Política Doméstica

O ativismo político na Suprema Corte dos Estados Unidos

(Arquivo) ‘Seja um juiz, não um político’, diz cartaz de manifestante em protesto diante da Suprema Corte em 8 de maio de 2022 (Crédito: Victoria Pickering/Flickr)

Por Felipe Sodré Fabri, Thais Caroline Lacerda e Marcos Cordeiro Pires* [Informe OPEU]

A dificuldade para se criar uma sólida maioria nas duas casas do Congresso dos Estados Unidos, ou de se criar consensos bipartidários, está dando um protagonismo político adicional para a Suprema Corte (SC) do país. Questões polêmicas como a estruturação de uma nova política para a imigração, sobre os direitos reprodutivos, o redistritamento, a fixação de regras ambientais etc., que não conseguem ter uma solução por meio de leis acabam parando no Judiciário. Nesse aspecto, políticos ligados ao Partido Republicano tem se valido da maioria conservadora na SC para impor suas políticas ligadas aos costumes sobre diversas decisões do governo de Joe Biden.

Três questões de grande impacto social foram decididas pela Corte em questão de dias: os juízes votaram por derrubar o plano do governo Biden de reduzir a dívida estudantil do país, avaliada em US$ 1,7 trilhão em 2023; acabaram com as ações afirmativas nas universidades americanas que existiam desde a década de 1960 com o intuito de combater a discriminação; e, por fim, votaram a favor de permitir que pessoas LGBTQIAPN+ possam ser discriminadas por comerciantes e donos de estabelecimentos, acolhendo o argumento de que estariam fundamentados na Primeira Emenda da Constituição.

Trump no evento da Filadélfia

Essas decisões acentuaram ainda mais o papel que a Suprema Corte tem na vida da população americana. No contexto da decisão histórica em relação à ação afirmativa nas universidades, determinando que a raça não pode mais ser considerada um fator para admissão, o presidente Joe Biden expressou forte discordância com a decisão, afirmando que a discriminação ainda existe no país. Ele também destacou que a Suprema Corte não é um tribunal comum, sendo composta por nove juízes ideologicamente divididos entre conservadores e liberais.

Nesse sentido, é importante observar que dentre os seis juízes conservadores, três deles foram indicados por Donald Trump. Em um evento na Filadélfia da organização de direita Mães pela Liberdade (foto ao lado) em 30 de junho, o ex-presidente se referiu às suas três nomeações (Neil Gorsuch, Brett Kavanaugh e Amy Coney Barrett) como “valiosas”. Sugeriu, ainda, que poderia indicar mais juízes conservadores, se fosse eleito novamente para a Casa Branca. O perfil conservador se sobressaiu quando a Corte derrubou a “Roe v. Wade” – que garantiu no início dos anos 1970 o aborto legal em todo o território americano – com seis votos dos conservadores.

Apesar das recentes decisões polêmicas, será que a divisão entre “liberais” e “conservadores” é regra na Corte, ou há casos em que se opta pela cooperação entre os juízes?

No dia 23 de junho, a Suprema Corte votou a favor da manutenção da política de imigração da administração Biden, indo contra os estados do Texas e da Louisiana que acionaram o governo contra as diretrizes governamentais. Ambos os estados desejavam manter uma política de imigração mais dura, indo contra o governo federal e relembrando a era do ex-presidente Donald Trump.

Com apenas um voto, a política mantida se baseia em garantir que os agentes da imigração dos Estados Unidos possam prender, ou deportar, apenas indivíduos que representem uma ameaça à segurança do país e que tenham cruzado a fronteira recentemente. Divergindo da Casa Branca, atuais governo do Texas e da Louisiana não apoiam essa política, o que os fez levar o caso para a Suprema Corte com o intuito de garantir que a adoção dessa nova agenda não fosse obrigatória para os estados. A decisão representou, no entanto, um revés para esses estados e uma vitória para a atual administração, que já vinha enfrentando críticas sobre sua política migratória.

A decisão teve apoio tanto do bloco liberal como conservador da corte, demonstrando que não havia uma questão política no meio. O que se deu, como disse o juiz Kavanaugh, é que os “tribunais federais tradicionalmente não têm considerado esse tipo de processo judicial”, dificultando uma decisão. Ademais, ele também enxerga que, para esse tipo de caso, o Congresso tem “uma gama de ferramentas para analisar e influenciar essas políticas”, o que mostra como a Corte não opina se tais ações são apropriadas, afastando-se do ato de decidir em ações dessa natureza. Logo, mesmo que o governador do Texas, o conservador Greg Abbott, tenha discordado desse resultado, o presidente Biden tem várias razões para celebrar.

Ressalta-se que essa decisão sobre a imigração não foi a única que teve apoio tanto dos juízes liberais como de conservadores. Outros casos importantes, em que juízes conservadores e liberais da Suprema Corte se uniram para rejeitar argumentos jurídicos agressivos apresentados por representantes eleitos conservadores, são ilustrativos. Esses casos abrangem questões como direitos de voto e bem-estar infantil dos nativos americanos.

No caso específico dos direitos de voto, os juízes rejeitaram uma tentativa republicana de enfraquecer uma lei de direitos de voto e decidiram a favor dos eleitores negros no Alabama, ordenando que o estado redesenhe seus distritos congressionais para garantir uma representação mais equitativa. A decisão foi alcançada por uma margem de 5 a 4, com a união de juízes conservadores e liberais. Portanto, acordos inesperados existem na Suprema Corte, mesmo que os conservadores estejam na maioria.

