departamento de Estado dos Estados Unidos.

Think Tanks e a Sua Influencia na Politica Externa dos Eua, os - 1 | Amazon.com.brUm dos principais desafios para o estudo proposto é uma definição concreta e objetiva de think tank. A tradução direta do inglês – reservatório de ideias – não explica toda a complexidade do fenômeno para a política externa estadunidense, onde essas instituições de pesquisa se enraizaram e estabeleceram influência. Como Tatiana Teixeira afirma no livro Os think tanks e a sua influência na política externa dos EUA: a arte de pensar o impensável (Editora Revan, 2007), tanto a forma quanto o conteúdo de atuação dos think tanks são característicos da dinâmica política dos Estados Unidos, onde a disputa pelo poder se dá, principalmente, no campo das ideias. O papel dessas instituições é não apenas legitimar determinadas políticas do governo, mas construir e perpetuar, por meio da coerção pela razão, uma narrativa ideológica que justifique, ou questione, o comportamento do Estado como um todo, de acordo com os interesses particulares de cada think tank. Dessa maneira, compreende-se essas particulares instituições de pesquisa como o nexo entre a produção de ideias e o fazer político.

Um dos exemplares mais importantes para a formulação da política externa dos Estados Unidos é o Council on Foreign Relations (CFR), sediado em Nova York e fundado em 1921. Historicamente, a instituição é resultado indireto dos encontros de um grupo de pesquisadores e acadêmicos reunidos pelo presidente Woodrow Wilson em 1917 para discutir o cenário Pós-Guerra, em que os Estados Unidos se encontrariam, com uma iminente derrota da Alemanha. As pesquisas desse grupo, conhecido como The Inquiry, formaram as bases para os Quatorze Pontos de Wilson, o discurso que enunciaria um programa para pôr fim à Primeira Guerra Mundial.

A partir de 1918, reuniões e encontros entre uma parte dos indivíduos componentes do grupo se intensificaram em frequência, o que resultou no surgimento da instituição Council on Foreign Relations, na cidade de Nova York em 1921, local que sedia o referido think tank até os dias de hoje. A sede do CFR publica a cada dois meses a principal revista da instituição sobre política externa e assuntos internacionais, a Foreign Affairs. Por mais que o CFR tenha sido originado pela ação de um presidente do Partido Democrata, a instituição não mantém vínculos políticos, ou de financiamento, com nenhum partido ou governo dentro ou fora dos EUA, atuando como um órgão alegadamente independente e não partidário, financiado por doações privadas e pelas assinaturas de sua revista eletrônica.

Dentre os assuntos mais abordados nas publicações da Foreign Affairs, a China toma protagonismo, em especial sobre temas que envolvam a expansão chinesa em campos que os Estados Unidos tinham aparente monopólio, como o jornalismo internacional – representados pelas redes de televisão NBC, CNN e ABC – e os campi universitários, nos quais a propagação e a defesa dos valores estadunidenses para política e vida social sempre se mantiveram constantes. Sobre o governo chinês, as acusações em forma de publicações ganham intensidade e densidade, concentrando-se, principalmente, em uma suposta estratégia consciente de expansão da presença chinesa nas universidades, espaços acadêmicos e educacionais, setores de informação e mídia.

Segundo as publicações analisadas, a preocupação dos pesquisadores do CFR reside nos grandes investimentos que o governo de Xi Jinping tem direcionado para o Instituto Confucius, que objetiva o ensino da língua e da cultura chinesa em escolas e universidades, assim como a agência de notícias estatal Xinhua e o canal China Global Television Netwok. Os investimentos e a atuação destes grupos citados seriam, supostamente, arquitetados e dirigidos pela organização de Inteligência do Governo chinês United Front Work Department

Beijing's Global Media Offensive | Council on Foreign RelationsPor mais que o think tank tenha preocupações com outros países, como a Rússia, e com a guerra russo-ucraniana, a China é nome recorrente nas recentes publicações. Grande parte dos textos sobre o país e a situação do Leste Asiático é assinada por Joshua Kurlantzick, membro sênior do CFR, que demonstra profundo interesse e preocupação com as ações da China em tentativa de disputar a hegemonia da região asiática. Kurlantzick publicou um livro sobre o tema, Beijing’s Global Media Offensive: China’s Uneven Campaign To Influence Asia and the World (Oxford University Press, 2022), sendo o principal nome nos artigos sobre China da revista eletrônica e em postagens em blogs do CFR, demonstrando grande preocupação com a suposta expansão chinesa coordenada nos campos citados, imprimindo esforços significativos na pesquisa e na denúncia desse comportamento do Estado chinês. Até a publicação deste Informe OPEU, foram encontradas cerca de uma dezena de escritos do autor sobre o tema.

Não parece ser coincidência que esses esforços intelectuais coincidam com os esforços políticos dos Estados Unidos em, cada vez mais, limitar e enfrentar a inserção chinesa em seus ambientes midiáticos e universitários. Muito se discutiu no Senado dos EUA, por exemplo, sobre o fenômeno do aplicativo TikTok, da empresa chinesa de tecnologia ByteDance: de propostas de restrição a banimento, passando por proibição do uso por agentes federais, todas respaldadas na acusação de que o aplicativo estaria roubando dados do usuário e fornecendo-os ao empresariado e ao governo chinês. Percebe-se como a atuação dos think tanks, nesse caso em especial o Council on Foreign Relations, assume papel de direção na formulação e no desenvolvimento da política externa dos Estados Unidos frente aos esforços chineses em disputar as mídias e as universidades do país. Mais do que nunca se torna necessária a análise da base ideológica e intelectual que sustenta, promove e orienta o comportamento do Estado estadunidense para com seus pares no sistema internacional.

 

* Gabriel Antônio Barboza Ferreira é graduando em Relações Internacionais pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e bolsista de IC do INCT-INEU, orientado pelo prof. Williams Gonçalves (Uerj/INCT-INEU). Contato: gbuerjri@gmail.com.

** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 27 set. 2023. Este Informe OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

*** Para mais informações e outras solicitações, favor entrar em contato com a assessora de Imprensa do OPEU e do INCT-INEU, editora das Newsletters OPEU e Diálogos INEU e editora de conteúdo audiovisual: Tatiana Carlotti, tcarlotti@gmail.com.

 

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