Internacional

Terrorismo, política externa e securitização: os impactos dos atentados do 11 de Setembro

Socorristas em meio aos escombros do World Trade Center, NYC, em 19 set. 2001, após os ataques. (Crédito: Andrea Booher/FEMA News Photo/WikiMedia Commons)

Por Felipe Sodré Fabri, Gabriel Carvalho Fogaça e Leonardo Martins de Assis* [Informe OPEU]

Há 22 anos, o mundo se deparava com um evento de grande impacto na história contemporânea: o

s ataques do 11 de Setembro. Dezenove terroristas do grupo extremista islâmico Al-Qaeda sequestraram quatro aeronaves comerciais, conduzindo duas delas de maneira suicida ao World Trade Center, coração de Nova York. O impacto dos aviões resultou no colapso das Torres Gêmeas e na perda de quase 3.000 vidas, devido aos danos causados pelos ataques e aos incêndios subsequentes.

O choque também envolveu o incidente de um terceiro avião no Pentágono, em Arlington, Virgínia, e a resistência de passageiros do quarto avião, o Voo 93, ocasionando a queda da aeronave em um campo na Pensilvânia, a aproximadamente 20 minutos de Washington, D.C. Esses eventos marcaram os piores ataques em solo americano desde o ataque japonês a Pearl Harbor, em 1941.

Avião do voo 175 da United Airlines colide com a torre sul do WTC, em NY, em 11 set. 2001 (Fonte: Wikimedia Commons)

Os Estados Unidos, sob a liderança do então presidente George W. Bush, foram rapidamente transformados em uma nação em tempo de guerra. A resposta imediata incluiu uma reorganização do governo, a criação do Departamento de Segurança Interna e a invasão do Afeganistão para desmantelar o regime Talibã e combater a Al-Qaeda. A nação experimentou um breve período de unidade, patriotismo e apoio às instituições governamentais, mas essa coesão inicial logo cedeu lugar a divisões e desafios políticos.

Uma das transformações mais marcantes ocorreu no campo da política de imigração. Antes dos ataques, havia discussões sobre um caminho para a cidadania de milhões de imigrantes mexicanos em situação ilegal nos EUA. Após o 11 de Setembro, porém, imigração e terrorismo se tornaram quase sinônimos. A fiscalização de imigração foi drasticamente remodelada sob o Departamento de Segurança Interna, concentrando-se na proteção da “pátria” contra estrangeiros que pudessem representar ameaças, com ou sem indícios desse risco em potencial.

Programas como o Sistema de Registro de Entrada-Saída de Segurança Nacional (NSEERS, na sigla em inglês) foram implementados, direcionando-se especificamente às comunidades árabes, muçulmanas e do Sul da Ásia. Isso resultou em vigilância, detenção e deportação em larga escala. Além disso, medidas como a Lei PATRIOT e a REAL ID expandiram os motivos de inadmissibilidade com base em “atividade terrorista”, tornando mais difícil para os solicitantes de asilo obterem proteção. A patrulha de fronteira foi ampliada, e a tecnologia de vigilância cresceu dramaticamente.

A ampliação das medidas de segurança, como a minuciosa revista de bagagens, uso de detectores de metal e restrições a líquidos nas malas de mão nos aeroportos, tornou-se uma nova realidade. Como indicado por Thiago Rodrigues, pesquisador em Relações Internacionais e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), a tecnologia avançou consideravelmente para aprofundar o monitoramento, passando a incluir scanners corporais e detectores de explosivos, transformando a maneira como as pessoas viajam e interagem nos aeroportos.

No entanto, esse aumento na segurança também teve seu preço. A vigilância contínua da população, o desenvolvimento de tecnologias de controle como a biometria e os dispositivos de monitoramento urbano alteraram significativamente a privacidade e a liberdade individual. Como mencionado por Jorge Lasmar, as fronteiras físicas entre os Estados aumentaram, dificultando o fluxo de pessoas e o reconhecimento de asilo.

Outra consequência significativa foi o aumento drástico nos gastos militares. As guerras no Afeganistão e no Iraque criaram o estado de guerra estadunidense contemporâneo. Os gastos militares ultrapassaram os investimentos em áreas como educação, saúde e transporte público, distorcendo a economia e criando ciclos de expansão e de recessão. Isso também afetou os setores competitivos da economia e contribuiu para a crise financeira de 2008.

Intensificou-se também a militarização da polícia, com departamentos de polícia recebendo equipamentos excedentes das guerras no exterior. Treinamentos militares e táticas de vigilância se tornaram comuns nas forças policiais locais, levando a preocupações sobre o policiamento excessivamente militarizado, sobretudo, em comunidades urbanas e entre populações negras e pardas.

