‘Conectando boas intenções com economia sólida’: o Acton Institute
Crédito: Bruno Fonseca/Agência Pública
Panorama EUA_OPEU_Acton Institute v13 n3 Junho 2023
Por Arthur Banzatto, Camila Vidal e Rodrigo Tapia* [Panorama EUA]
Muito se comentou nas redes sociais sobre a ida para os Estados Unidos do agora ex-procurador da República Deltan Dallagnol, após a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que o condenou à perda de seu mandato como deputado federal (PODE-PR). Suposições e alegações à parte, fato é que o ex-procurador esteve presente nos Estados Unidos em evento do Acton Institute, realizado entre 19 e 21 de junho de 2023 (foto ao lado, retirada da página do Instagram de @achafuen). Além dele, o “evento Cristão” contou com uma comitiva de cerca de 60 brasileiros (a maior comitiva estrangeira, segundo Tiago Albrecht, que esteve presente no evento) para tratar de religião e economia.
Ainda relativamente desconhecido no Brasil, o Acton é a mais nova aposta do mais longevo e agora ex-presidente da Atlas Network Alejandro Chafuen.
Entretanto, para além da promoção do livre-comércio empregado em uma razão de mundo neoliberal – a que se propõe a Atlas –, o Acton também promove preceitos próprios de uma direita Cristã. É a tentativa do estabelecimento de um centro de pensamento para difusão desse tipo de conservadorismo a que Frank Mayer chamava, ainda na década de 1960 nos Estados Unidos, de “fusionismo” – ou seja, a conciliação de abordagens que, em sua gênese, podem ser vistas como antagônicas: neoliberalismo de um lado, Deus do outro.
Nesse sentido, a inovação trazida pelo Acton não deve ser negligenciada. Sabemos o alcance que centros de difusão de determinadas ideias – como a própria Atlas e seus institutos parceiros ao redor do mundo – desempenham nos países em que operam (Vidal e Brum, 2020). No Brasil, um exemplo recente foi a equipe econômica do Governo Bolsonaro composta, majoritariamente, por membros desses institutos “liberais” parceiros da Atlas (Vidal e Lopez, 2022). A própria Medida Provisória da “Liberdade Econômica” contou com a participação quase que completa de membros desses institutos. Isso quer dizer que, para além da difusão desse tipo de ideal e de seu emprego na política doméstica, o passo seguinte dessa ofensiva transnacional conservadora é justificá-la a partir da religião cristã.
O Acton, em alusão a John Emirich Edward Dalberg Acton (ou, Lord Acton, na foto ao lado), primeiro Barão Acton de Aldenham, é considerado um instituto de pensamento (think-tank) estadunidense, cuja missão é a de “promover uma sociedade livre e virtuosa caracterizada pela liberdade individual e sustentada por princípios religiosos”. De acordo com seu website, o instituto conta com membros das esferas religiosa, empresarial e acadêmica e opera por meio de seminários, publicações e atividades acadêmicas. Ainda, segundo a página institucional on-line, visa a “demonstrar a compatibilidade entre fé, liberdade e livre atividade econômica”, no sentido de que “líderes religiosos e empresários possam contribuir, ajudando a moldar uma sociedade que seja segura, livre e virtuosa”. Além disso, é sustentado por dez princípios centrais:
1) Dignidade da pessoa: no sentido de que “A pessoa humana, criada à imagem de Deus, é única, racional, sujeita à agência moral e cocriadora”;
2) Natureza social da pessoa: assim, “embora as pessoas encontrem a realização final apenas na comunhão com Deus, um aspecto essencial do desenvolvimento das pessoas é nossa natureza social e capacidade de agir para fins desinteressados. […] Existem relações voluntárias de troca, como transações de mercado que realizam valor econômico. Essas transações também podem dar origem a valor moral”;
3) Importância de instituições sociais (em específico a família): “Essas instituições da sociedade civil, especialmente a família, são fontes primárias da cultura moral de uma sociedade”;
4) Ação humana: ou seja, “Pela ação humana, a pessoa pode realizar sua potencialidade escolhendo livremente os bens morais que preenchem sua natureza”;
5) Pecado: “Embora os seres humanos em sua natureza sejam bons, em seu estado atual eles estão recaídos e corrompidos pelo pecado. A realidade do pecado torna o Estado necessário para conter o mal. A onipresença do pecado, no entanto, exige que o Estado seja limitado em seu poder e jurisdição. A persistente realidade do pecado exige que sejamos céticos em relação a todas as ‘soluções’ utópicas para males sociais como a pobreza e a injustiça”;
6) Estado de direito e o papel subsidiário do governo: “A responsabilidade primária do governo é promover o bem comum, isto é, manter o estado de direito e preservar deveres e direitos básicos”;
7) Criação de riqueza: nesse sentido, “O melhor meio de reduzir a pobreza é proteger os direitos de propriedade privada por meio do estado de direito”;
8) Liberdade econômica: “… Portanto, a lei deve garantir os direitos da propriedade privada e da troca voluntária”;
9) Valor econômico: “A verdade dos julgamentos de valor econômico é estabelecida apenas no caso de que algo pode satisfazer o desejo esperado. Embora isso não implique a realização de nenhum outro tipo de valor, algo pode ter tanto valor econômico subjetivo quanto valor moral objetivo”; e
10) Prioridade da cultura: “A liberdade floresce em uma sociedade apoiada por uma cultura moral que abraça a verdade sobre a origem transcendente e o destino da pessoa humana. Esta cultura moral leva à harmonia e à ordem adequada da sociedade. Embora as várias instituições nas esferas política, econômica e outras sejam importantes, a família é o principal inculcador da cultura moral em uma sociedade”.