A ideologia política ainda é, no entanto, o principal fator para a polarização existente na instituição, refletindo a forte divisão que existe atualmente nos Estados Unidos. Há alguns anos, conservadores e liberais se mostram cada vez mais distantes de um consenso sobre diversos tópicos. O Partido Republicano, em especial, está adquirindo uma feição mais radical desde que passou a apoiar medidas profundamente conservadoras em diversos estados, como Flórida e Texas. Nesses locais, leis mais rígidas estão sendo adotadas, afetando negativamente a população migrante e minorias. Na Flórida governada por Ron DeSantis, por exemplo, diversas leis contra pessoas transexuais são elaboradas pelo governo estadual, algo repetido por outros estados governados por republicanos.

Logo, dentro da Suprema Corte, legislações estaduais encontram eco entre os juízes que começam a adotar posturas antes consideradas pouco prováveis dentro da instituição. Especificamente sobre a questão da discriminação contra pessoas LGBTQIAPN+ por parte de comerciantes, a Corte votou em favor de uma web designer cristã que se negava a prestar serviços para casais homoafetivos. Antes da decisão, não era permitido anunciar que ela não trabalharia com esse grupo porque em seu estado, o Colorado, essa postura era proibida.

Paralelamente, os Estados Unidos estão caminhando para a próxima eleição presidencial, que acontecerá no próximo ano, e as decisões da Suprema Corte impactam como o eleitorado vai exercer seu voto e escolher seus novos representantes, incluindo o presidente. Esse posicionamento pode ser visto a partir de pesquisas realizadas sobre as decisões tomadas.

Segundo uma pesquisa realizada pela rede ABC e pelo instituto Ipsos, 52% da população aprovou a decisão contrária às ações afirmativas, contra 32% que as defendem; 45% apoiaram a derrubada da política de perdão das dívidas estudantis (40% se mostraram favoráveis à medida de Biden); e 43% apoiaram a decisão favorável a web designer cristã (42% são contrários à discriminação). Isso mostra que a população está bastante dividida. Vale ressaltar que, frente às últimas decisões polêmicas da Corte, 53% dos americanos acreditam que a instituição toma decisões baseada em posições políticas, não no direito, um percentual elevado se comparado a janeiro de 2022, quando 43% tinham esse mesmo posicionamento.

A atual maioria da Suprema Corte dos Estados Unidos tem adotado diversas decisões controversas que afetam a vida de milhões de americanos. Esse problema traz de volta temas como a restruturação do órgão, como é o caso da deputada democrata Alexandria Ocasio-Cortez, que já chegou a defender um aumento do número de juízes, visando ao fim da maioria conservadora. Observa-se que os dois principais candidatos à presidência em 2024, o atual presidente Joe Biden e o ex-presidente Donald Trump, vêm mencionando o papel da Corte em seus discursos, mesmo que, caso um deles seja eleito, possivelmente não haja uma nova nomeação. Os próximos juízes a se aposentarem são Clarence Thomas, de 73 anos, e Samuel Alito, de 71. Os dois se aposentarão, possivelmente, entre 2029 e 2031, e o mandato do próximo presidente, que vai se iniciar em 2025, já terá terminado.

AOC calls out fellow Dems for lacking the 'stones' to play 'hardball' on the Supreme Court‘Aumente a corte’, diz AOC em tuíte (Crédito: Kevin Cavallin/Flickr)

Portanto, considerando as decisões polêmicas e os debates resultantes desses processos, a Suprema Corte tem um status mais relevante na vida dos indivíduos e coletividades. Temas referentes ao poder das leis e da Justiça têm sido cada vez mais discutidos pela população dos Estados Unidos, com parte dela olhando com preocupação os próximos pleitos eleitorais, justamente pelo radicalismo que adentrou a política americana e que é espelhado na Suprema Corte. Ademais, a prática cada vez mais frequente de indicar juízes mais jovens para a Suprema Corte aumenta a possibilidade de a atual maioria de perfil conservador permanecer por décadas, como é o caso da juíza Amy Coney Barrett, nomeada de Trump que adentrou a Corte com 50 anos.

O dilema atual enfrentado por Biden não é novidade na história estadunidense. Durante seu mandato, entre 1933 e 1945, Franklin D. Roosevelt teve diversos embates com uma Suprema Corte conservadora que agiu para boicotar muitas das políticas do New Deal. Em 1937, ele tentou ampliar, sem sucesso, o número de juízes. Mesmo tendo a maioria nas duas Casas, o presidente não conseguiu apoio de dois terços do Senado para modificar a composição ideológica da Corte. Se Roosevelt não conseguiu mexer no status quo no auge de sua popularidade, é muito improvável pensar que Biden possa fazê-lo.

 

* Felipe Sodré Fabri é graduando em Relações Internacionais. Unesp de Marília. Contato: felipe.sodre@unesp.br.

Thais Caroline Lacerda é coordenadora do Latino Observatory, junto com Marcos Pires, e doutora em Ciências Sociais (Unesp-Marília). Contato: latinobservatory@latinobservatory.org.

Marcos Cordeiro Pires é doutor em História Econômica (USP). Livre-Docente em Economia Política Internacional (Unesp). Professor do curso de Relações Internacionais (Unesp-Marília). Coordenador do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da Unesp (IEEI). Membro do INCT-INEU. Docente dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Sociais (Marília) e de Relações Internacionais “San Tiago Dantas” (Unesp-PUC-SP-Unicamp). Contato: marcos.cordeiro@unesp.br.

** Recebido em 4 jun. 2023. Primeira revisão: Simone Gondim, jornalista formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com mais de 20 anos de experiência profissional, entre redações, assessoria de imprensa e produção de conteúdo para Internet e redes sociais. Contato: simone.gondim.jornalista@gmail.com. Segunda revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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