Chile, 11 de setembro de 1973: o elefante na sala dos Estados Unidos
Crédito: Golpe de Estado no Chile, com bombardeio sobre o Palácio presidencial La Moneda, em 11 set. 1973 (Fonte: Biblioteca del Congreso Nacional/Wikimedia Commons)
Por Lucas Barbosa* [Informe OPEU]
Em março de 1977, o jornal The Washington Post noticiou dissonâncias entre a administração do então presidente estadunidense, Jimmy Carter (1977–1980), e Brady Tyson, representante do país na Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas naquele ano. Na ocasião, os Estados Unidos participavam da elaboração de uma resolução que condenava as “frequentes e flagrantes” violações de direitos humanos promovidas pelo regime militar de Augusto Pinochet (1973–1990) no Chile. Durante as discussões do texto, Tyson disse:
Nossa delegação não seria sincera e verdadeira a nós mesmos e ao nosso povo, se não expressássemos nosso profundo pesar pelo papel que oficiais do governo, agências e grupos privados [dos Estados Unidos] desempenharam na subversão do governo chileno democraticamente eleito que foi derrubado pelo golpe de 11 de setembro de 1973.
O 11 de Setembro chileno também foi um dia de terrorismo, mas certamente não ocupa o mesmo lugar no imaginário estadunidense que o ataque às Torres Gêmeas em 2001. A data marca o golpe militar contra o governo socialista de Salvador Allende, que, encurralado pelos atentados no Palácio de La Moneda, cometeu suicídio. Sabemos hoje que o episódio, comandado pelo próprio Pinochet, contou com a colaboração não apenas das Forças Armadas chilenas e de grupos paramilitares associados a elas, mas também de financiamento e apoio da CIA, a Agência Central de Inteligência dos EUA.
Cálculos recentes estimam que, até o fim da ditadura então instaurada, mais de 40 mil pessoas seriam vítimas da repressão, seja por execução, desaparecimento, ou tortura.
Sem citar nomes, Tyson afirmou ainda que, na eleição presidencial do ano anterior, que conferiu a vitória a Carter, “o povo estadunidense rejeitou as políticas e pessoas responsáveis” pelas ações contra Salvador Allende. Na época, os Estados Unidos ainda não admitiam seu envolvimento na destituição do governo democrático chileno e sua substituição por uma junta militar, mas o ex-presidente Richard Nixon (1969–1974) e seu secretário de Estado Henry Kissinger já confirmavam terem secretamente direcionado apoio à oposição no país.
(Arquivo) Kissinger e Pinochet (Crédito: Archivo General Histórico del Ministerio de Relaciones Exteriores/Wikimedia Commons)
No mesmo dia, a secretaria de imprensa da Casa Branca informou que Tyson não consultou o presidente antes de sua fala. O Departamento de Estado caracterizou seu posicionamento como estritamente pessoal, disse que este não havia sido aprovado pelo governo e que não refletia o entendimento do governo Carter
De certa forma, poderíamos dizer que, até hoje, nunca houve realmente uma manifestação oficial de arrependimento por parte dos Estados Unidos sobre sua parcela de responsabilidade no 11 de Setembro chileno e seus desdobramentos.
Em 2011, chilenos protestaram contra a visita de Barack Obama (2009-2016) ao país. Antes de sua chegada, centenas de manifestantes ligados a sindicatos, ao movimento estudantil e a partidos de esquerda se reuniram no centro de Santiago, exigindo perdão pelo golpe de 1973. Enquanto era recebido pelo então presidente chileno, o conservador Sebastián Piñera (2010-2014), no palácio presidencial, 300 pessoas se manifestavam novamente no calçadão Ahumada contra a presença do presidente estadunidense.
Em um encontro com a imprensa, Barack Obama foi questionado por uma repórter se os Estados Unidos estariam dispostos a pedir desculpas pelo que fizeram no Chile na década de 1970. O democrata evitou uma resposta direta à pergunta, ao dizer simplesmente que as políticas estadunidenses do período podem não ter sido sábias, adicionando ainda que as relações do país com a América Latina tiveram seus momentos de dificuldades ao longo da história.
Em resposta a jornalistas, Dan Rastrepo, encarregado da América Latina no Conselho de Segurança Nacional de Obama, alegou, de forma breve, que algumas ações dos Estados Unidos na região foram “ruins” e rejeitou ser mais específico quanto à ditadura militar chilena.
(Arquivo) Dan Restrepo (Fonte: Wilson Center)
É verdade que, nas últimas décadas, os Estados Unidos têm revelado documentos da CIA e de outros órgãos que denunciam sua proximidade com o golpe. Mesmo se ignorarmos o fato de que muitos outros permanecem em segredo, isso não constitui exatamente uma admissão pública. Essa distinção é feita por Alexandria Ocasio-Cortez (AOC), congressista democrata pelo estado de Nova York (D-NY) que, em agosto, liderou uma delegação para a América Latina. A viagem teve como intuito abrir portas para uma nova relação dos Estados Unidos com a região, uma que deve ser baseada na democracia e no reconhecimento dos esforços da potência para a desestabilização e derrubada dos respectivos governos.
Depois de visitar o Brasil e antes de se dirigir à Colômbia, o grupo passou por Santiago, onde Ocasio-Cortez se encontrou com Gabriel Boric (2022-) e fez coro aos pedidos do governo pela liberação de documentos e transparência de informações a respeito das ações dos Estados Unidos no 11 de setembro chileno.
Para AOC, os Estados Unidos devem um pedido de desculpas não apenas ao Chile, mas a toda a América Latina. Uma condição preliminar e crucial nesse sentido seria a divulgação completa de arquivos anteriormente secretos que comprovam o histórico do intervencionismo estadunidense. Em entrevista ao The Guardian, AOC declarou:
É difícil para nós seguirmos em frente quando existe esse enorme elefante na sala e uma ausência de confiança por causa desse elefante na sala. […] Não estamos em um estágio de pedido de desculpas, porque não chegamos nem mesmo ao reconhecimento. E é por isso que acredito que a “desclassificação” desses documentos será crítica para nosso relacionamento com o Chile.
Talvez o parecer de Tyson nas Nações Unidas, rapidamente corrigido há 46 anos, tenha sido o mais próximo que já tenhamos chegado de um mea-culpa. Para não ser o único, os Estados Unidos vão precisar falar do elefante na sala.
* Lucas Barbosa é pesquisador colaborador do INCT-INEU/OPEU e graduado em Relações Internacionais (IRID/UFRJ). Cobre a área de relações Estados Unidos-América Latina e administra a conta do OPEU no LinkedIn. Contato: lucasmabar@gmail.com.
** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Recebido em 6 set. 2023. Este Informe OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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