As ferramentas para difusão de ideias e ideologias
A atuação internacionalizada desse instituto é relativamente recente ainda que sua fundação date de 1990, quando foi inaugurado em Grand Rapids, no estado do Michigan, EUA, pelo padre Robert A. Sirico (atual presidente emérito). Hoje, com a presidência de Kris Alan Mauren (formado em Economia e Relações Internacionais pela John Hopkins University) e com a Direção Executiva nas mãos do antigo presidente da Attas Network Alejandro Chafuen, o Acton conta com escritórios internacionais em Roma e em Buenos Aires e, segundo divulgação própria, mais de 80% do seu financiamento é oriundo de doações individuais. Como ocorre com outros centros de pensamento estadunidenses (caso da Atlas, por exemplo), o instituto atua para a disseminação de uma determinada ideia através de publicações, eventos e “pesquisas”.
Sede do Acton Institute em Grand Rapids, Michigan (Crédito: Rudy Malmquist/site institucional)
No âmbito das publicações, o Acton conta com: a) uma revista trimestral que publica resenhas de livros, ensaios e artigos sobre religião e economia, a Religion and Liberty; b) uma revista “acadêmica revisada por pares”, a Journal of Markets and Morality; c) um boletim bimestral sobre as atividades realizadas pelo instituto, bem como publicações e eventos futuros, o Acton Notes; e d) a disponibilização de livros de áreas como Teologia, Economia, Ética e História, o “Acton Books”.
Nesse sentido, é interessante observar a tentativa de negar pautas já pacificadas e de fazer uma “releitura” de temas como imperialismo e mesmo aborto. Esse, em específico, é o caso de dois artigos publicados recentemente pelo Acton: “Aborto: violência contra a mulher” e “O império britânico era mau?”. O primeiro se ocupa de criminalizar o aborto, enquanto o segundo trata das conquistas “civilizatórias” que o império britânico levou aos povos colonizados.
O instituto publica ainda seus próprios livros, através de três plataformas: a Acton Institute Imprint, selo interno do instituto; a Christian’s Library Press, fundada em 1979 e administrada pelo Acton desde 2009; e, por último, o Journal of Markets and Morality, citado anteriormente. Por fim, cabe ressaltar também os documentários lançados pelo instituto em seu canal no YouTube. A última produção trata da trajetória de Jimmy Lai, empresário e bilionário no ramo da mídia que cumpre pena por fraude e envolvimento nos protestos de Hong Kong. Nos seus primeiros dois meses na plataforma, a produção já teve 2 milhões e meio de visualizações.
Já no âmbito das “pesquisas” do Acton Research estão acomodados “estudiosos internos e externos de várias nacionalidades, confissões cristãs e disciplinas intelectuais”, que incluem Teologia, Filosofia, História, Economia e Direito. São estes estudiosos que produzem ou participam da produção dos estudos publicados e endossados pelo instituto. Além disso, “o Acton Research também supervisiona os vários programas de bolsas do Acton Institute, organiza conferências ocasionais e busca cultivar jovens acadêmicos interessados na mesma constelação de ideias do Acton Institute” e mantém uma ampla rede de conexão com professores universitários de diversos locais do globo.
