‘The American Political Economy: Politics, Markets, and Power’ propõe subcampo da Economia Política
Por Lucas Amorim* [Republicação] [Resenha]
Com uma estrelada equipe de organizadores, The American Political Economy: Politics, Markets, and Power (Cambridge University Press, 2021) parte da ousada premissa de que a configuração político-econômica dos Estados Unidos não tem paralelo contemporâneo. Apesar da singularidade e da importância do país para a economia global, os estudos de economia política sobre os EUA encontram limitações nas abordagens adotadas pelos americanistas, que enfatizam as instituições políticas formais (especialmente o Congresso) e ignoram entidades como empresas, bancos, associações de empregadores e sindicatos (Helme; Levtsky, 2004).
O título do livro reflete a tentativa dos organizadores de emplacar um novo campo de estudo chamado Economia Política Americana, que, aproveitando as contribuições da Economia Política Comparada e da Economia Política Internacional, supere essas limitações.
Três perguntas orientam o esforço proposto por Hacker e seus colegas. Em primeiro lugar, por que os interesses corporativos organizados conseguiram, na última geração, definir metas mais concisas e aumentar seu poder político? Em segundo lugar, por que o Partido Republicano abraçou políticas de extrema direita (etnonacionalismo, medidas antidemocráticas, prioridades anti-igualitárias e desmantelamento do Estado) em um nível sem precedentes em outras economias desenvolvidas? Por fim, por que o pioneirismo americano no desenvolvimento de uma economia do conhecimento pós-industrial parece cada vez mais ameaçado?
Para responder a essas perguntas, os editores propõem que o novo campo da Economia Política Americana se concentre no estudo de como as configurações institucionais moldam a organização política em coalizões que produzem efeitos de longo prazo no desenvolvimento do país. A partir da Economia Política Internacional, o campo de Economia Política Americana deve aproveitar considerações sobre a posição distinta dos Estados Unidos como uma potência global e centro da economia global (Dabat; Leal, 2019).
No que diz respeito ao campo da Economia Política Comparada, o novo campo deve superar a abordagem baseada apenas nas preferências dos eleitores e no processo eleitoral, concentrando-se em como as instituições produzem padrões duradouros de governança econômica que privilegiam alguns agentes em detrimento de outros.
Algumas características da configuração institucional americana contribuem para a situação política e econômica atual no país. Um cenário de governança fragmentado tanto horizontal (com um grau único de separação de poderes) quanto verticalmente (hiperfederalismo) afeta a distribuição de bens públicos, aprofundando a lacuna entre os privilegiados e os desfavorecidos.
Esse quadro institucional também favorece agentes capazes de atuar em múltiplos locais, por longos períodos, e em um ambiente político que simultaneamente dificulta a ação governamental coordenada e favorece a evasão de tentativas regulatórias.
Essas são características de grupos organizados e não de cidadãos individuais, o que diminui ainda mais a sensibilidade do sistema político às opiniões dos eleitores. Além disso, as estruturas duradouras de organização política e social refletem e reforçam desigualdades raciais, as quais, embora não exclusivas dos Estados Unidos, encontram lá um nível de intensidade incomparável entre seus pares desenvolvidos.
A associação entre esses elementos permite uma curiosa coalizão entre os interesses de grupos corporativos e brancos (especialmente os homens) de regiões rurais. Os autores afirmam que esse segmento da população tem sido especialmente negligenciado pelo Estado após a transição econômica para um modelo econômico pós-industrial.
Melissa Johnson/Flickr)
Esta coalizão “plutocrático-populista” está ciente dos diversos pontos de veto oferecidos pelo sistema político e os utiliza para cristalizar desequilíbrios de poder em arranjos duradouros na economia política americana. Os resultados dessas ações são apresentados como “naturais”, como se fossem o resultado da dinâmica de mercado, ou da inação política, quando na verdade tanto o mercado quanto a paralisia política são cuidadosamente planejados.
Esses movimentos são possíveis porque instituições como o Senado, o Colégio Eleitoral e o sistema eleitoral majoritário para a Câmara garantem uma representação desproporcionalmente maior às áreas rurais em detrimento das urbanas (Diller, 2016).
