Leonardo Ramos ao OPEU Entrevista: ‘Temos uma nova crise concentrada no centro’
Crédito da arte: Natália Constantino
Por Lucas Barbosa*
Neste OPEU Entrevista, conversamos com Leonardo César Souza Ramos, doutor (2011) e mestre em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). É professor do Departamento de Relações Internacionais e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas).
Leonardo também é professor visitante da Universidad Nacional de Rosario (UNR) e pesquisador do Instituto Nacional de Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU) e da Coordenadoria de Estudos da Ásia (CEASIA/UFPE). Lidera, junto com o professor Javier Vadell, o Grupo de Pesquisa sobre Potências Médias (GPPM).
Tem experiência principalmente nos seguintes temas, que também surgem na entrevista a seguir: Economia Política Internacional, Teoria de Relações Internacionais, Gramsci, Hegemonia, Globalização, BRICS, G8 e G20.
OPEU: Antes de mais nada, gostaria de saber por que você escolheu as Relações Internacionais como área de atuação e o que atraiu seu interesse para os estudos de Gramsci e o conceito de hegemonia.
Eu fui para as Relações Internacionais, porque havia problemas internacionais que chamavam minha atenção. Problemas relacionados particularmente com a Teoria Crítica, por exemplo, questões de desigualdade na escala global, o papel que o plano internacional desempenha nessas desigualdades e como ele pode ser um meio para compreendê-las. Foram esses interesses que me aproximaram de Gramsci e da hegemonia, uma matriz analítica que me permitiu entender tanto as relações de desigualdade entre os Estados quanto as dinâmicas desiguais do capital que atravessam os Estados.
OPEU: A Teoria Crítica, de Robert Cox, sobre a qual você discorre juntamente com Diana Tussie no artigo “How does Gramsci Travel in Latin America? Before and after Critical International Relations Theory”, influenciou acadêmicos do Sul e Norte globais. Qual a importância de Cox para o estudo das Relações Internacionais?
Eu acho que o Cox é fundamental, principalmente para o mainstream, ou seja, o estudo das Relações Internacionais no centro. É ele que chama a atenção dessa produção, e essa foi a chave da Virada Crítica nos anos 1980, para a importância de elementos não materiais nas relações internacionais, especificamente para a construção de hegemonias. Além disso, Cox também destaca outro ponto: como as relações de poder entre Estados se dão de maneira intimamente conectada com as relações econômicas, colocando a economia política como peça fundamental desse processo. A possibilidade que Cox fornece de pensar a hegemonia em termos subjetivos e materiais é o que, para mim, define sua importância. Consequentemente, isso desdobrará em novas reflexões sobre o internacional que partem da periferia do sistema e que questionam esse exercício de poder desigual.
OPEU: Gramsci, que influencia grandemente a teoria de Cox, acreditava que a hegemonia internacional é conquistada pela força político-militar, sem considerar o uso do discurso e das ideias, que estaria reservado ao ambiente doméstico. Qual papel a Primeira Guerra Mundial e seus desdobramentos tiveram no pensamento de Gramsci sobre o internacional?
O entendimento de Gramsci sobre o internacional é uma questão complicada que já tem suas discussões na literatura. Para os neogramscianos, o que inclui Cox e seus adeptos, a preocupação reside em Gramsci e seus escritos em um sentido amplo, sendo o primeiro momento dessa aproximação majoritariamente ocupado pela totalidade do raciocínio gramsciano. Argumentos específicos desenvolvidos por Gramsci serão revisitados em maior profundidade mais tarde por outros autores, como Adam David Morton, no caso da visão gramsciana das relações internacionais.
Na minha percepção, a Primeira Guerra teve um impacto pequeno na concepção do internacional em Gramsci, sendo o posterior desenvolvimento do fascismo na Europa mais influente. Se prestarmos atenção aos Cadernos do Cárcere, sua principal obra nesse sentido, mesmo que a guerra tenha impulsionado Gramsci a refletir sobre Estado, potências militares, imperialismo etc., é o cenário da economia política europeia do Entreguerras o grande objeto de sua reflexão e o que permitirá uma conexão entre o nacional e o internacional.
OPEU: Em “Social Forces, States and World Orders: beyond International Relations Theory” (1981), Cox argumenta que a Pax Americana do século XX é mais forte que sua antecessora, a Pax Britannica, por ter sido fundada em alianças baseadas na contenção da União Soviética, resultando em uma ordem mundial de expansão da economia liberal e proliferação de novas organizações internacionais alinhadas aos Estados Unidos. Com a Guerra Fria terminada, na sua opinião, sobre quais alicerces esse consenso se sustenta atualmente?