Por fim, em relação aos eventos, o instituto conta com cursos oferecidos para estudantes – inclusive do exterior – a partir de bolsas de estudo e estadas garantidas. Também organiza séries de palestras e, provavelmente o mais importante, a Acton University – evento do qual Deltan Dallagnol participou. Conforme a Acton University,
[Refere-se a] uma exploração de quatro dias de teologia, filosofia, empreendedorismo, desenvolvimento internacional e economia baseada no mercado. Cada dia é repleto de apresentações instigantes sobre os fundamentos intelectuais e práticos de uma sociedade livre. Reunindo líderes de todo o mundo nos negócios e na igreja, na academia e no ministério, no mundo em desenvolvimento e desenvolvido e estudantes de todas as idades, a Acton University é uma conferência dedicada a conectar princípios morais e religiosos à liberdade econômica e pessoal.
Nesse ínterim, o evento de junho de 2023 foi emblemático, ao contar com uma comitiva com grande número de brasileiros (conforme imagem acima, retirada do Instagram de um dos participantes). Ao que tudo indica, essa rede transnacional neoliberal/cristã representada pelo Acton foi-se organizando a partir da viagem ao Brasil feita pelo cofundador do instituto Kris Alan Mauren, em janeiro de 2022, quando integrantes do Acton se reuniram com líderes empresariais no Brasil para tratar da “estratégia de expansão da instituição no Brasil que inclui palestras de professores e de pessoas vinculadas ao Instituto, divulgação dos livros da Acton e da exibição em universidades brasileiras dos documentários “Pobreza S.A.” e “The Hong Konger” (Van Hattem, 2022).
No evento de 2023, para além de discursos proferidos por parte da comitiva brasileira, um dos grandes homenageados foi Salim Mattar, que recebeu o Prêmio Acton “Guardião da Liberdade”. Segundo o Instituto Liberal, do qual Salim Mattar faz parte do Conselho Superior, é a terceira vez na história do Acton que esse prêmio é entregue. Esse mesmo “guardião da liberdade”, em matéria da Folha de S. Paulo de 2022, exaltou o golpe de 1964 – chamado por ele de “movimento de 1964” – que teria salvado o país do comunismo. Além do empresariado, a comitiva brasileira também foi composta por integrantes do Judiciário, da igreja católica e de políticos do sul do país atrelados ao Partido Novo, conforme tabela abaixo:
Tabela 1: Integrantes parte da comitiva brasileira presentes no Acton University em jun. 2023
Nome | Ocupação |
Deltan Dallagnol | Procurador-chefe da Força Tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba (2014-2021). Em 2022, foi eleito deputado federal pelo Podemos, sendo o candidato mais votado ao cargo no estado do Paraná. Em maio de 2023, teve seu mandato cassado por decisão do TSE sob alegação de que teria antecipado sua exoneração do Ministério Público Federal (MPF) como manobra judicial para escapar de processos administrativos |
Salim Mattar | Fundador da Localiza, fundador do Instituto de Formação de Líderes (MG), membro do Conselho Superior do Instituto Liberal e antigo secretário de Desestatização, Desinvestimento e Mercados no governo de Jair Bolsonaro |
Marcel Van Hattem | Deputado federal do Rio Grande do Sul pelo Partido Novo e membro do Instituto Millenium. Ativo no Acton desde pelo menos 2018 quando, em evento anual da instituição, ministrou o curso ”Desenvolvimento Econômico Internacional: como superar a lacuna entre América Latina e países desenvolvidos?”. No Acton University de 2023, foi instrutor do curso “Fighting the Leviathan from within” (em tradução livre, Lutando contra o Leviatã por dentro). De acordo com o website, o curso ministrado por Van Hatten lida com o crescente autoritarismo no Brasil: “Illegal and politically motivated search and arrest warrants orders issued by Brazilian Supreme Court (STF) Justices against business people, politicians, journalists, and comedians on the right; Censorship ordered by the Electoral Court during and after the last presidential and general elections (2022) imposed on media outlets and politicians who dared to reveal the dark past of socialist candidate Lula da Silva; unconstitutional imprisonments and due process denial to thousands of Brazilians who are suspected (many without any evidence) of having participated in the January 8th events in Brasília: these are just a few examples of the abuses Brazilians presently face, challenging the country’s democracy, the rule of law and constitutional rights and freedoms” |