Os 13 capítulos da obra são escritos por autores de várias universidades nos Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha, e exploram questões específicas por meio da vertente do neoinstitucionalismo histórico apresentada pelos editores em sua introdução ao trabalho.
Os capítulos são organizados em quatro partes temáticas. Na parte 1, intitulada “Arenas e Atores Políticos”, os autores exploram o quadro institucional dos Estados Unidos, sem ignorar questões como o movimento trabalhista e a influência do direito no processo político.
Os capítulos da parte 2, intitulada “Raça, Espaço e Governança”, concentram-se nas relações raciais e nas consequências geográfico-espaciais das clivagens sociais encontradas na sociedade americana. A terceira parte do livro, intitulada “Poder Corporativo e Concentração”, lida com a forma particular de capitalismo desenvolvida no país, explorando questões específicas, como regras de propriedade intelectual, governança corporativa e mercado de trabalho.
A parte final é intitulada “A Economia do Conhecimento Americana”, onde os autores discutem o futuro da economia do conhecimento pós-industrial americana e as ameaças que ela enfrenta atualmente, como o declínio relativo do papel dos Estados Unidos como impulsionador da inovação. A equipe de editores também assina um epílogo do livro focado no impacto da pandemia da covid-19 no cenário político-econômico dos Estados Unidos.
No entanto, o livro organizado por Hacker, Hertel-Fernandez, Pierson e Thelen não está isento de falhas. Uma das mais óbvias é a ausência de autores de países fora das chamadas “democracias avançadas”. Os organizadores também limitam muitas análises do livro, como o argumento de que o caso americano é único, a essa categoria de países sem oferecer uma justificativa plausível.
Diante da onda populista de extrema direita que varre o mundo, percepções de pesquisadores periféricos poderiam ajudar a elucidar o que é específico dos Estados Unidos e o que faz parte de uma tendência mais ampla na política global. Um exemplo que vem à mente, enquanto pesquisador periférico, é a reprodução da coalizão populista-plutocrática e da ascensão de um líder populista de extrema direita no Brasil, mesmo na ausência do contexto institucional e socioeconômico único dos Estados Unidos.
A falta de explicação de outros casos não ocorre por má-fé, mas sim por um viés inerente encontrado na tentativa de explicar a idiossincrasia do caso americano. Embora limitada e até mesmo manchada por um toque de excepcionalismo, a leitura continua essencial para os americanistas e recomendada para os cientistas sociais em geral uma vez que oferece um modelo elegante que unifica elementos institucionais, sociais e econômicos para explicar o contexto atual nos Estados Unidos.
Merece destaque especial a inclusão da questão racial não apenas como uma nota de rodapé, mas como parte integral do quadro teórico e diagnóstico subsequente do cenário político-econômico dos Estados Unidos. Embora seja preciso esperar para ver se os organizadores da obra terão sucesso em sua ambição de criar um novo campo de investigação, valiosas lições podem ser aprendidas por meio do estudo do caso americano.
The American Political Economy oferece ferramentas analíticas que serão de grande valia para entender outros casos e o quadro mais amplo da onda populista de extrema direita que abalou o mundo nos últimos anos.
* Lucas Silva Amorim é pesquisador colaborador do OPEU e doutorando pelo Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP). Contato: amorimlucas@usp.br.
** Revisão e edição final da versão em português: Tatiana Teixeira. Publicado originalmente em inglês na Revista de Estudos Internacionais (REI) da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), v. 14, n. 1, jan.-jun. 2023. Esta resenha não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
Referências
Dabat, Alejandro; Leal, Paulo. (2019) The rise and fall of the United States in global hegemony. Problemas del Desarrollo. 50 (199).
Diller, Paul A. (2016) Reorienting Home Rule: Part 1–The Urban Disadvantage in National and State Lawmaking. Louisiana Law Review. 77 (2): 287-358.
Hacker, Jacob S., Hertel-Fernandez, Alexander, Pierson, Paul and Thelen, Kathleen (eds). (2022) The American Political Economy: Politics, Markets, and Power. Cambridge: Cambridge University Press, 486p.
Helmke, Gretchen; Levitsky, Steven. (2004) Informal Institutions and Comparative Politics: A Research Agenda. Perspectives on Politics. 4 (2): 725-740.
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