Ademais, a ameaça do terrorismo permaneceu uma preocupação constante na mente do público nos Estados Unidos. Pesquisas do Pew Research Center indicam que, desde os ataques do 11 de Setembro, a defesa contra futuros ataques terroristas tem sido uma das principais prioridades políticas para o presidente e o Congresso, mantendo-se no topo das preocupações políticas ano após ano. Embora não tenham ocorrido ataques de grande escala como os do 11 de Setembro nas duas décadas seguintes, a ameaça persiste na percepção pública.

Impactos do 11 de Setembro na nova política externa americana

Além da profunda transformação que a sociedade americana passou após os ataques, o mundo vivenciaria grandes mudanças, influenciadas pela nova política externa americana, a chamada “Guerra ao Terror”. Tal política pode ser notada no segundo discurso do “Estado da União” do presidente George W. Bush, proferido em 29 de janeiro de 2002, no Congresso.

President George W. Bush delivers the State of the Union address before a joint session of congress at the Capitol, Tuesday, Jan 29, 2002.

(Arquivo) Presidente George W. Bush, em Washington, D.C., em 29 jan. 2002 (Crédito: Eric Draper/White House)

Segundo ele, as forças terroristas seriam o principal alvo dos Estados Unidos, como é caso da Al-Qaeda, além da Coreia do Norte, Irã e Iraque, incluídos no “Eixo do Mal”, que seriam países que ameaçavam os Estados Unidos e o mundo mediante a vontade de possuir “armas de destruição em massa”. O presidente também garantiria que os americanos entrariam em guerra contra essas forças a qualquer custo: “E todas as nações do mundo devem saber: A América vai fazer o necessário para garantir a segurança de nossa nação. […]”. Desse momento em diante, a diplomacia global voltar-se-ia para o aspecto da segurança de um modo inédito, ponto esse que já havia sido notado em algumas ações de aliados americanos.

No dia após os ataques, a OTAN, a organização de defesa coletiva do Ocidente, invocou o artigo 5º de seu tratado, que diz que um ataque contra um membro representa um ataque a todos os outros. Foi a primeira vez em sua história. Posteriormente, o presidente W. Bush autorizou um ataque contra o Afeganistão, sendo que, naquele mesmo ano, o país seria invadido por forças americanas, permanecendo ali por 20 anos e marcando um novo período diplomático para os Estados Unidos. Em terras britânicas, o então primeiro-ministro Tony Blair se mostrou-se um dos grandes (e poucos) aliados de Bush em sua “Guerra contra o Terror”. Além de apoiar a ação militar contra o Iraque, Blair defendeu diversas ações de segurança doméstica vistas como impopulares em seu país, especialmente após ataques terroristas que aconteceriam em Londres. Uma dessas ações foi a utilização de cartões de identidades obrigatórios para a população britânica, que os recebeu de maneira muito negativa e fez pressão para o fim dessa medida, encerrada pelo governo no futuro.

Logo, a securitização das questões nacionais viria a se tornar uma política a ser seguida por diversos governos ao redor do mundo, em especial no mundo ocidental. Todavia, esse ponto traria reações extremamente controversas, debatidas até hoje.

Em 2003, o governo americano, que já vinha intensificando sua política contra o terror, enviou Colin Powell, secretário de Estado americano na época, para o Conselho de Segurança das Nações Unidas com o intuito de anunciar a descoberta de armas de destruição em massa no Iraque: “Saddam Hussein tem armas químicas”. No discurso, ele disse que suas fontes para tais afirmações eram “baseadas em sólidas investigações”, indo contra a própria inspeção realizada pela ONU no ano anterior, que não encontrou nenhuma arma de destruição em massa no Iraque. No entanto, além de uma grande rejeição internacional para uma possível invasão, como ocorreu com o presidente francês, Jacques Chirac, essas evidências seriam utilizadas como pretexto para invadir o país em 2003, derrubando o ditador Saddam Hussein.

Mesmo com o discurso de “Mission Accomplished”, o legado da guerra se mostrou muito diferente do que o presidente W. Bush alegou para a população americana. Além de as operações americanas no Iraque terem causado a morte de quase 190 mil civis iraquianos, o país foi mergulhado em um caos sem precedentes, com sua infraestrutura arrasada e burocracia destruída. Vale ressaltar que as armas de destruição em massa nunca foram encontradas e que a instabilidade do Iraque serviria para que, no futuro, organizações terroristas tomassem diversos territórios e ameaçassem o Oriente Médio, denotando um fracasso da invasão.

Desta forma, passando por cima da ONU e de milhões de manifestações que eram contrárias à invasão do Iraque, ficou claro como o papel da diplomacia internacional se fragilizou após os ataques. Um discurso em prol da segurança, supostamente para a proteção do mundo, conseguiu tornar o planeta e regiões específicas, como o Oriente Médio, locais mais violentos e hostis. Por tudo isso, a política da Guerra ao Terror continua sendo questionada. Durante esse período, foi estimado que os americanos tenham gastado cerca de US$ 8 trilhões com essas medidas antiterroristas.