Diogo Costa | CEO do Instituto Millenium, foi pesquisador no Cato Institute e na Altas Network. Foi presidente da Escola Nacional de Administração Pública durante o governo Bolsonaro |
Manu Vieira | Vereadora de Florianópolis pelo Partido Novo e cofundadora do Instituto de Formação de Líderes de Santa Catarina |
Gilson Marques | Advogado e deputado federal de Santa Catarina pelo Partido Novo, é coordenador jurídico da Frente Parlamentar pelo Livre-Mercado |
Tiago Albrecht | Teólogo e vereador de Porto Alegre pelo Partido Novo, já atuou como assessor do deputado federal Marcel van Hattem e como pastor luterano |
Marcus Boeira | Professor Adjunto da UFRGS na Faculdade de Direito e visiting scholar na Pontifícia Universidade Gregoriana em Roma. Tem texto publicado no Burke Instituto Conservador e participação em produção do Brasil Paralelo em texto e vídeo. Interessante mencionar que o Burke se refere a uma plataforma on-line que disponibiliza cursos, vídeos e textos mediante assinatura mensal. Segundo seu website, é a plataforma de cursos on-line conservadores mais completa do Brasil, com mais de cinco mil estudantes e que promete “te tirar do mundo da fantasia que a grande mídia, a escola, e a sociedade te impõem e te trazer de volta à realidade através do Conservadorismo”. Entre os seus cursos, destacam-se títulos como “Ditadura gayzista e revolução cultural”, “Movimentos revolucionários e a guerra contra a família”, “Aborto e globalismo”, “Cristianismo e revolução: o mito do Cristo revolucionário”, entre outros |
Maria Fernanda Schmidt Baccelli | Graduanda em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e “criadora de conteúdo”. Tem, em sua rede social, trabalhado para divulgar o Acton e a plataforma Ranking dos Políticos |
Jean Marques Regina | Vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR) e professor no Curso “Pregando a Verdade sem Medo”. O IBDR foi criado em 2018 no Centro Cultural e Histórico do Mackenzie, a partir de um corpo diretor composto por Ives Gandra Martins, Davi Charles Gomes e Thiago Rafael Vieira. Segundo seu website, a missão do instituto se refere a “defender a verdade por meio da ciência jurídica, da filosofia, das humanidades e dos saberes técnicos e práticos por meio da promoção de um diálogo aberto, honesto e respeitoso entre as respectivas áreas de conhecimento a fim de avançar no conhecimento integral acerca do homem e sua relação com Deus e, consequentemente, sua vida em sociedade a partir de uma perspectiva cristã”. Já o curso supracitado, segundo seu website, argumenta: “Defenda os direitos da sua igreja, não sinta mais receio de se posicionar sobre assuntos sensíveis e suba no púlpito para falar toda a verdade presente na palavra de Deus”. Aprendendo a partir do “Direito Religioso”, o curso trata de temas como “Estado laico colaborativo brasileiro”, “Arte, Direito e Igreja”, entre outros |
Padre Matheus Aquino | Padre na Arquidiocese do Rio de Janeiro, atuante nas redes sociais onde trata de temas polêmicos. A exemplo, em uma de suas postagens datada de 2022 e intitulada “Os católicos podem votar em comunistas?”, o padre é taxativo ao argumentar que “… não é lícito votar em partidos comunistas” |
Fonte: Elaboração própria.
Talvez a melhor síntese, no Brasil, dessa junção entre neoliberalismo, religião e Direito, seja a figura de Deltan Dallagnol. Não à toa, a relação entre o ex-procurador e o Instituto Acton data de pelo menos 2019, quando Dallagnol ministrou palestra no plenário da Acton University sobre o tema da luta contra a corrupção no Brasil. Nesse sentido, o então procurador-chefe da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba é apresentado no site oficial do Acton Institute como “um jurista com formação em Harvard que liderou uma das maiores investigações de corrupção na história da América Latina, envolvendo o alto escalão da política e do empresariado brasileiro”. A página ainda destaca a liderança de Dallagnol na condução de campanhas nacionais contra a corrupção, buscando reformar leis e políticas para recuperar a integridade do estado de direito no Brasil. Por fim, são mencionados os prêmios internacionais recebidos por ele em virtude de sua atuação no combate à corrupção, como o Prêmio Anticorrupção da Transparência Internacional e o Prêmio de Conquista Especial pela Associação Internacional de Promotores.