A primeira década do Pós-Guerra Fria verá uma radicalização da Pax Americana como estabelecida pela primeira vez nos anos 1970, quando o modelo de Bem-Estar Social sofreu sua primeira crise. Assim sendo, se baseia na vigência da hegemonia neoliberal e em uma dinâmica geopolítica de sustentação da liderança americana subsumida a ela. A lógica neoliberal se oferece como um modelo dissociado de geopolítica, e é comum que digam que a geopolítica já não é mais tão relevante, mas vemos exatamente o contrário: a expansão da OTAN, o envolvimento dos Estados Unidos em conflitos no mundo todo, a instalação de bases militares americanas em inúmeros países… Diminuir a pertinência da geopolítica hoje é, em si, uma noção geopolítica.
Entre meados dos anos 1990 e início dos anos 2000, o consenso neoliberal começa a denunciar seus limites. A partir de então, crises (como a crise financeira asiática de 1997) vão se acumular até o que, na minha opinião, foi seu ápice: a crise financeira de 2007-2008. Mesmo assim, o neoliberalismo é mantido, a grande unidade de consenso que vai reconfigurar o modo de funcionamento de todas as instituições internacionais, como o FMI e o Banco Mundial. Veremos, por exemplo, o momento de maior vigor da OMC, a rearticulação dos blocos de integração (NAFTA, Mercosul) e as transformações da União Europeia e a fundação de sua moeda única.
OPEU: Ao escrever, em 1983, o artigo “Gramsci, Hegemony and International Relations: an Essay in Method”, Cox identificava que a hegemonia estadunidense se encontrava em crise desde o fim dos anos 1960. Em 2023, podemos dizer que essa crise foi superada?
Neste artigo, Cox se refere a uma crise que se inicia nos anos 1960 e que será intensificada na década seguinte. Em textos posteriores, ele reconhece que a crise se reconfigura, e a hegemonia se mantém nesse período por meio das reformas neoliberais dos anos 1970 que já mencionei. Essa crise foi, portanto, superada de alguma maneira. Mas agora temos uma nova crise, iniciada em meados dos anos 2000, cuja concentração está evidentemente no centro. A novidade é a contraposição desempenhada pela ascensão da China e de outros países emergentes nesse processo que colocam em xeque o bloco histórico liderado pelos Estados Unidos.
Leonardo Ramos fala sobre Apocalipse, Hegemonia e Donald Trump
Saiba mais sobre o tema neste episódio do podcast Chutando a Escada com o prof. Leonardo
OPEU: A emergência da chamada nova Onda Rosa na América Latina, o retorno do Brasil à União das Nações Sul-Americanas (Unasul) e o reaquecimento do Mercosul e do BRICS têm chamado a atenção de noticiários internacionais. À luz do conceito de hegemonia, como você entende o retorno a esses esforços regionalistas no continente americano?
Eu não trabalho muito com regionalismo, principalmente latino-americano, mas, como estava falando na questão anterior, vejo que são um reflexo do esgotamento da ordem neoliberal internacional vigente. Esse esvaziamento dá espaço para certas manifestações e articulações que não tomam por inteiro o modelo hegemônico.
OPEU: Por fim, em quais projetos você está trabalhando no momento e/ou pretende explorar a seguir? Como eles se relacionam (ou não) com os temas que levantamos nessa entrevista?
Atualmente, estou trabalhando justamente com o BRICS e sua expansão, as consequências para a ordem econômica internacional geradas pela guerra na Ucrânia e também continuo nas discussões teórico-conceituais da Teoria Crítica. Acho que todos esses tópicos se relacionam exatamente por se perguntarem o que está acontecendo com a ordem internacional, quais são suas transformações e como reflexões críticas a seu respeito têm algo a dizer sobre o que está acontecendo, o que está se desgastando e o que pode ser construído no lugar.
* Lucas Barbosa é pesquisador colaborador do INCT-INEU/OPEU e graduado em Relações Internacionais (IRID/UFRJ). Cobre a área de relações Estados Unidos-América Latina e administra a conta do OPEU no LinkedIn. Contato: lucasmabar@gmail.com.
Leonardo Ramos é professor do Departamento de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), professor visitante da Universidad Nacional de Rosario (UNR), pesquisador do INCT-INEU e pesquisador associado ao Instituto de Estudos da Ásia, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Contato: lcsramos@pucminas.br.
** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 6 set. 2023. Este OPEU Entrevista não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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