George W. Bush e Tony Blair se mostraram líderes controversos na luta contra o terrorismo, visto que muito do que defendiam e prometeram não viria a se concretizar. No Reino Unido, ataques terroristas ocorreram, além de Blair ser visto como “mentiroso” por seus argumentos pró-invasão do Iraque. Pressionado, ele viria a renunciar em 2007. Já com os Estados Unidos, não foi possível impedir que a Coreia do Norte testasse sua primeira arma nuclear em 2006, além de que, Osama Bin Laden, inimigo número um do país, foi capturado e morto somente em 2011, sob a administração de Barack Obama. Vale ressaltar que as tensões com o Irã estão em alta, além de que ataques jihadistas se espalharam pela Europa na década de 2010, mostrando uma insegurança global.

911: President George W. Bush with Prime Minister of the U… | FlickrO então presidente George W. Bush cumprimenta o então premiê britânico, Tony Blair, na Casa Branca, em Washington, D.C., em 20 set. 2001 (Fonte: U.S. National Archives)

O 11 de Setembro sob a perspectiva da população estadunidense

Após o 11 de Setembro, os Estados Unidos passaram por mudanças significativas, tanto em suas políticas internas quanto externas, em decorrência do trauma ocasionado pelos ataques.

Nesse sentido, a perspectiva popular sobre as medidas de proteção da liberdade civil e a proteção do próprio país contra o terrorismo se alterou após os ataques. Em 1997, 29% das pessoas afirmaram que, para conter o terrorismo nos Estados Unidos, era preciso que o cidadão comum renunciasse a algumas liberdades civis. Já em setembro de 2001 e janeiro de 2002, como mostra pesquisa do Pew Research Center, esse percentual sobe para 55%.

Além disso, o aumento dos gastos militares para apoiar a “Guerra ao Terror” teve um impacto relevante nas prioridades de gastos do governo, desviando recursos de áreas como educação, saúde e transporte público. Essa mudança nos gastos afetou a economia e contribuiu para a crise financeira de 2008.

A data de 11 de Setembro se tornou uma marca poderosa na mente dos norte-americanos, possibilitando um sentimento patriota de união e o apoio inicial às guerras no Afeganistão e no Iraque. Conforme exposto na pesquisa do Pew Research Center, 45% dos norte-americanos consideravam a ação militar para destruir redes terroristas ao redor do mundo mais benéficas que a construção de defesas contra o terrorismo em solo nacional, opção que contemplava 36% dos pesquisados.

Esse apoio à intervenção militar também se refletiu no apoio contínuo à guerra no Afeganistão nos anos seguintes. No início de 2002, alguns meses após o início da guerra, 83% dos americanos disseram aprovar a campanha militar liderada pelos EUA contra o Talibã e a Al-Qaeda no Afeganistão, também segundo pesquisa do Pew Research Center. Em 2006, vários anos após o início das operações de combate no Afeganistão, 69% dos entrevistados afirmaram que os EUA tomaram a decisão certa, ao usar a força militar no Afeganistão. Apenas dois em cada dez avaliaram que foi a decisão errada.

Ao longo do tempo, porém, o apoio público à decisão de usar a força no Afeganistão, que havia sido generalizado no início do conflito, diminuiu, à medida que as realidades complexas desses conflitos se tornaram evidentes.

Em outras esferas, acrescenta a sondagem, 28% dos adultos, em 2002, afirmaram que haviam ficado mais desconfiados em relação às pessoas de ascendência do Oriente Médio. Esse número aumentou para 36% em menos de um ano.

Nesse sentido, observamos como os desdobramentos complexos dos ataques do 11 de Setembro impactaram profundamente e de maneira duradoura os Estados Unidos e o mundo. A “Guerra ao Terror” não apenas reconfigurou as relações internacionais, como teve consequências de longo alcance, incluindo intervenções militares controversas e a proliferação de um ambiente global caracterizado pela incerteza e instabilidade. Ainda hoje, as consequências desse dia são notórias, enfatizando o marco desse evento trágico na história contemporânea.

 

* Felipe Sodré Fabri, Gabriel Carvalho Fogaça e Leonardo Martins de Assis são graduandos do curso de Relações Internacionais da Unesp e pesquisadores do Latino Observatory, sob coordenação e orientação de Marcos Cordeiro Pires e Thaís Lacerda. Contatos: felipe.sodre@unesp.br, gc.focaca@unesp.br e lm.assis@unesp.br.

** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Recebido em 11 set. 2023. Este Informe OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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