Conforme apontado pelo website do Acton, o status de referência global da luta anticorrupção rendeu a Deltan Dallagnol (e a outros protagonistas da Operação Lava Jato, como o ex-juiz e atual senador Sergio Moro) a participação em importantes eventos políticos e acadêmicos internacionais, o recebimento de prêmios no Brasil e no exterior, o destaque na imprensa global e o protagonismo no debate político nacional por meio da promoção de iniciativas de amplas mudanças legislativas, como no caso das “Dez Medidas Contra a Corrupção”. Considerada como a principal pauta política da Lava Jato, as propostas das “Dez Medidas Contra a Corrupção” se baseiam na ideia central de que a impunidade seria a maior causa da corrupção. Seria necessário, portanto, alterar a legislação brasileira, de modo relativizar a carga probatória exigida para a condenação de agentes públicos envolvidos nesse tipo de crime. A defesa da relativização da presunção de inocência e da utilização de provas ilícitas gerou críticas por parte do mundo jurídico, inclusive de ministros do STF de perfil mais garantista, como no caso de Gilmar Mendes.
Deltan Dallagnol, na condição de procurador da República, liderou a campanha das “Dez Medidas Contra a Corrupção”, chegando a coletar mais de dois milhões de assinaturas, incluindo o apoio de personalidades públicas, dentre as quais se destacam líderes religiosos como André Valadão. Em agosto de 2017, Dallagnol esteve pessoalmente nesta igreja, ministrando uma palestra sobre a Operação Lava Jato e coletando assinaturas para a aprovação de suas medidas.
Ao se apresentar publicamente como um cristão evangélico e frequentador assíduo da Igreja Batista do Bacaheri em Curitiba, Dallagnol costumava se utilizar do discurso religioso e de suas conexões com pastores para apoio em relação à Operação Lava Jato, às “Dez Medidas Contra a Corrupção” e à sua candidatura política. Esse discurso de apelo à religião também pode ser identificado durante o julgamento de habeas corpus preventivo impetrado em favor de Lula no STF, em abril de 2018, quando Dallagnol anunciou publicamente em suas redes sociais que faria jejum e oração, “torcendo pelo país”.
Em outra situação ocorrida em 2017, após a derrota das “Dez Medidas Contra a Corrupção” (Projeto de Lei n. 4.850/2016) no Congresso Nacional que aprovou uma versão diferente daquela defendida pelos seus protagonistas, Dallagnol e seus colegas do MPF recorreram a figuras conhecidas da direita brasileira na Câmara dos Deputados, como Eduardo Bolsonaro, então filiado ao Partido Social Cristão (PSC), que impetrou Mandado de Segurança no STF para invalidar a votação no Congresso. Após vitória no Supremo, a relatoria da proposta ficou a cargo do deputado federal Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que chefiou diferentes ministérios durante o governo Bolsonaro. Tais episódios revelam “que os vínculos entre a Lava Jato e a direita radical são antigos e estreitos” (LIMONGI, 2023, p. 177).
Ao contrário de representarem meras alianças pragmáticas, é possível observar um alinhamento ideológico entre os discursos da direita brasileira e estadunidense e os da Operação Lava Jato, personificados na figura de Dallagnol – o conservadorismo moral (e religioso) e o liberalismo econômico. O “lavajatismo” identifica o Estado como a raiz dos males da corrupção e a classe política como os principais inimigos a serem combatidos pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário, na condição de “salvadores da pátria”. A partir dessa visão de mundo, que tem referência nos EUA como modelo ideal de sociedade, a luta anticorrupção abre espaço para uma defesa do neoliberalismo e do punitivismo no Brasil justificado por preceitos religiosos.
A ofensiva conservadora no Brasil é, assim, transnacional (tendo como importante núcleo de “exportação” institutos estadunidenses) e conta com o “fusionismo” religioso neoliberal que justifica e legitima ações nas esferas legislativa, executiva e, também, jurídica. É através da suposta “expertise técnica”, em que esses institutos se apoiam (caso do Acton), que é sustentada uma espécie de “colonização pedagógica” que perpetua a manutenção de estruturas desiguais e opressoras.
* Arthur Banzatto é doutorando no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e professor do curso de Direito da UEMS e do curso de Relações Internacionais da UFGD. Contato: arthur.banzatto@gmail.com. Camila Vidal é professora no Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSC e integrante do INCT-INEU. Contato: camilafeixvidal@gmail.com. Rodrigo Tapia é mestrando no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da UFSC. Contato: rodrigortapia97@gmail.com.
** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 28 jun. 2023. Este Panorama EUA não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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